Monette Esperance vai, enfim, rever os filhos. Nesta sexta, às 17h45min, a haitiana de 30 anos embarca em Porto Alegre rumo ao país caribenho para buscar Djodly, 12 anos, Adjy, nove, e Betchnaille, oito, que não vê há cinco anos, desde que veio morar em Caxias. No sábado pela manhã, ela deve desembarcar na capital Porto Príncipe, onde as crianças moram com a avó.
Se para Monette o reencontro representará alívio pela realização do sonho, para os pequenos será uma surpresa: Monette conta que não avisou a família que está chegando.
– Eu falei para a minha irmã que neste sábado uma pessoa vai levar um celular que eu comprei de presente para ela no aeroporto, mas não disse que era eu. É claro que ela desconfia, porque ajudou a viabilizar a documentação dos meus filhos, mas eu tenho certeza de que as crianças não sabem. Eles vão levar um susto – brinca Esperance.
As passagens nas mãos tranquilizam Monette. Depois de cerca de dois anos enfrentando a burocracia, ela conseguiu viabilizar no último mês os vistos dos três filhos, o que permitiu a compra da viagem. Desde o início de 2017, Monette vinha tentando obter a documentação e arrecadar recursos para buscar as crianças. No ano passado, conseguiu juntar cerca de R$ 24 mil por meio de uma vaquinha online, valor que permitiria custear as passagens e os documentos necessários para a permanência dos filhos no Brasil. No entanto, desde então, enfrentou diversos empecilhos, como mudanças na lei de migrações e, até mesmo, a necessidade de correção da certidão de nascimento de um dos filhos, cujo nome estava com a grafia errada.
Os transtornos agora são passado. No dia 30 de novembro, Monette embarca de volta para o Brasil junto com os filhos, que passarão a morar com ela, o marido e a pequena Monalisa, três anos, nascida em Caxias.
– A Monalisa está ansiosa. Ela disse que espera que os irmãozinhos possam brincar e assistir TV com ela – relata Monette.
Quando deixou os filhos, o mais velho deles tinha sete anos. Hoje, o mais novo dos três tem oito. Apesar de se comunicar com as crianças via celular, ela afirma que tem menos contato do que gostaria:
– Às vezes, eles não têm dinheiro para falar no telefone e algumas vezes minha irmã não deixa falarem comigo para eles não relatarem a situação difícil que estão vivendo lá. Eu mando dinheiro, mas mesmo assim, eles passam fome. Mas agora isso vai mudar, a situação aqui também não é fácil, mas nunca falta comida em casa – diz.
45 casos parecidos de março a junho
Enquanto os dois anos de empecilhos pareceram uma eternidade para Monette, para o Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) a demora para casos de reunião familiar é uma rotina. Segundo o advogado do CAM, Adriano Pistorelo, diariamente são recebidos casos complicados para atendimento dos estrangeiros. Ele reconhece que a situação de Monette foi influenciada por fatores adicionais que complicaram o processo, no entanto afirma que, em média, processos de reunião familiar costumam demorar, pelo menos, sete meses para serem resolvidos.
– O ingresso com pedido de reunião familiar é um dos principais pedidos que recebemos. Todo migrante que vem para cá quer se estabelecer, ter uma vida melhor. Quando consegue estabilidade, a segunda etapa é querer trazer familiares. Ou seja, o segundo fluxo é quase um movimento natural de todos os processos migratórios – explica.
Como parâmetro do volume significativo de processos de reunião familiar que chegam até o CAM, ele informa que a entidade acompanhou, entre março e junho deste ano, 45 casos. Segundo Pistorelo, por mais que a situação de Monette aparente ser atípica, todos os atendimentos no CAM possuem particularidades que os tornam complexos.
– Todos os dias temos casos que nos quebram a cabeça. Migração, em si, é algo complexo. Temos uma legislação que trata as questões de uma forma genérica, mas há muitas situações atípicas. Quando recebemos casos que nãos e enquadram rigorosamente nos termos da lei, não podemos abandonar esse atendimento, precisamos ajudar esse migrante – ressalta o advogado.
Contudo, ele reitera que a repercussão do caso de Monette ajuda a colocar em perspectiva, tanto para o CAM quanto para a população, a problemática institucional que envolve a migração.
– Com esse caso, pudemos perceber mais a demora e os problemas que os haitianos enfrentam para acessar a embaixada. Deparamos com os diversos entraves que cercam as várias repartições da temática migratória quando o estrangeiro tenta acessar esses vistos. Por outro lado, também nos aproximamos das embaixadas e ouvimos as dificuldades que eles têm.