Entre erros e acertos desde que abriu as portas, em setembro do ano passado, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Zona Norte vive um período de pressão.
Nesta segunda-feira (13), termina o contrato entre o Instituto de Gestão e Humanização (IGH), responsável pelo serviço, e a prefeitura de Caxias do Sul. A permanência do IGH na administração da unidade depende de aprovação do colegiado do Conselho Municipal da Saúde. Mesmo que a indefinição continue por mais algumas semanas, o atendimento seguirá normalmente até o dia 20 de setembro, data em que o serviço efetivamente passou a funcionar na cidade em 2017. Não haveria uma alternativa imediata para que outra empresa assuma a UPA caso não ocorra a renovação com o IGH. Contudo, a prefeitura não acredita que vá enfrentar um contratempo em relação a isso e aposta na manutenção do instituto à frente do serviço.
O debate a respeito do contrato ocorre num cenário complicado para a saúde pública caxiense. Enquanto o Pronto-Atendimento 24 Horas (Postão) definha, o modelo de gestão da UPA é questionado por integrantes do conselho e por parte dos vereadores. A unidade da Zona Norte também é alvo de uma investigação conduzida pelo Ministério Público (MP) por falta de materiais, ambulância e mão de obra. No final do ano passado, o IGH já havia sido multado pelo Ministério do Trabalho por irregularidades trabalhistas.
Não bastasse isso, a gerência da UPA precisa encontrar meios de lidar com problemas que pareciam ser exclusividade Postão, como demora no atendimento pediátrico aos finais de semana, consultas que deveriam ser realizadas em UBSs e pacientes acamados durante dias na observação à espera de vagas em hospitais.
Por outro lado, a UPA tem feito a diferença diante do sucateamento da saúde pública. Pacientes ouvidos pela reportagem elogiam a estrutura e a facilidade de acesso a clínicos gerais e pediatras, cenário usado como justificativa pela prefeitura para compartilhar a gestão do Postão e renovar o contrato da UPA. Avaliações sobre o trabalho prestado pelo IGH também são outro trunfo usado pelo Executivo. Embora não tenha divulgado resultados, nos bastidores a informação é de que o IGH cumpriu as metas estabelecidas.
Questionamentos
Embora o secretário municipal de Saúde, Geraldo da Rocha Freitas Júnior, acredite na manutenção da parceria e estime uma definição ainda em agosto, é o colegiado do Conselho da Saúde quem decidirá pela renovação ou não com o IGH. Na semana passada, a comissão que acompanha a prestação de contas da UPA junto ao município enviou 12 questionamentos à prefeitura sobre a gestão do serviço. Um dos itens refere-se à proposta de acrescer mais R$ 614 mil no contrato do IGH para aumentar o quadro de médicos. O conselho tem dúvidas se o valor realmente significará a ampliação do quadro funcional (leia mais abaixo). A entidade também exige mudanças nos encaminhamentos dados aos pacientes que passam pela unidade.
— Existe uma avaliação, porque há membros do controle social, pelo conselho, avaliando o desempenho, cumprimento de metas estabelecidas, satisfação, e se tem observações se faz um relatório para que possamos cada vez mais melhorar a relação com o contratado. Assim como nos hospitais, onde existe o conselho gestor, e se avalia as questões de cumprimento de contrato. Deve estar sendo publicada já nos próximos dias a renovação — aposta o secretário Freitas Júnior.
Desde que firmou a parceria com a prefeitura, o IGH já recebeu R$ 17,07 milhões pelos serviços prestados, segundo Dados do Portal da Transparência _ o Executivo ainda precisa quitar os meses de junho, julho e agosto. O valor anual acordado durante a licitação foi de R$ 21,8 milhões.
Como o senhor (a) avalia o atendimento da UPA Zona Norte?
— Sempre tem alguém para nos atender. Viemos do Cruzeiro e fomos recebidos pelo médico em 10 minutos. Há duas semanas, trouxe minha nenê aqui e até ela não fica boa, não liberaram. É ótimo o atendimento.
Cleiton Rodrigo de Oliveira, 30 anos, auxiliar-geral, morador do Cruzeiro
— É a primeira vez que estou aqui e o pessoa me tratou muito bem. Levou 25 minutos para ser avaliada.
Tatiane dos Santos, 39, doméstica, moradora do Belo Horizonte.
— É a quarta vez que usamos a UPA e aprovamos. Gosto muito porque é bem rápido e a qualidade é boa também.
Isabel Ramos, 31, dona de casa, moradora do Santa Fé
— Já usei como paciente uma vez. Hoje, trouxe minha esposa. O atendimento é bom porque é ágil, não é demorado e somos bem recebidos.
