A maior adesão da volta às aulas presenciais neste ano fez com que as empresas de transporte que estavam com os serviços suspensos retornassem em Caxias do Sul. O formato é a principal alternativa para pais ou responsáveis que não conseguem, por diversos motivos, levar e buscar seus filhos na escola. Mas, mesmo com o serviço tradicionalmente utilizado em vigor, adultos precisam estar atentos a itens que ajudam a entender se a empresa contratada é idônea e, mais do que isso, se não está no alvo da fiscalização por atuar de forma clandestina.
Caxias possui mais de 781 vans escolares em operação. É por isso que o gerente da Escola Pública de Trânsito — da Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMTTM) — Joelson Queiroz, resumiu, a convite da reportagem, quais são os principais fatores que devem ser observados com cautela antes de iniciar a contratação daquele que irá transportar seu filho todos os dias em meio a um trânsito que oferece perigo diário por conta de imprudências de muitos motoristas.
A primeira atenção deve ser com um selo. O veículo que está em dia terá um documento emitido pela SMTTM colado no para-brisa. Esse selo é recebido a cada vistoria, que é obrigatoriamente realizada duas vezes por ano. Mesmo assim, não é apenas isso que garante o funcionamento legal. A melhor forma de saber se tudo está em dia com a empresa é verificar a situação com a própria secretaria. Essa medida pode ser tomada por qualquer cidadão indo até a pasta, localizada na Rua Moreira Cesar, nº 1.666, ou pelo telefone: (54) 3290-3917.
— É importante verificar porque tudo o que é necessário é exigido antes desse cadastro ser liberado. A exigência é bem burocrática para que realmente se tenha segurança por parte dos pais que estão entregando os filhos para uma empresa e, consequentemente, para um motorista que precisa ter a responsabilidade de fazer esse transporte de forma segura — diz Queiroz.
No cadastro da SMTTM consta, inclusive, se o motorista passou pelo curso de formação no transporte escolar, que precisa ser renovado a cada cinco anos. A obrigatoriedade está prevista na Resolução 789 do Denatran, segundo o Sest Senat, que pertence ao Sistema S, e oferece o curso gratuitamente caso o interessado seja vinculado a alguma empresa.
Da mesma forma, é possível denunciar caso se perceba que há algo de errado com o transporte em questão. A denúncia pode ser feita pelo telefone (54) 3290-3923 ou no número 118 da secretaria, além do 156 do Alô Caxias, que disponibiliza acompanhamento do caso pelo número do protocolo.
Vans precisam ser vistoriadas a cada semestre
Segundo o diretor de Trânsito e Transportes da secretaria municipal, Éder Martini, há dois tipos de ações que são feitas em prol da segurança das vans. Uma delas é a fiscalização por meio de flagras nas ruas. A outra é mais burocrática. Nesta última, são emitidos selos conforme as vistorias realizadas duas vezes por ano pela fiscalização de Transportes na secretaria municipal. Além dos documentos, a vistoria avalia a parte mecânica.
— A van é aprovada após uma vistoria por meio de empresas credenciadas. São duas em Caxias, que prestam serviço para o Detran. Lá são feitas as avaliações por técnicos e engenheiros. Depois disso, o interessado volta à secretaria com o documento de aprovação e então recebe o selo semestral — explica.
Monitores e cinto de segurança são desafios
Existe uma lei municipal em Caxias do Sul que trata da presença de monitores no transporte escolar. A obrigação é que exista a presença desse profissional dentro dos veículos para crianças de até 10 anos. No entanto, a fiscalização se vê inoperante porque a lei não traz especificações, segundo explica Martini.
— Quem deve ser esse monitor? Um aluno mais velho ou alguém com vínculo empregatício? Quais as atribuições? Acabamos ouvindo essas interpretações já que não há as respostas no texto (da lei) — diz.
Outro fator que exige atenção dos motoristas é sobre o uso do cinto. Ele é obrigatório mas, principalmente em adolescentes, a regra acaba não sendo respeitada em muitos casos. Joelson Queiroz relata que esta é uma das maiores reclamações dos motoristas.
— Uma das coisas que friso é que a educação precisa vir de casa. Já trabalhei como transportador (escolar) e tinha muita dificuldade para que as crianças utilizassem o cinto. Fui xingado por aluno porque ele era acostumado a não utilizar o cinto com o pai e depois o próprio pai quis tirar satisfação, me empurrou e tudo. É aí que percebemos a dificuldade. Se não tiver a parte dos pais, fica complicado. Caso aconteça alguma fatalidade, a culpa será do transportador, do motorista, da prefeitura. Pedimos que os pais chequem pessoalmente, que vão até a van verificar— diz.
