Dos 100 mil alunos matriculados nos cursos de Educação a Distância (EAD) no Rio Grande do Sul, apenas 5% são atendidos pelo Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), entidade que agrega 15 instituições comunitárias do RS, entre elas a Universidade de Caxias do Sul (UCS), única representante da Serra e que concentra mais da metade dos estudantes de graduação do município. Os outros 95% dos estudantes matriculados nesta modalidade em solo gaúcho estão sob a tutela de universidades privadas, boa parte sediadas em outros Estados.
É um número revelador.
Com a franca expansão da EAD, que deve superar os cursos presenciais em cinco anos, o Comung corre contra o tempo para enfrentar a concorrência dos grandes grupos educacionais particulares. A ideia é implantar um modelo à parte de aulas virtuais para atrair novos estudantes e manter a base que já está nas instituições de forma presencial. Conforme o 2º vice-presidente do consórcio e reitor da UCS, Evaldo Antonio Kuiava, a movimentação das universidades comunitárias deve ter um avanço significativo no vestibular de 2019, com a ampla oferta de graduações e pós-graduações pela internet.
Leia mais
Com mensalidades que partem de R$ 59, cursos a distancia já superam aulas presenciais em Caxias
Com o avanço da educação a distância, professores aprendem a dar aula pela internet em Caxias
Entenda como funciona o ensino a distância e dicas de critérios para escolha de curso
Para garantir a fidelidade dos alunos gaúchos, o Comung vende a ideia de que as 15 instituições formam uma grande rede de educação, ciência e tecnologia, que hoje atende 189 mil estudantes e emprega quase 20 mil pessoas, entre professores e funcionários _ no total, são 497 mil universitários matriculados no Ensino Superior do RS, entre EAD e presencial. De acordo com Kuiava, o lucro obtido com as mensalidades das universidades comunitárias é investido nas próprias instituições para o aprimoramento da educação. Confira trechos da entrevista com Kuiava:
A Universidade de Caxias do Sul (UCS) pretende abrir mais ofertas de EAD no vestibular de 2019?
Sim. Nós temos um projeto que consideramos bem arrojado e, para o vestibular de 2019, vamos abrir mais cursos. Nós temos, atualmente, os cursos de Pedagogia e Biblioteconomia totalmente em EAD. Sendo que a UCS abriu o primeiro curso de Pedagogia (a distância) no Estado, onde já formamos 700 professores. Temos um projeto para ofertarmos mais cursos, abrangendo toda a nossa região, onde há 1 milhão e 300 mil pessoas em 70 municípios e onde estão as nove unidades da UCS.
Quando o senhor fala em ofertar mais cursos, é quantidade significativa?
Sim, com certeza teremos mais de 10 cursos. Há um público que precisa de um ensino nessa modalidade. Ele é adequado para uma determinada segmentação. Geralmente, no Brasil, é o público das classes B e C que fazem esses cursos.
Como o senhor vê a questão do mercado? Especialistas dizem a EAD vai se equiparar ou superar o modelo tradicional.
Hoje nós temos, com aquilo que a lei permite que é utilizar os 20% das disciplinas dos cursos presenciais em EAD, cinco mil alunos fazendo alguma disciplina à distância dentro dos cursos presenciais da UCS. Concordo que haverá mais elementos no ensino presencial mediados por meio de outras alternativas. No ensino a distância, há uma tendência também que está se chamando de cursos híbridos, de fazer mais encontros presenciais na EAD. Isso porque o ensino a distância, embora tenha um público segmentado que procura, tem algumas vantagens no sentido da acessibilidade, as pessoas procuram por “n” razões, mas uma das principais é o deslocamento, facilita para algumas coisas. Para acesso de informações, conhecimento teórico, ter acesso aos dados, ele é muito útil nesse sentido. Não precisa vir até a sala de aula para trabalhar conteúdos. Por outro lado, há uma perda no sentido da interação, da discussão daquilo que se pode trabalhar em conjunto na troca humana que, às vezes, mediado pelo ambiente virtual, não acontece com certa facilidade. Diria que há uma tendência, não sabemos ainda, porque acredito que esse processo vai se acomodando.
A área da saúde permanece totalmente presencial?
A área da saúde, se não tem laboratórios altamente sofisticados, há um prejuízo na formação. Há muita vivência nessa formação, não há como formar um enfermeiro se não há laboratórios virtuais adequados para realizar as práticas. Em Engenharias já temos laboratórios virtuais que simulam determinados processos que o aluno pode dar conta de uma determinada habilidade. Na saúde, não.
A UCS tem a maior estrutura física e humana da Serra. Fala-se muito do espaço “maker” para ocupar salas ociosas diante da redução de alunos com a crise econômica. A UCS pretende ter esse espaço de criação?
