Em meio à pandemia de coronavírus, Caxias do Sul enfrenta outra situação de saúde pública que deixa a cidade em alerta: a infestação de focos do mosquito responsável por transmitir dengue, zika vírus e febre chikungunya. Até o momento, 163 criadouros de aedes aegypti foram encontrados na cidade. Para se ter uma ideia, 27 focos foram localizados em todo o ano de 2020. É um salto de 503% no número de registros. Esse crescimento levou a prefeitura a realizar, de 26 de abril a 5 de maio, o Levantamento de Índice Rápido do Aedes Aegypti (Lira), que sorteou quarteirões para que todos os bairros da cidade fossem visitados.
— Foram 8.021 visitas com 211 coletas de larvas e constatamos o que era esperado: que o nosso município está infestado com o mosquito — explica a diretora técnica da Vigilância Ambiental em Saúde, Sandra Flavia Tonet.
Ela reforça que o agravamento da situação não foi provocado devido a mudanças ambientais, mas, sim, em função do comportamento da população.
— O que temos encontrado, infelizmente, é o descaso das pessoas. A população deixou de olhar a sua casa, o seu quintal, de cuidar da cidade. Com a pandemia de covid-19, muitos deixaram de cuidar do básico. Tanto que apenas seis focos foram encontrados nos chamados pontos estratégicos. Estamos encontrando focos em lugares que nunca imaginamos, como em brinquedos de criança nos pátios de casas — diz ela, que explica ainda que os pontos estratégicos são àqueles locais que recebem visitas a cada 15 dias, como borracharias, reciclagens, floriculturas e cemitérios, que são espaços onde há maior probabilidade de focos do mosquito, devido à presença de recipientes que acumulam água da chuva.
Embora os focos de aedes aegypti estejam espalhados por Caxias do Sul, a maior parte se concentra nos bairros Cruzeiro, com 41 focos, e São José, onde foram eliminados 20 criadouros. De acordo com a diretora, não se sabe porque esse é o ponto com mais registros. Os 163 focos foram eliminados, mas o mosquito adulto está presente na cidade e, por isso, a comunidade precisa mudar de atitude:
— Não sabemos porque a maioria está nessas localidades, pois são comunidades aparentemente iguais as outras. Acredito que o aedes aegypti se instalou nestes bairros e encontrou muitos criadouros, se estabeleceu e teve ambiente favorável, principalmente nas residências. É uma combinação de criadouros e água parada aliada a alimentação (sangue humano) e temperatura. Assim, temos um ciclo acelerado e uma infestação mais rápida. Nós podemos estar tendo os mosquitos de agora por ovos do ano passado —lamenta.
Não há casos da doença na cidade, mas os focos preocupam pela possibilidade de infecção. No ano passado, Caxias teve um caso de morador com dengue contraída no próprio município, chamado autóctone. Significa que a pessoa, uma mulher de 40 anos, residente do bairro Petrópolis, não obteve a contaminação em viagens a locais de risco, mas que contraiu por criadouros de Caxias.
Descuido
O motivo do agravamento da situação não é novo no campo da saúde, segundo especialistas no assunto. Isso porque sempre que determinada doença é erradicada, aqui ou em outros países, a comunidade baixa a guarda e volta a se descuidar. No caso da dengue, a água parada é a maior vilã. Basta uma pequena quantidade para que a fêmea consiga colocar os ovos e, em contato com a água, se reproduzir.
O inseto fica na parede de objetos como pneus, vasilhas, baldes, tijolos, garrafas, latas ou qualquer outro que possa armazenar água da chuva. Os ovos não são postos na água, mas milímetros acima da superfície. Assim, os objetos podem estar secos, mas, quando chove, o nível da água sobe e entra em contato com os ovos, que nascem em pouco menos de 30 minutos.
Em um período entre sete e nove dias, um novo mosquito estará formado, passando por quatro fases: ovo, larva, pupa e adulto. Durante as visitas, as equipes da Vigilância Ambiental monitoram potes de água e comida de cães e gatos, ralos de esgoto, onde colocam telinhas, baldes, vasilhas, pneus, tonéis e demais objetos que acumulem água. Se forem encontradas larvas do mosquito, elas são recolhidas e analisadas no laboratório da secretaria para identificar a espécie do inseto.
As equipes tem relatado que a situação se agrava porque há falta de manutenção em piscinas, lonas jogadas em cima de objetos, que formam pequenas poças, tonéis de água sem tampa, pavilhões vazios e construções civis paradas por causa da pandemia:
— O maior problema é a falta de cuidado e o relaxamento sanitário que todos conhecem: não pode acumular água. A prevenção é estar atento aos locais que armazenam água e lavar com sabão. Não é só esvaziar, tem que limpar porque o ovo do mosquito sobrevive sem a água. Nós podemos estar tendo os mosquitos de agora, por ovos do ano passado. Não é de agora — explica Sandra.
