Recentemente, um deputado estadual protocolou projeto para tornar Caxias do Sul a capital estadual dos CTGs, os Centros de Tradições Gaúchas. A iniciativa teve como base uma sugestão de vereadores do município. É que a cidade é a que mais tem entidades tradicionalistas — aí, incluem-se, os piquetes — filiadas ao Movimento Tradicionalista Gaúcha (MTG). Mas, afinal o que há no CTG que atrai tanto os caxienses? Que lugar é esse?
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O primeiro Centro de Tradições Gaúchas de Caxias do Sul foi fundado em 1953, cinco anos depois do 35 CTG, o pioneiro do Estado, em Porto Alegre. De lá para cá, novas entidades foram sendo criadas nas mais diferentes regiões de Caxias, chegando a marca de 90 na cidade, entre CTGs e piquetes. Uma possível explicação para a quantidade expressiva de entidades, segundo o historiador Manoelito Carlos Savaris, é a questão cultural por dois aspectos históricos: um está relacionado à formação da população local, cuja maioria é vinda de outros locais, como os Campos de Cima de Serra que tem forte influência da cultura gauchesca; e o outro, associado à colonização italiana, que criou núcleos de relacionamento (igreja, salão e CTG) em cada bairro onde se estabeleceu. Contudo, para o historiador, está neste último aspecto o caráter agregador e familiar dos CTGs, o motivo pelo qual as entidades se mantêm e a cultura se perpetua.
– O CTG tem uma característica que só ele tem enquanto sociedade, não existe outra que tenha: ninguém pergunta se o teu sobrenome é italiano ou polonês ou outro; ninguém quer saber qual o teu time de futebol, nem teu partido político, nem tua religião, nem tua preferência sexual. Ninguém pergunta. Desde que lá dentro tu te comportes de maneira tradicional. Porque o CTG é um local de manifestações tradicionais. É uma agremiação. E ninguém te perguntas quanto tens na conta bancária. E é só no CTG que acontece isso. Em todas as outras sociedades, as pessoas são ligadas pela cor, pela crença, pela política, pela conta bancária... sempre há uma divisão. O CTG não tem recorte. Ali cabem todos. Isto é algo que acaba apaixonando muita gente – explanou Savaris.
Essas características são corroboradas por frequentadores, integrantes do movimento e dirigentes.
– Quem vive o tradicionalismo tem muito mais a questão da família, da valorização do grupo em que está, Isso é muito interessante, o fato de que, aqui (CTG), as pessoas contam muito mais umas com as outras do que lá fora, onde são um pouco mais individualistas. Tanto que a minha família entrou junto comigo e vai para todos os eventos. Isso é uma coisa que não tem preço – declara Heloísa Fochesato de Souza, violinista do CTG Campo dos Bugres.
CTG leva nome do homenageado
O CTG Paixão Côrtes de Caxias do Sul foi a segunda entidade a ser criada no município, em 1956, por dissidentes do Rincão da Lealdade (aberto em 1953), e o primeiro do Estado a carregar o nome de um dos fundadores do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). Depois, outro foi aberto em Nova Bréscia, dez anos depois. Paixão Côrtes é o homenageado deste ano dos Festejos Farroupilhas pelo legado de vida e da obra que deixou.
– A entidade homenageia (Paixão Côrtes) por ele difundir as danças tradicionais, a pesquisa de todas essas danças, que foi onde surgiu toda essa tradição para nós. Por divulgar as danças de forma mais campeira e histórica, a Serra foi um grande chão para ele (Paixão Côrtes) e, Caxias, um grande acolhedor das pesquisas – conta James Pereira, instrutor de dança do CTG Paixão Côrtes.
Tradição que passa de pai para filho
O CTG é o lugar onde são cultivadas todas as expressões do tradicionalismo. É onde se reúne quem pratica e quem apenas admira. É o lugar onde se dança, se declama, se trova, se laça, se joga bocha e truco ou apenas se integra uma roda de mate. Mas, fundamentalmente, é o lugar onde todos esses costumes e tantos outros que formam a tradição gaúcha são passados de pai para filho.
– No CTG acontece essa passagem do pai para o filho, de mostrar essa tradição, de continuar cultivando ela. E, hoje, o CTG é um dos poucos refúgios que ainda se têm dentro desse nosso meio urbano. É um meio aparte do mundo externo, onde não vemos uma briga, droga, é muito raro acontecer dessas coisas, que estão poluindo nosso mundo, chegarem ao movimento tradicionalista, porque a partir do momento em que a pessoa não tem uma conduta correta, não segue as tradições, não vai conseguir se manter ali, porque ali não é um mundo onde as pessoas fazem isso – declara Marina Martins, instrutora da invernada adulta do CTG Heróis Farroupilhas.
Aos 38 anos, Marina Martins conta que ingressou no movimento aos seis e nunca mais deixou de participar. No CTG conheceu o marido e já tem o primogênito na invernada mirim.
Para o historiador Manoelito Carlos Savaris, que já foi presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), uma manifestação que nasceu "em um canto do mundo" e que surgiu espontaneamente por parte da sociedade, sem interferências, que se organizou e tem cerca de três mil CTGs espalhados pelo país – 1,8 mil no Rio Grande do Sul e 1,2 mil em outros estados, em números arredondados – e outros tantos pelo mundo, tem uma razão de existir:
– Qual o segredo? Não é música – tem músicas melhores do que a nossa. A indumentária? Tem outras mais antigas. Nossa tradição tem 300 anos que em termos de história é nada. O segredo dos CTGs é atender uma necessidade do ser humano: conviver pacificamente com o pai e com o filho em um mesmo ambiente fora de casa. Este é o segredo. O CTG é o único lugar que consegue isso. É o único lugar que o filho usa a mesma roupa do pai e se sente orgulhoso disso. Que a filha ouve e dança a mesma música da mãe e não acha cafona. Isso que atrai as famílias. O CTG junta gerações sem conflito. Caxias é uma sociedade que valoriza muito a família, o clã familiar. De alguma forma, o CTG é uma extensão disso, dessa crença de que a convivência de gerações é importante.