Sim, vamos atuar fortemente nisso. Para teres uma ideia, as instituições do Comung tem 5% dos alunos EAD do Estado. Há mais de 100 mil alunos fazendo EAD no RS e nós do Comung conseguimos atender somente em torno de 5%.
A maioria dos 100 mil são atendidos por instituições de fora?
Sim. Somos instituições que crescemos, nos consolidamos pela modalidade de ensino presencial. Não investimos na EAD porque tem outras implicações na preparação de material didático e das próprias plataformas. E há um paradigma de que a qualidade fica comprometida. É uma verdade parcial. Eu posso dizer pelo nosso curso de Pedagogia em EAD. É conceito 5, enquanto o curso presencial é conceito 4. Então, se olharmos somente esse critério do conceito, em tese os alunos da EAD tiveram melhor desempenho. O aluno que tiver autonomia no estudo e buscar por conta própria, consegue ter uma boa formação na EAD, isso nós temos provas em casa. Então, depende muito do perfil do aluno. O que acontece no país é muito mais sério, é uma lógica da formação humana, são outras questões. Há também uma série de cursos que não têm qualidade. Do público que procura Ensino Superior, 30% procura qualidade excelente, segundo as pesquisas apontam. E 70% que acessam o Ensino Superior buscam facilidade, comodidade, preço. Por isso, o tíquete médio dos cursos EAD não passa de R$ 350. Há variáveis na hora de escolher um curso e o aluno opta por fazer a EAD, busca uma certa facilidade em função disso. Esse grupo maior que quer o preço, que quer mais comodidade. Hoje, 40% dos alunos estão em EAD e 60% no presencial no Brasil. A tendência é inverter, é passar para 60% em EAD e 40% no presencial em cinco anos.
Como as universidades comunitárias vão fazer a diferença?
Nós estamos trabalhando numa rede. São oito instituições das 15 aqui do Estado que estão trabalhando em um projeto para investirmos de forma conjunta na EAD, numa relação também de parceria com a Abruc (Associação Brasileira das Universidades Comunitárias). Estamos trabalhando e discutindo em rede para ofertarmos cursos, visando a qualidade desse processo de formação. O que acontece: quem corrige as provas, quem acompanha o aluno no ambiente virtual é o nosso professor. Nós temos um limite de alunos para atender. Na maioria das vezes, as instituições que atuam no mercado colocam monitores e professores que só preparam o material. Historicamente, temos um custo maior na oferta do ensino a distância. Tem também essa questão da concorrência. A maneira como nós trabalhamos, pedagogicamente, não é como essas instituições trabalham. Então, por isso que há todo um arranjo em torno disso, e nós estamos buscando uma parceria para nos dar suporte também nesse sentido. No levantamento que fizemos, em igualdade de condições, o aluno da região prefere a instituição que ele conhece e, nesse caso, somos 15 aqui no Estado, as comunitárias.
Há faculdades EAD ofertando a primeira mensalidade a partir de R$ 59.
Hoje, trata-se a educação como um produto, como mercadoria a serviço de outra mercadoria. Esse é o grande problema. É um movimento, não só no Brasil, é um movimento mundial. Entendemos que há um prejuízo no processo formativo. Se quisermos oferecer produtos baratos e customizar, nós poderíamos. Mas para que serve uma universidade? Não é para comercializar o conhecimento ou ter lucro como se fosse uma mercadoria. Temos uma responsabilidade maior no sentido da formação da pessoa. Vai estar cheio de diplomados sem saber o que fazer com o diploma. Os empresários se queixam que faltam líderes, de pessoas que pensem, que tenham uma postura crítica diante da realidade, que sejam criativos. De que maneira as pessoas vão ser criativas se não se cria condições para isso? Por outro lado, há um paradigma pedagógico, daquele modelo de gaveta que cada um vem para a sala de aula e fica ouvindo quatro horas o professor, isso também já está superado. Estamos vivendo extremos. Temos que mudar o tradicional sem tirar aquilo que é bom. E, naquilo que é novo, que se possa incorporar essa dimensão humana. Porque o pensamento crítico e reflexivo não se dá através só do acesso das informações e conteúdos que estão no ambiente virtual. Isso passa por outros critérios de interação humana.
Leia mais
Especialista alerta para precarização do Ensino Superior com a ampliação da Educação a Distância
Casal de Caxias do Sul relata que preconceito é grande contra quem estuda a distância
Trabalhadores acima dos 30 anos de idade são maioria no Ensino Superior a distância
Para a professora Alexandra, educação a distância é a chance de mudança no Ensino Superior