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Há dias em que somos alvejados com notícias de morte e violência, a crueza da vida como ela é. Mas uma parte da população não precisa ler no jornal os tristes relatos dessa tragédia, porque assiste diante dos seus olhos a esse show do horror em tintas vermelhas que expõem a realidade dessa vida cada segundo menos humana.
O som do clic, cléc, bum assusta e nem dá tempo de gritar, pois o tiro rasga o peito antes da dor. Esse relato é mais natural e corriqueiro do que desejamos. O pesadelo da cena da morte, do tiro à queima roupa arde em quem assiste tanto quanto em quem é baleado. Andressa Santos Branco, 22 anos, nunca esqueceu do dia em que o irmão foi assassinado na frente de casa.
— Já faz oito anos, mas é difícil esquecer, porque é uma parte de nós que se foi — recorda.
Andressa agradece a Deus, porque um dia teve a oportunidade de participar das atividades da Casa Anjos Voluntários. Andressa foi resgatada da triste sina que perseguia sua família. Seu irmão não teve a mesma sorte. Enquanto Andressa é o grito da resistência, seu irmão Jackson levou no peito a sentença da estatística de quem flerta com o crime.
Contar a vida de Andressa e a morte de Jackson é justificar a importância de projetos sociais como a Casa Anjos Voluntários, uma das 20 instituições que participará dia 13 de julho da Feijoada do Pulita, em Caxias do Sul. Sem a Anjos na vida de Andressa, e de tantas crianças e adolescentes atendidos desde 2003, qual história seria contada?
— No meu emprego, que consegui depois de fazer um curso de assistente administrativo, por causa da Anjos, as pessoas diziam que eu era bem estruturada. Mas eles não conheciam a outra parte da história, que meu pai era traficante e ficou preso, e meu irmão foi assassinado. Depois que ficavam sabendo, eles perguntavam: "Tua história era para ser assim, era para ser esse o teu fim ser assim, como que não foi?" — revela.
Andressa responde à surpresa das pessoas:
— Eu tive a oportunidade de estar em um espaço onde eles acreditam que todo mundo pode ter um futuro diferente, da realidade em que nasceu, que tu pode fazer diferente. E eu vivo dizendo às pessoas que a Anjos dá uma perspectiva de vida a quem não teria.
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Pedagogia e cidadania
A maioria dos projetos com crianças e adolescentes só tem um enfoque: ocupá-las com atividades no turno inverso. Parabéns a quem faz a sua parte. Mas parabéns com estrelinhas para quem, como a Anjos, vai além da pedagogia porque investe na cidadania, com sensibilidade e respeito à vida que está ali, pulsando.
— Quando eu entrei, eu só queria fazer bagunça, eu dei muito trabalho a eles _ diverte-se.
Hoje, Andressa reconhece que a bagunça, as pedradas em vidraças e toda inquietação era uma forma de dizer que não estava bem. Andressa recém havia entrado para o projeto quando seu irmão foi assassinado.
— Cada criança tem o seu acompanhamento individualizado, as educadoras foram conversando comigo, e sempre me explicavam que eu estava tendo acesso a cursos e atividades que meus pais não poderiam me dar se não fosse pelo projeto _ explica.
Não foi fácil lidar com uma menina com uma vida tão complexa, que se assustava com um balão que estoura, porque o estampido logo a remetia ao assassinato do irmão. O medo, a fúria e o desespero da menina de 14 anos teve de ser sublimado pela acolhida, dedicação, sensibilidade e doação da equipe da Anjos
Aprendizado para a vida
Quando perguntada sobre a lição de vida que colheu durante o tempo em que ficou na Anjos, Andressa, inspira para segurar o choro.
— O que mais aprendi foi me importar com o outro... — Andressa toma mais fôlego, e continua:
— Quando aconteceu esse fato com o meu irmão, e todos fecharam as janelas, quando eu gritei por ajuda e ninguém se importou, eu pensava, "por que eu vou me importar"? A Anjos mostrou que eu não deveria pensar assim. Não é porque os outros não se importaram que eu deveria fazer o mesmo. Então, até hoje, eu penso, "não vou pagar o mal com mal".
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Passos firmes para empreender
Andressa está casada há dois anos, com Alisson Batista Camargo, 25, que conheceu ainda em Vacaria. Andressa veio para Caxias há 15 anos, quando a mãe Andrea Santos, já separada do pai, Edson Luis Pereira Branco, resolveu apostar em uma perspectiva melhor do que a vida colhendo maçãs. E também, porque o irmão Jackson havia sido encaminhado para o Centro de Atendimento Socioeducativo (Case), em Caxias. Vieram para cá, Andressa, a mãe, e os irmãos Léo Dionson e Marcos Eduardo.
Andressa e Alisson, já conseguiram comprar uma casa e uma moto. Alisson é técnico em enfermagem no Hospital Pompéia e está dando o maior apoio para a nova fase da esposa. Ela resolveu sair do emprego que manteve por cinco anos, na mesma empresa desde quando saiu da Anjos, para investir na carreira solo, por assim dizer.
— Eu vou trabalhar como cabelereira em um salão. Estou fazendo o que aprendi, fui atrás de cursos para poder atender às demandas desse novo centro estético que pretendo abrir até o final do ano.
O espaço já existe, se chama Belíssima Centro Estético e já pode ser encontrado nas redes sociais.
Decisão que faz discípulos
Há um elemento bem importante nessa história, por mais que as educadoras e toda a equipe da Casa Anjos Voluntários esforce-se para dar o melhor a cada uma das crianças e adolescentes, se os jovens não decidirem receber o ensino de coração aberto, pode ser um esforço em vão.
— A anjos pode fazer o esforço que fizer, mas se a criança que estiver ali não quer, não muda nada. É a escolha de cada um. Eu escolhi! E de todos os meus irmãos, fui a única que entrou na universidade.
Andressa participa anualmente de um encontro para compartilhar sua história na instituição que não apenas a acolheu, mas lhe deu uma nova perspectiva de vida.
— A realidade do pessoal que vai na Anjos é muito parecida. Ou é de um pai que não está presente, ou a mãe que abandonou. Quando a gente fala para outros o que passamos, assim como um dia eu ouvi outras pessoas falando das suas vidas, podemos dizer que existe um caminho diferente — defende.