
Estudantes mais atentos, menos conversa em sala de aula e mais interação na hora do recreio. Essas são algumas das constatações de professoras e coordenadoras de escolas da rede pública e privada de Caxias do Sul em dois meses sem uso de celular no ambiente escolar.
A percepção dos docentes se reflete nos alunos, que também avaliam a experiência como positiva durante os dois meses de aula. Depois de um início desafiador, a estudante Mirela Mondadori, 12 anos, conta que já é possível sentir os efeitos dessa medida:
— Agora a gente está conversando mais, joga um vôlei no ginásio. Tem o dia do vôlei, o dia do futebol... A gente está interagindo um pouco mais do que ano passado. Em 2024, no recreio, a gente ficava sentado em grupo e jogava jogos no celular. Também tinha muita gente que não copiava nada do quadro porque podia tirar foto, mas agora as pessoas estão copiando muito mais e prestando atenção muito mais do que ano passado — celebra a aluna da Escola Municipal de Ensino Fundamental Dolaimes Stédile Angeli.
O uso excessivo de celular por crianças e adolescentes, seja no ambiente escolar ou mesmo em casa, pode levar a sérias consequências no desenvolvimento, como explica a psicóloga caxiense Fernanda Tonietto Michelin, mestre e doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).
— O uso excessivo de telas durante a infância, especialmente também durante a adolescência, traz consequências como a piora da qualidade do sono, pode despertar questões de ansiedade e depressão. Especialmente dessas crianças e adolescentes inseridas em redes sociais. Esse uso excessivo já virou uma questão de saúde pública e alguma coisa precisa ser feita para controlar — aponta a psicóloga.
A medida do governo federal, que entrou em vigor em janeiro, restringe o uso de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais por estudantes nos estabelecimentos públicos e privados de ensino da educação básica. As exceções abrangem o uso dos dispositivos para fins pedagógicos ou em necessidade especial de saúde, por exemplo, mediante apresentação de atestado ou laudo médico.
— Precisou ser tomada uma medida drástica para conseguir controlar esse uso. Esse controle possibilita maior foco em sala de aula, mas também a interação social, porque a gente está falando de crianças e adolescentes que também precisam desenvolver habilidades sociais. A proibição do celular possibilita que as interações sejam mais aprofundadas, porque antes estava ficando de lado, ninguém mais estava interagindo — explica Fernanda.

Atenção em casa
Na escola Dolaimes Stédile Angeli, no bairro Centenário, em Caxias do Sul, a coordenadora pedagógica Marise Susin aponta que, de forma geral, os estudantes têm demonstrado mais foco e atenção durante o período de aulas.
— Principalmente os 8º e 9º anos, que já são mais adolescentes, iam para o recreio e se conectavam (no celular). Ficavam ali e baixavam a cabeça, não tinha interação nenhuma. E, às vezes, essa interação iria acontecer na sala de aula e viria a conversa. O que eles não socializavam na hora do recreio, queriam socializar na sala de aula. Aí que entra a questão da concentração, da melhora na disciplina, porque existe esse extravasamento na hora do recreio — observa Marise.
Para a coordenadora, a adaptação tem sido mais fácil do que o esperado. Isso porque, na opinião de Marise, a lei federal dá mais peso e responsabilidade à medida, mesmo que antes escolas já tentassem implementar a restrição.
— A nossa diretora informou aos pais sobre a lei no início do ano, fez toda uma conscientização. Os pais também têm uma parcela muito grande. Eles acataram e foi muito tranquilo. A família que forma o ser humano e a escola forma o cidadão — destaca.
Da mesma forma, a psicóloga Fernanda Michelin aponta que, para além da restrição do aparelho em horário escolar, a família deve estar atenta ao uso do celular em casa e no tempo livre.
— As famílias precisam entender que fora desse período, a responsabilidade pelo uso desse celular é dos pais. As famílias precisam estar atentas também à quantidade de horas que eles estão passando nas redes sociais. Os pais precisam estar atentos para propiciar um ambiente onde a criança tenha interações sociais, para que, fora do ambiente escolar, ela não fique totalmente imersa no ambiente digital — alerta Fernanda.
"É uma mudança rígida, mas necessária"

