A passagem do aniversário de 49 anos da professora Ivanete Bernardi, de Bento Gonçalves, poderia ser lembrada como mais um dia que começou apenas com sua rotina medicamentosa em um dos leitos do Hospital Tacchini. Isto porque a professora de língua inglesa está internada desde 27 de fevereiro, quando recebeu exames no pronto-atendimento que confirmaram o diagnóstico de leucemia mieloide aguda. Por isso, quando tomou forças para levantar do leito e caminhar até a janela do quarto na manhã desta segunda-feira, Ivanete se assustou. Debruçou-se na janela e encontrou cerca de 300 alunos e professores da escola - onde leciona há quase uma década - enfileirados no pátio do Hospital Tacchini. Eles aguardavam a aparição da professora para cantar parabéns e mostrar faixas com dizeres de carinho e motivação.
— Eu estava de pijama, cabelo desarrumado, não fazia ideia do que estava acontecendo. Foi a maior surpresa da minha vida, eu não fazia ideia. Quando descobri a leucemia, eu me dei o direito de chorar por 30 segundos ao ver meu filho triste. Hoje, eu chorei com vontade. Mas de alegria — narra a professora.
Ivanete é professora contratada do Estado há 11 anos. Boa parte deles passou nas salas de aula do colégio Cecília Meirelles, que fica no bairro São Francisco, em Bento. O Cecília, como é conhecido, é o único colégio na cidade que ainda oferece magistério. Ivanete também atuou em municípios vizinhos como Monte Belo do Sul e Santa Tereza, e conta que chegou a lecionar em cinco escolas diferentes para conseguir reunir a renda mensal de cerca de R$ 2 mil. Neste ano, conseguiu entrar em sala de aula por pouco mais de uma semana. Logo em seguida chegou o diagnóstico da doença grave e que exige tratamento agressivo. Por isso, longe das classes, o Hospital Tacchini tem sido sua casa temporária. Desde o fim de fevereiro, passou por sete sessões de quimioterapia e outros tratamentos que exigiram, inclusive, transfusão de sangue. Solicitou então a amigos que fossem até o Hemocentro de Caxias do Sul para doar sangue. A surpresa chegou rápido:
— Precisamos pedir que as pessoas segurassem um pouquinho a ida, adiassem. Imagino que foi mais de uma centena de pessoas, chegaram a alugar ônibus. Por ser professora, as pessoas nos conhecem, são amigas. Hoje percebo, inclusive, a necessidade de Bento Gonçalves ter um banco de sangue.
As surpresas trouxeram força e emoção à professora, mãe de dois jovens, que reencontrou na manhã desta segunda-feira os motivos que a fizeram ingressar na carreira de professora.
— Apesar de muitas pessoas nos chamarem até de bandidos por serem professores, nada nos tira o amor em ser professor. Somos gente que forma gente. E não importa se o salário chega parcelado, não importa o que falam os políticos. Somos professores por amor — ensina Ivanete.
A surpresa
Na semana passada, a família de Ivanete procurou a direção do Instituto Cecília para sugerir que os colegas professores fossem até o hospital cantar parabéns nesta segunda, quando completou 49 anos. No entanto, quando alunos descobriram a ideia, pediram para ir além:
— Quando os alunos ficaram sabendo do aniversário dela... Eles mesmos sugeriram a surpresa. Nos emocionamos desde o momento que eles planejaram. Muitos professores e alunos choraram durante o parabéns porque ela é uma pessoa sempre alegre. Dificilmente vemos ela triste. Ela merecia esse momento_ elogia a diretora Susiane Hinnah.
O Hospital Tacchini passou a ter como modelo de gestão as novas práticas de humanização - nesta semana, por exemplo, a instituição autorizou visitas de animais aos pacientes, dentro de normas previamente acordadas.
— Há estudos que indicam que ações como estas trazem mais força, energia e apresentam melhoras aos pacientes. Principalmente os que têm internação prolongada, porque ficam mais frágeis, com dor_ explica a gerente de enfermagem Marcela Dachery.