Ela ressalta ainda que foram recolhidos 218 pneus deixados em via pública.
— As orientações que passamos e os pedidos que fazemos para a comunidade não são novos: as pessoas sabem o que precisam fazer. Tem que recolher o lixo e não deixar locais com água parada. Percebemos que aumentou o número de terrenos, empresas e casas abandonados e que esses espaços estão virando lixões na nossa cidade. Se o descarte for correto, sem que acumulem objetos e aprendam onde descartar o lixo corretamente vamos ter uma mudança — alerta.
Resistência em receber os fiscais
As equipes da Vigilância Ambiental também tiveram dificuldades para realizar visitas, porque os moradores não permitiam a entrada dos fiscais:
— Enfrentamos resistência dos moradores durante as visitas. Acredito que em função da pandemia, a equipe via que as pessoas estavam em casa, mas não abriam o portão para permitir a vistoria. A visita não é para intimidar, mas, sim, orientar. E para que a comunidade nos ajude a eliminar o foco e não deixar o inseto se proliferar.
Sobre a reprodução do mosquito ser mais lenta no inverno, ela lembra que é preciso manter a atenção para evitar o aumento de focos:
— Vamos ter a diminuição na reprodução, mas não significa que a gente não vá mais encontrar os focos porque os ovos podem ficar até 450 dias em um ambiente sem água, inclusive resistindo a baixas temperaturas. Temos mosquitos adultos sobrevoando Caxias. É nossa responsabilidade cuidar do nosso lixo.
Ela ressalta ainda que a prefeitura intensificou a fiscalização, e também a divulgação para conscientizar a comunidade sobre a necessidade de prevenção:
— Assim que pudermos, vamos retornar com os teatros e orientações nas escolas. Fazíamos as campanhas nos semáforos e tínhamos as campanhas com a Codeca, mas ainda estamos aguardando retorno. Por isso a intensificação das visitas que é uma ação que podemos executar agora — finaliza.
Cruzeiro acende alerta
Apesar de o Cruzeiro ser o bairro da cidade que mais tem focos do mosquito, o presidente da Associação de Moradores (Amob) Nelson Acioli Vieira Filho, desconhecia que a prefeitura localizou 41 criadouros do inseto na região.
— Acredito que falta diálogo da prefeitura com as lideranças dos bairros. Em anos anteriores nos ligavam para que indicássemos pontos que pudessem ter problemas e até mesmo para irmos junto.
Ele reclama que, em 2021, a Amob não foi comunicada sobre o assunto, e também não participou de outras decisões que impactam a comunidade, como mudanças no atendimento da unidade básica de saúde (UBS) e a troca do trajeto da linha do taxi lotação no bairro.
— Como vamos nos mobilizar enquanto associação se não sabemos do assunto? Precisamos dessa troca para que a comunidade possa ajudar.
Proprietária de uma floricultura na Avenida Sirius, Maria Claudia Avrela afirma que a equipe da Vigilância Ambiental fiscaliza com frequência o estabelecimento, considerado ponto estratégico. Ela não sabia que eram tantos focos, mas foi informada pela equipe que haviam sido localizados criadouros do inseto no bairro.
— Nunca fui autuada ou multada porque tenho todo o cuidado com os vasos. O município está em cima disso.
Ela conta que abre os vasos embalados para secar o papel que enfeita os objetos e a própria estrutura.
— Ali cria uma crosta e o mosquito coloca os ovos. Passo álcool em todos os vasos. Nós temos que ter cuidado, e os moradores também. Se cuidarmos bem, o mosquito vai embora, ele não se cria. Dá trabalho, mas é o cuidado que precisa para o inseto não se reproduzir.
Em outra floricultura, na Rua Antônio Broilo, as visitas ocorrem de 15 em 15 dias, e com mais frequência quando são localizados focos do mosquito nos proximidades.
— A equipe percorre toda a floricultura. Olham plantas mais específicas, como bromélias, por causa da água. Fiscalizam as caixas d'água e os vasos. As fontes eles nos pediram para colocar cloro, mas como os passarinhos vinham tomar água, optei por desativar para não fazer mal a eles — afirma a proprietária Lusimara Susin.
Ela finaliza:
— Temos todos os cuidados porque qualquer mosquito é um problema.