O estudante Guilherme Silveira, 14 anos, do Colégio Estadual Imigrante, conta que era comum ver os colegas usando o celular para tentar "colar" durante uma prova, ou então para tirar foto do conteúdo no quadro e copiar em casa.
Na escola no bairro Bela Vista, em acordo com os pais, uma regra foi instalada antes mesmo da lei federal: já durante todo o ano de 2024, os alunos deveriam colocar os celulares em uma caixa, que é trancada pela professora, e retomavam o acesso ao aparelho apenas no recreio.
— Eu acho que a gente foi se acostumando aos poucos. A gente utilizava durante o recreio, só que, às vezes, tinha prova no quarto período e a gente via todos os conteúdos durante o recreio. É uma mudança rígida, mas eu acho que é muito necessária para a gente voltar a desenvolver o ambiente escolar. Isso tinha acabado quando a gente começou a utilizar o celular a todo momento, as pessoas não conversavam. Eu, por exemplo, era muito mais fechado com outras pessoas do que eu sou hoje — afirma o estudante.
A mudança maior neste ano tem sido a hora do recreio. Até o fim do ano passado, os alunos podiam usar o aparelho durante os 15 minutos de intervalo. Agora, com a lei federal, o uso só pode ocorrer fora das dependências do colégio.
— Antes a gente falava sobre assuntos bem menos interessantes, porque a gente não tinha tanta criatividade sobre o que falar. A gente via um post no Instagram e comentava sobre o recreio inteiro. Eu acho que a gente fala sobre assuntos muito mais legais de se comentar. A gente desabafa mais um com o outro, fala sobre o dia, conversa sobre as situações e até mesmo sobre as matérias que a gente está vendo — destaca Guilherme.
A professora Yeslei Paulino, de Ciências e Biologia, concorda com o estudante. Para ela, a restrição do uso do aparelho durante o recreio foi positiva porque diminuiu a ansiedade dos alunos para o intervalo.
— A gente percebe uma interação maior entre eles e a gente não disputa mais com o celular pela atenção deles. Eles ficavam ansiosos no terceiro período para ir para o recreio e pegar o telefone. A gente já não se preocupa com isso. Eles vão pro recreio, vão conversar, encontrar os amigos. E quando eles voltam do recreio, a gente não precisa guardar o celular na caixinha de novo. Às vezes, perdíamos 20 minutos — relembra a professora.
Outro aspecto que agrada a professora é que, com a restrição do celular, o costume de tirar foto do conteúdo no quadro acabou. Agora, ela percebe os estudantes mais atentos e dedicados ao período de aula.
— Eles entendem que se não copiar, a professora do próximo período vai apagar o quadro. Eu sinto eles mais comprometidos com o aprendizado. A gente já consegue perceber pelos cadernos deles que estão muito mais organizados — analisa Yeslei.
"Antes dessa lei, ninguém prestava atenção"

Na escola Cetec, no bairro Petrópolis, a regra de não usar celular em sala de aula já vinha sendo implementada desde 2024. No entanto, os alunos tinham acesso ao aparelho na troca de períodos e no intervalo. Agora, eles ficam trancados em um móvel desenvolvido especialmente para seguir a lei.
— No geral, foi muito tranquilo. Nenhum pai questionou. Sempre deveria ter sido assim: se o pai precisa falar com o filho, faz contato com a escola. Não tivemos resistência de famílias e nem da gurizada — relata o coordenador pedagógico Paulo Tortelli.
Com a nova regra, o coordenador conta que precisou lidar com um problema que há muitos anos não ocorria: uma janela foi quebrada porque os alunos estavam jogando futebol durante o recreio.
Os estudantes estão, conforme Tortelli, redescobrindo brincadeiras que antes eram comuns, como o futebol, jogos de cartas e xadrez. Alguns até aproveitam o horário do intervalo para tocar instrumentos, como é o caso do aluno do terceiro ano do Ensino Médio Franco Nardi.
— Os alunos até trazem o próprio baralho. Gostam de jogar truco ou pife no recreio. Todo mundo pega uma bola de vôlei ou de futebol e vai jogar. E também, além de tudo, é mais interação social. O principal obstáculo era na questão de comprar lanche, que eu usava só o Pix. Agora eu comecei a trazer dinheiro — relata Franco.

O estudante pontua que alguns colegas também optam por passar os períodos de intervalo na sala chamada "ludoteca", que tem jogos de tabuleiro e RPG. Com quase dois meses seguindo a lei federal no colégio, já percebe as diferenças no dia a dia:
— Eu já sabia que não adianta eu estar na escola mexendo no celular. Mas eu tenho vários amigos que têm um pouco mais de dificuldade e eu percebi esse ano, que, talvez, era porque não prestavam atenção na aula. Esse ano estão se saindo muito bem. Antes dessa lei, o professor dava aula, mas ninguém prestava atenção. Não é que ele não conseguia dar aula, ele não era atrapalhado, porque estava todo mundo mexendo no celular, não tinha ninguém falando. Agora, quando ele dá aula, as pessoas escutam — observa.