Como saber o que é essencial? Avise a alguém que ela tem um mês de vida e peça uma lista de desejos. E se essa mesma pessoa fosse informada de que morreria em menos de uma semana? É dessa forma que brota do coração o que é essencial. É uma dura realidade, mas quantas vezes temos feito as escolhas erradas, inserindo itens obsoletos a uma lista que tende a ser sempre maior do que precisamos? Essa é a reflexão que fica após a realização do Dia do Desejo, promovido ontem pela Unimed Nordeste, em Caxias do Sul.
– Fizemos o primeiro em 2016. Encaramos como um ação de carinho e distração, em um momento de fragilidade do paciente, em que podemos lhe dar um pouco de esperança. E a esperança, eu creio, é mais do que a cura que muitos buscam, mas conceder o que é realmente importante pra eles – avalia Marice Boeira, 52 anos, coordenadora das internações do Hospital da Unimed.
O Dia do Desejo muda toda a rotina e logística do hospital. São mais de 50 funcionários envolvidos, trabalhando em diferentes setores como enfermagem, nutrição, copa e cozinha, fisioterapia, psicologia, assistência social, serviço de controle de infecções e até mesmo o pessoal do administrativo. Por 10 dias, não se fala em outro assunto, a não ser promover encontros entre familiares que há muito tempo não se veem, ou cardápios que ativam a memória afetiva, como aquele arroz com galinha que só a mamãe sabe fazer, um abraço demorado no cão companheiro de todas as horas, ou ainda, a possibilidade de sair do quarto e poder sentir a brisa de verão debaixo da sombra de uma árvore.
– Olha, nem sei o que te dizer, só sei que quando tudo isso termina a gente sai com a alma lavada... – desabafa Marice, entre uma lágrima e outra, distribuindo mais do que sorrisos, mas a esperança através dessa ação e dos muitos abraços aos 16 pacientes agraciados pelo Dia do Desejo.
Abraços de amor à sombra
O que é mais difícil? Esperar ou ter a certeza do diagnóstico? Lenir Maria Ody Trost, 63, está há 40 dias no hospital, fez e refez uma série de exames, mas ainda aguarda a confirmação do diagnóstico. Por outro lado, Claudete Maria Shuster, 41, recebeu a confirmação que está com câncer há cerca de 15 dias. Em comum, o isolamento e a tensa incerteza do dia seguinte.
E o desejo delas? Ar puro e um abraço de sentir a vida sendo renovada, apensar da falta de esperança. Mais fragilizada por conta da baixa imunidade, Claudete foi conduzida de cadeira de rodas até a sombra de uma árvore, no pátio externo do hospital. Maior alegria ainda, foi ver o filho Augusto, 5, correr para abraçá-la.
– Eu não tenho nem como agradecer – disse ela, com a voz embargada de emoção.
À sombra da mesma árvore, que acolheu o abraço demorado e amoroso de mãe e filho, serviu de alento para que Lenir pudesse receber o carinho do neto Eduardo, 7. Como se fosse obra de Deus, o sol cessou seu ardor, a brisa intensificou e Lenir pode recebeu a luz dos olhos do neto, que não cabia em si de alegria. A intensidade do amor era tanta que pacientes nos quartos debruçavam-se na soleira da janela para fitar a cena.
Ceia romântica
Um casal de senhores caminha, com o auxílio de andadores, pelos corredores do hospital. Eles não sabem ao certo para onde vão, mas percebem logo que se trata de uma surpresa. Assim que entram no Solarium, são iluminados pelos acordes do som do dueto de violinos, Wagner Ismael Ferreira Rezer e Carlos Zinani, da Orquestra Sinfônica da UCS.
Benedito Graciano Novello, 79, e Maria Matte Novello, 81, não conseguiam avançar para dentro da sala, tamanha emoção, e foram conduzidos pelos enfermeiros para que sentassem à mesa, porque foi preparada para eles uma ceia natalina.
Seu Novello foi internado antes, por conta de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). No período em que o marido estava se recuperando, Maria caiu em casa e precisou de uma intervenção cirúrgica, por isso, os dois seguem em observação, no mesmo quarto.
Enquanto almoçavam, ressoava a canção Carinhoso, composta por Pixinguinha, com letra de João de Barro, que diz assim, em seus primeiros versos: Meu coração, não sei por que / Bate feliz quando te vê / E os meus olhos ficam sorrindo.
Nessa hora, era difícil saber quem estava com os olhos mais pesados de lágrimas de felicidade, se a dona Maria, ou a equipe do Hospital da Unimed. Um amor à mesa, ao som de uma canção que faz bem ao coração, é preciso mais para ser feliz?
Visita da Rebeca
Um dos desejos que mais deu trabalho à equipe foi a visita da cadela Rebeca, da raça Golden. Depois de seguir um rígido protocolo, que incluía revisões de vacinas, banho especial, entre outras necessidades, todas elas checadas pelo Serviço de Controle de Infecções, da Unimed, eis que Rebeca reencontra Ezilda Simionatto, 82. Depois de 20 dias internada, ainda em fase de investigação de diagnóstico, e consequentemente sem ver a pet do coração, Ezilda enfim abraçava Rebeca.
A emoção foi tanta, e os abraços tão efusivos, que por pouco o cateter não se desprende do corpo de Ezilda. Tudo contornado com agilidade pela enfermagem. Sem cerimônias, Rebeca tratou logo de subir na cama, para exibir-se para as câmeras. Mas a troca de olhares entre Rebeca e sua dona denunciavam a saudade e o desejo de passarem o Natal juntas, em casa.
Quase um Kerb
Por conta de um câncer no pulmão, José Asdrubal Vargas Teixeira, 65, não conseguiu participar este ano do Kerb, festa típica alemã. Teixeira encara com vigor um tratamento intenso a base de quimioterapia e agora, recuperado da imunidade, drenou o líquido do tórax e realiza radioterapia.
No Dia do Desejo, ele queria a presença de uma bandinha alemã e no cardápio do almoço: arroz, costelinha de porco, mandioca e vinho. Infelizmente, a banda típica alemã não pode comparecer, mas o quase Kerb acabou sendo embalado por música gaúcha, com a presença de cerca de 20 familiares.