UAB garante que está monitorando a situação
O presidente da União das Associações de Bairros (UAB) de Caxias do Sul, Valdir Walter, garante que o movimento comunitário está acompanhando a situação da dengue na cidade:
— Estamos acompanhando e é uma situação que o morador tem que ter consciência.
Ao contrário do presidente da Amob Cruzeiro, ele afirma que há integração entre a UAB e o município.
— Acho que está bem integrado porque colocamos no grupo da UAB e já pedimos para eles acompanharem. A própria prefeitura avisa os presidentes quando vai atuar naquela área. Muitas vezes os moradores se não conhecem, as pessoas não abrem e não deixam ninguém entrar. Então, o presidente acompanha para que o pessoal possa fazer o trabalho necessário. Acredito que há sintonia entre a prefeitura e a Associação de Moradores — ressalta.
Contágio
A infectologista do Controle de Infecção Municipal de Caxias do Sul, Anelise Kirsch, explica que o contágio da dengue, zika vírus e febre chikungunya ocorre exclusivamente pela picada do mosquito que está contaminado pelo vírus.
— É importante a gente não ter o aedes aegypti circulando na região. Da mesma maneira, quem tem dengue não pode ser picado pelo mosquito, porque quando a gente tem a doença e o vírus está se multiplicando na nossa corrente sanguínea, ele nos pica e se contamina. Por isso a gente pode contaminar outras pessoas indiretamente. É importante que quem tem dengue use repelente de insetos para evitar o contágio — explica a especialista.
Sintomas
Os sintomas são semelhantes aos da covid-19 e H1N1. Entre eles, estão: febre alta, dor de cabeça na área dos olhos, dor intensa no corpo e falta de apetite. A forma grave da dengue inclui dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes e sangramento de mucosas. Ao contrário do coronavírus, não é comum na dengue sintomas respiratórios, como coriza, tosse e nariz entupido.
A principal complicação da dengue é o choque hemorrágico, que é quando a pessoa perde cerca de 1 litro de sangue de uma vez. Essa condição faz com que o coração perca a capacidade de bombear o sangue para o corpo. Disso, podem surgir problemas graves, inclusive aqueles responsáveis por funções vitais. Além disso, a multiplicação do vírus no sangue provoca inflamação nos vasos sanguíneos, o que faz com que o sangue fique mais espesso e circule mais lentamente. Nesse caso, o risco é de coagulação e trombose, o que também pode levar à morte. Como toda a infecção, a dengue ainda pode levar ao desenvolvimento de Síndrome de Gulliain-Barre, encefalite e outras complicações neurológicas.
Em caso de sintomas, a comunidade deverá procurar algum hospital público ou privado, uma das UPAs ou UBSs da cidade. Só nessa consulta é possível ter o diagnóstico de dengue e o tratamento adequado para melhorar os sintomas.
Como denunciar focos
O telefone para denunciar locais com suspeita de focos do mosquito é o 156, do Alô Caxias.
Os focos na cidade
:: Cruzeiro: 41 focos
:: São José: 20 focos
:: Colina Sorriso: 12 focos
:: Reolon e São Luiz da 6ª Légua: 10 focos
:: São Cristóvão: 9 focos
:: Petrópolis: 6 focos
:: Nossa Senhora de Lurdes, Tijuca, De Lazzer e Charqueadas I: 5 focos
:: Santa Lucia Cohab: 4 focos
:: Charqueadas II, Sagrada Família, Bela Vista: 3 focos
:: Desvio Rizzo/Jardim da Lagoa, Mariland, Pio X, Centenário e Jardim América: 2 focos
Centro, Charqueadas, Cristo Redentor, Santa Fé, Santa Lúcia do Piaí, Universitário, Vinhedos, Marechal Floriano, Centenário, Jardim Eldorado, Vila Seca e Mariani: 1 foco
Prevenção
:: Limpar com escovação semanal o recipiente de água dos animais domésticos
:: Recolher o lixo do pátio
:: Colocar o lixo ensacado para ser recolhido pela Codeca
:: Recolher pneus e armazenar em locais secos e protegidos da chuva ou encaminhar ao Ecoponto da Codeca ( tem custo de R$ 1,65 por pneu, para o morador que entregar o pneu seco na Codeca)
:: Tampar caixas d'água
:: Colocar telas milimétricas em caixas d'água descobertas, reservatórios de captação de água da chuva e nos ralos
:: Limpar as calhas
:: Semanalmente, lavar e escovar piscinas plásticas, trocando a água
:: Eliminar os pratinhos das plantas
:: Na natureza, o mosquito também pode procurar criadouros naturais, como bromélias, bambus e buracos em árvores.