Anderson Mello, 31, motorista, morador do Serrano
— Consultei na UPA umas duas vezes e sempre fui bem atendido. Considero satisfatório. Já fui no Postão, mas o atendimento não era assim.
Vanderlei Vettorazzi, 30, analista de PCP, morador do Santa Fé
— É a primeira vez que venho pois me recomendaram e gostei. A médica foi muito prestativa. Em menos de uma hora, saí com a medicação.
Júlia Zanol, 19, moradora de Ana Rech
— Semana passada fui no Postão e o médico não quis fazer raio X no meu filho e disse que o problema dele era garganta e deu antibiótico. Como ele não conseguia respirar, decidi trazer na UPA. Aqui, fizeram raio X e descobriram que ele estava com início de pneumonia. Estou aqui hoje para revisar e considero o atendimento pediátrico bom.
Shana Souza Cardoso, 30, dona de casa, moradora do Diamantino
— Estive aqui semana passada com a minha mãe e hoje voltei com o meu pai, que está com alteração na pressão. Chegamos e na hora ele foi avaliado por um médico. Já fez todos os exames e estamos aguardando. Achei bem melhor do que no Postão.
Marcos Viana, 42, azulejista, morador de Monte Bérico
Falta de transparência é criticada
Apesar de mais de 80% dos pacientes declararem estar satisfeitos com o atendimento no primeiro ano de funcionamento da UPA, segundo a prefeitura, a falta de transparência sobre o funcionamento do local é criticada.
A reclamação ganhou força quando o município anunciou que repassaria mais R$ 614 mil para o IGH para a contratação de mais um clínico-geral e um pediatra durante 24 horas e um pneumologista e um pneumopediatra para apoio durante algumas horas dos plantões, por até 90 dias. O contrato é de cerca de R$ 1,8 milhão mensal.
O valor foi questionado pela presidente do Conselho Municipal de Saúde, Fernanda Borkhardt. Calculando a contratação de 10 profissionais para cobrir todos os turnos, por três meses, ela estimou uma remuneração de R$ 20 mil para cada profissional. Como comparação, um médico concursado recebe R$ 3.592,51 de salário-base por 12 horas semanais.
— Pode até ser que ele (o secretário de Saúde) possa fazer um aditivo no contrato sem passar pelo conselho, mas um governo que prima pela transparência teria passado. A gente está cobrando reformas, pedindo um aporte para os profissionais concursados, que sabemos que podem suprir a demanda, e o governo decide passar mais R$ 600 mil para uma empresa privada — questiona Fernanda, que também integra o Sindiserv.
Não é possível, porém, afirmar se os valores são exorbitantes. O IGH não divulga quantos profissionais foram contratados, por qual carga horária e qual a remuneração. Questionada, a Secretaria da Saúde corrigiu o valor inicial divulgado para o aditivo do contrato: segundo a pasta, serão R$ 376.272,52 por mês por 90 dias para a ampliação do atendimento.
Destes, R$ 135.632,52 "referem-se à equipe de apoio multiprofissional, materiais, insumos e outras despesas diversas, decorrentes da ampliação do atendimento médico". Os outros R$ 240.640,00 referem-se a serviços médicos — em tese, a remuneração dos novos profissionais.
De acordo com o secretário Geraldo da Rocha Freitas Júnior, o IGH tem liberdade de preencher as horas solicitadas conforme achar adequado. Para disponibilizar o serviço, a prefeitura remunera a entidade com o valor da hora do trabalho médico, baseado na média de mercado.
Como foram solicitadas 1,6 mil horas de atendimento médico por mês a mais, os cerca de R$ 240 mil investidos significariam um pagamento de cerca de R$ 150 por hora médica, conforme o secretário.
— Fazendo uma analogia, podemos dizer que se fazem quatro consultas por hora. Se você dividir esse valor por isso, estamos pagando R$ 37,50 por consulta. Se fosse num pronto-atendimento particular, isso muitas vezes não paga nem a coparticipação do usuário. São valores bem compatíveis com o mercado, não está se pagando nada excessivo — justifica.
Inspeção
O TCE está realizando uma inspeção especial na saúde em Caxias do Sul e o tema é objeto de auditoria. Não há prazo para o término da auditoria e realização do relatório.
Contraponto
A reportagem contatou o IGH para avaliar o primeiro ano de funcionamento da UPA, mas a direção afirmou que não teria tempo hábil de responder às perguntas no prazo estipulado para a publicação da matéria.