
Criado pela Constituição Federal de 1988 para garantir o acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país, o Sistema Único de Saúde (SUS), que já foi modelo de sistema público de saúde no mundo, chega à fase adulta agonizando. Antes mesmo de completar 30 anos, o que ocorrerá em setembro, há anos apresenta um quadro crítico e crônico de sucateamento causado pela falta de investimentos. O Pioneiro ouviu pacientes, servidor, médico e gestor da saúde pública em Caxias do Sul para ver como é ser SUS no município.
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Quando chegamos à unidade básica de saúde (UBS) São Caetano na última sexta-feira, Adriana Winter Holz Peglow, 28 anos, tinha ido fazer uma "visita", como são chamados os atendimentos domiciliares. Talvez seja esta a tarefa em que os enfermeiros conseguem conhecer um pouco mais sobre os pacientes que dependem do SUS. Podem saber como são as condições de vida e descobrir informações que podem ajudar a melhorar o tratamento. Já que, dentro da UBS, raramente, o profissional consegue voltar o olhar mais detidamente sobre o paciente para ir além do objeto do atendimento. Isso porque eles se desdobram para atender os cerca de 20 mil habitantes da área de cobertura.
– No domiciliar, a gente pode ver que condição a família tem, como o paciente é cuidado. É bem interessante – comenta a enfermeira.
Natural de São Lourenço do Sul, Adriana se formou em 2011 na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), fez residência em Oncologia, trabalhou por um tempo em uma clínica de Radioterapia até passar em um concurso para o cargo de enfermeiro da Rede de Atenção Básica de Caxias do Sul, onde trabalha há quase dois anos. E para quem achou que, por ter atuado em uma especialidade e junto a pacientes que passavam por um sofrimento muito grande na Oncologia, a mudança para a Atenção Básica traria uma carga menor de trabalho, passado um tempo, a resposta da enfermeira é essa:
– Quando vim para Atenção Básica, as pessoas (conhecidos) diminuíram (o trabalho). Diziam que era muito simples. E eu vi que não. Porque chega tudo na unidade. Temos que acompanhar nascimentos, mulheres em idade reprodutiva, idosos, atendimento em saúde mental. Tem muitas questões que exigem mais de nós. É muito mais difícil do que saber só uma coisa. E também tem aquelas pessoas que vêm na UBS porque não têm ninguém em casa para conversar.
Além disso, o equilíbrio emocional dos servidores é posto à prova constantemente.
– Algo que notei muito diferente e que, quando vim para cá (unidade básica), me chocou muito. Apesar de os pacientes lá (na Oncologia) passarem por diversas dificuldades, eles eram muito agradecidos à gente. Aqui, tem pessoas que são gentis, mas somos ofendidos muitas vezes. As pessoas não têm tolerância. A gente tenta fazer o melhor que pode, mas, realmente, às vezes, a demanda é tão grande que alguma coisa pode ficar em desacordo. As vezes que fiquei gratificada (nesses dois anos) foram uma ou duas situações, que lembro – desabafa a enfermeira.
Mesmo assim, Adriana acredita que o trabalho vale a pena pelo conhecimento adquirido e por poder ajudar a aliviar o sofrimento de tanta gente que, na maioria, depende exclusivamente do SUS.
O déficit de médicos de outros servidores e a falta de uma estrutura física maior e de equipamentos básicos para os atendimentos geram um efeito cascata que prejudica a prestação do serviço, os agentes do sistema e o usuário. Com todos esses problemas, fica difícil cumprir o papel originário da UBS que é atuar na prevenção.
– É complicado, porque temos falta de pessoal. Isso estressa e é muito penoso para quem fica. Acabamos só apagando incêndios. As pessoas também buscam uma unidade básica como se fosse um pronto-atendimento e não é essa a proposta. Queremos fazer prevenção para não precisar só do atendimento quando a doença já aconteceu – considera.
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