O comportamento defendido por Queiroz é também citado pela professora Sabrina Giusto. Mesmo que o acidente que vitimou Lucas Pelissari Jordani, 16 anos, não tenha relação direta com as condições operacionais de segurança das vans, ela faz um alerta. Sabrina foi buscar o filho no local do acidente — entre as ruas Luiz Antunes e Daltro Filho, no bairro Panazzolo, em 25 de junho — minutos depois do fato. O jovem sofreu apenas uma batida leve na cabeça, mas o estado de choque o marcou para sempre. Ele estava sentado a três bancos de Lucas na van escolar que transportava os adolescentes.
— A sociedade em si é omissa. Eu fui omissa como mãe. Não fui meticulosa de checar detalhes. Talvez também seja uma omissão das famílias porque adolescentes podem ser mais revoltados e não usar (o cinto). É possível que isso não seja checado todos os dias. Com certeza os motoristas devem pedir, mas não sabemos se obedecem. A escola também poderia orientar melhor. Quando chamamos uma tele-entrega, por exemplo, já queremos saber quanto tempo vai demorar. Isso faz com que os motoboys andem da contramão e passem no sinal vermelho. Cada um tem uma parcela de contribuição — declara.
Mesmo que Sabrina se refira ao acidente, a van em questão, da empresa Tio Ale, estava em dia com as exigências. A informação sobre a regularidade da van é confirmada pela SMTTM que, inclusive, informou que a empresa mantinha as vistorias mesmo em períodos de aulas suspensas durante a pandemia.
— Se os cintos não estivessem em boas condições nem teríamos sido aprovados nas vistorias obrigatórias. A mais recente foi realizada em maio. Está tudo regularizado e sempre fazemos até antes do prazo. Foi uma fatalidade — lamentou a a sócia-proprietária da Tio Ale, Elaine Lanzarini.
Oito pessoas ouvidas pela Polícia Civil
O acidente que vitimou Lucas ainda é investigado pela Polícia Civil em Caxias. A van subia a Rua Daltro Filho quando aconteceu a colisão com o veículo, que estava na Rua Luiz Antunes. A van escolar tombou. O que se sabe até o momento é que Lucas foi arremessado pela janela e teria sido colocado para fora do veículo com a força do impacto, segundo o delegado que investiga o fato, Caio Fernandes. O relato, ouvido pela reportagem um dia depois do ocorrido, é de que o irmão trocou de lugar com Lucas pouco antes do acidente. Ainda não é possível afirmar se o jovem ficou de pé, já que o veículo estava a alguns metros da casa do adolescente e, por isso, ele já havia se posicionado perto da saída. Lucas se feriu gravemente após a van cair por cima dele e morreu em atendimento no Hospital Pompéia.
De acordo com o delegado, ainda é necessário aguardar laudos de conclusões da perícia. A resposta pode demorar até 30 dias, mas Fernandes acredita que o Instituto Geral de Perícias terminará antes. Até o momento, tudo leva a crer que a condutora do carro possa ser indiciada por ter passado em sinal vermelho. Segundo o delegado, ela negou o fato em depoimento. Por isso, a Polícia Civil já ouviu oito pessoas, entre envolvidos e testemunhas. Pelo menos dois vídeos de duas câmeras de monitoramento da região são analisados.
— Caso a linha de investigação seja confirmada, existe a possibilidade pelo indiciamento como homicídio culposo de trânsito da condutora (quando não há intenção de matar), mas ainda aguardamos resultado de perícia mecânica. Pode ser que, após receber o resultado, toda a percepção do que ocorreu mude. Qualquer detalhe pode influenciar — disse.
Questionado sobre as condições da van escolar envolvida, o delegado entende que não interfere no caso, assim como a responsabilização sobre o uso do cinto.
— Por acaso o licenciamento passou no sinal vermelho? Sobre o cinto, a van é relativamente nova e está dentro do prazo. Mas, se não estivesse, por acaso o cinto se rompeu? Não. Agora, se ele estivesse com o cinto existe a possibilidade, tudo indica, de que ele seria contido. Temos também que levar em conta que uma coisa é o motorista fiscalizar o cinto de uma criança, outra é de um adolescente de 16 anos — ressalta.
Caberá à Polícia Civil indiciar, ou não, responsáveis pelo acidente. Após, a conclusão será encaminhada ao Judiciário.