É geral a crença entre os brasileiros de que a carga tributária à qual estão submetidos é excessiva. Parte desse sentimento, sem dúvida, está ligada à percepção de que o dinheiro pago em impostos não retorna em serviços de qualidade. Existem mecanismos, porém, que permitem aos contribuintes ter mais controle sobre o que é feito com os recursos públicos. É o caso dos Fundos para a Infância e Adolescência (FIAs), ferramentas que permitem direcionar parte dos tributos para fins específicos.
Pessoas físicas e jurídicas podem escolher, por exemplo, destinar parte do imposto de renda pago para os Fundos Municipais dos Direitos da Criança e Adolescente (FMDCA), que financiam projetos para a proteção e defesa desse público. A criação desses fundos é prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas depende, em última instancia, da vontade das prefeituras, em conjunto com os conselhos municipais. Entre os 65 municípios de abrangência do Pioneiro, no entanto, 41 deles, ou 63%, não possuem fundos ou estão com o cadastro incompleto junto à Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos (SNDCA/MDH). Ou seja, não estão aptos a captar os recursos.
Os dados são de outubro de 2017, divulgados pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). Em estudo de outubro de 2018, a entidade revelou que 75% das cidades brasileiras não realizaram os trâmites necessários para implantar fundos municipais. Apesar de a maioria dos municípios do nordeste rio-grandense se enquadrar nessa realidade, aqueles que concentram a maior parte da população da região já têm fundos constituídos. Até esses, porém, arrecadam apenas uma fração de seu verdadeiro potencial.
Campanha permanente
Em Caxias do Sul, a Receita Federal repassou cerca de R$ 1,8 milhão ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em 2018, relativos a doações realizadas por contribuintes no exercício anterior, conforme Odete Bortolini, presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comdica). Podem destinar parte do imposto de renda (IR) ao fundo pessoas físicas que realizam a declaração completa (até 3% no momento da declaração ou 6% até o último dia do ano-calendário do exercício vigente) e pessoas jurídicas tributadas sobre o lucro real (1%). Segundo o levantamento da CNM, considerando somente as pessoas físicas, a cidade teria potencial para arrecadar até R$ 16 milhões para custear políticas aos mais jovens.
— É uma campanha permanente. Faz anos que os conselheiros se dedicam no corpo a corpo para orientar as pessoas. Não adianta outdoor, é falando com as pessoas, e os contadores tem um papel fundamental. Na hora do acerto, na declaração, são eles que podem indicar às pessoas se querem deixar o valor para o município — avalia Odete.
Além dos cerca de R$ 1,8 milhão arrecadados via IR, a prefeitura deve contribuir com mais R$ 1,4 milhão para o fundo. Na próxima sexta, o Comdica vai ajustar em assembleia a forma como os recursos serão distribuídos. Hoje, 49 entidades têm cadastro junto ao órgão em Caxias. Um chamamento público será aberto e as organizações poderão inscrever projetos para concorrer ao financiamento.
— O valor será destinado para serviços de convivência familiar e fortalecimento de vínculos. Neste ano, o edital vai contemplar os recursos mínimos para que cada entidade consiga dar conta dos serviços. Foi feito um alinhamento para que elas tenham as condições para manter o pagamento de pessoal — explica.
"Doações do IR equivalem a mais da metade dos salários", diz entidade
A avaliação da presidente do Comdica de Caxias, Odete Bortolini, é de que as doações ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente são essenciais para a continuidade dos serviços.
_ O poder público, por si só, não consegue dar conta de todas as demandas. Então, a sociedade civil organizada tem um papel fundamental no auxílio à execução dessas políticas públicas. Se não tivesse esse dinheiro, muitas entidades não teriam como se manter _ afirma. Elaine Prigol Rosa, coordenadora da Entidade Assistência à Criança e Adolescente (Enca), sente de perto o impacto dos repasses.
A instituição atende cerca de 140 crianças e jovens de seis a 15 anos em situação de vulnerabilidade da zona norte da cidade. Mais da metade dos salários dos funcionários da entidade são custeados com recursos do fundo, alimentado principalmente pelas doações do IR.
— São educadores sociais, técnicos e oficineiros, que estão lá desde as 7h30min, de segunda a sexta-feira— conta Elaine.
O serviço de convivência atende a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, no turno em que não estão na escola. Ali, eles fazem duas refeições e podem participar de atividades como oficinas de arte, música e capoeira.
— Sem esse recurso, dificilmente a gente atenderia todas as crianças por tantos dias na semana — destaca.
Para 2019, Elaine diz que a entidade não deve ter recursos suficientes para contar com todos os oficineiros. A esperança para reverter esse quadro está na mobilização junto ao Comdica para que as doações aumentem.
— Temos esperança de que, com divulgação, o recurso possa aumentar. Caxias tem um potencial de arrecadação muito grande. Seria muito mais se as pessoas não tivessem medo de cair na malha fina. Elas se intimidam porque a destinação é na declaração completa, quando tem imposto devido. Mas como Caxias não carimba verba (destina valores para para entidades específicas), o destino do dinheiro é o Comdica, então todas as entidades são beneficiadas, a pequena e grande, a mais vista e a menos vista — explica.
COMO AJUDAR
:: Toda pessoa jurídica tributada sobre o lucro real pode destinar 1% do imposto de renda para Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente.
:: Pessoas físicas podem contribuir também, mas é preciso realizar a declaração por meio do modelo completo (não simplificado). :: O limite é de 6% do imposto de renda apurado na Declaração de Ajuste Anual, quando a doação for efetivada até 31 de dezembro do próprio ano-calendário do imposto; ou 3% sobre o IR devido apurado na declaração, até abril do ano seguinte.:: A Delegacia da Receita Federal em Caxias e alunos do curso de Ciências Contábeis da Universidade de Caxias do Sul (UCS) participantes do Núcleo de Apoio Contábil e Fiscal (NAF) elaboraram um guia sobre como funciona o processo de doação para diferentes fundos.