A ajuda emergencial é a reação imediata logo após a ocorrência de fenômenos climáticos de grandes proporções. Pouco se considera, no entanto, a prevenção com futuros tornados e temporais na hora de reconstruir comunidades destruídas.
Com a intenção de orientar moradores de localidades castigadas pelo clima nos últimos anos, um grupo de 15 pessoas formado por alunos e professores da Universidade de Caxias do Sul (UCS) elaborou um plano de contingências com o passo a passo de como erguer edificações mais resistentes a intempéries climáticas. Os estudos foram iniciados logo após os estragos causados pelo tornado que atingiu São Francisco de Paula em março deste ano.
A prefeitura de São Chico recebeu recentemente o material produzido por professores e alunos dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Ambiental e Engenharia Civil. As recomendações serviriam como uma cartilha para construções futuras.
— Além da oportunidade de envolver setores da universidade com um trabalho prático, o objetivo foi criar um material que pudesse servir de referência para que pessoas da região adotem medidas preventivas para evitar ou minimizar os danos de residências diante da possibilidade de retorno desse tipo de evento — afirma o professor da disciplina Construções Especiais do curso de Engenharia Civil da UCS, Marcelo Benetti Corrêa da Silva.
Um dos fatores mais preocupantes, de acordo com o docente, foi a reafirmação da cultura de autoconstrução. Ao se articularem de maneira independente para reedificar as moradias, os moradores de São Francisco ressaltaram o perfil de muitas famílias da região que preferem executar obras de acordo com normas autodidatas.
— Na maioria das vezes, é questão de falta de condições financeiras mesmo e excesso de confiança. Mas é quando se é subestimada a importância de uma casa bem projetada que os problemas começam. Mas nosso caderno de encargos busca justamente auxiliar esse tipo de pessoa. Por isso, empregamos uma linguagem acessível, buscando detalhar o máximo possível cada etapa da obra — diz Marcelo.
SOBRE O ESTUDO
Com mais de 120 páginas, além de material complementar, o chamado caderno de encargos apresenta orientações técnicas detalhadas de como construir adequadamente as residências mais resistentes desde a fundação até o posicionamento de telhas. O conteúdo também recomenda a disposição de cômodos conforme a direção dos ventos, e descreve um passo a passo de como construir um abrigo subterrâneo para casos de proteção urgente.
— Houve preocupação também em verificarmos a direção dos ventos e indicarmos aos moradores que priorizassem a parte mais rígida da casa nesse sentido, seja uma fachada que não tenha tanta abertura, uma parede mais rígida, enfim, que voltassem aspectos arquitetônicos mais resistentes para onde o vento pudesse atingir diretamente — comenta a estudante de Arquitetura e Urbanismo, Brunella Cecatto, 23 anos.
Embora a produção do conteúdo tenha iniciado durante o semestre, o trabalho transcendeu o calendário acadêmico. Agora, a intenção do grupo é publicar o material editorialmente.
De acordo com outra estudante de Engenharia Civil que participou do projeto, Graziela Busnello, 25, a experiência de vivenciar a situação dos moradores foi o que tornou mais eficaz a elaboração do trabalho. Conforme ela, foi verificado junto aos estabelecimentos da região quais materiais de construção são mais acessíveis. O estudo também buscou respeitar os elementos arquitetônicos e de engenharia mais comuns nas moradias daquela região.
— Notamos que as pessoas cometiam os mesmos erros na reconstrução de suas casas. Pensávamos em algumas situações "se der um vento forte essa casa some". As pessoas entram em desespero, é compreensível, mas precisam de um norte pra evitar que no futuro ocorra de novo ou pelo menos que as consequências sejam minimizadas. E esse é o propósito do nosso plano — comenta Graziela.
Apesar de restarem apenas 35 moradias a serem reconstruídas, o secretário de Planejamento, Urbanismo, Habitação e Gestão de São Francisco de Paula, Roberto Lopes, assegura que o material elaborado pelo grupo da UCS será divulgado a toda população do município, incluindo famílias que ainda estão em processo de obras das residências.
Eventos que se repetem
Durante a pesquisa, o Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UCS (Taliesem) verificou que entre 2003 e 2017, São Francisco de Paula foi atingida em três ocasiões por fenômenos climáticos semelhantes, cujas proporções aumentaram a cada episódio. No mais recente, em março, 1,6 mil pessoas foram afetadas com a destruição de imóveis e uma morreu. Um dos fatores que mais chamou a atenção dos estudantes e docentes, entretanto, foi o trajeto dos fortes ventos, que percorreu o mesmo caminho nos três temporais.
— Eventos repetidos de alta intensidade no mesmo local trazem indicativos para o futuro, de que isso vai ocorrer de novo eventualmente. Portanto, é preciso discutir estratégias para evitar situações piores. Sabemos que as pessoas ficam envolvidas com a urgência nessas tragédias, mas quando a situação se repete dessa forma é necessário que falemos sobre planejamento — atenta Vânia Schneider, professora do curso Engenharia Ambiental.
Incerteza para 35 famílias
Mais de oito meses após o registro do tornado que atingiu aproximadamente 850 casas em São Francisco de Paula, 35 famílias ainda não reconstruíram suas residências, de acordo com a prefeitura. O saldo já não é tão expressivo quanto o constatado no dia seguinte ao evento, quando foram contabilizadas 1,6 mil pessoas afetadas pelos estragos — além dos 70 feridos e uma morte. Porém, entre os que ainda não passaram pelo processo de reconstrução, prevalece a incerteza.
— Elas (as 35 famílias) se arranjaram todas na casa de amigos ou parentes. Estamos tentando viabilizar a inclusão dessas pessoas no Programa Minha Casa, Minha Vida. Atualmente, já temos confirmação de 105 famílias contempladas, queríamos aumentar esse número para 140 para abranger essas pessoas prejudicadas pelo temporal — diz o prefeito de São Francisco de Paula, Marcos Aguzzoli.
A solicitação para a inserção das famílias, segundo ele, já foi encaminhada para o governo federal. O prefeito também sinaliza positivamente quanto à possibilidade de usar o plano de contingências dos alunos e professores para auxiliar famílias que ainda pretendem reconstruir suas residências.
— Não me apropriei inteiramente desse projeto, mas acredito na credibilidade da instituição — reitera Aguzzoli.
Enquanto isso, o poder público reúne os materiais que sobraram das casas destruídas e monta kits para doar aos moradores, incluindo madeiras que foram cedidas pelo Ibama para serem destinadas às famílias.
Reconstruções a caminho
Por outro lado, o repasse ainda pendente prometido pelo governo federal ao município no valor de R$ 1,33 milhão para reforma parcial da Escola Presidente Castelo Branco, da quadra da instituição e de um ginásio da cidade, deve ser liberado nas próximas semanas. O recurso chegou a ser anunciado pela União em agosto, porém, até o momento não foi destinado ao município. No entanto, recentemente, o governo federal autorizou a prefeitura a oficializar os pedidos pela verba.
Na última semana, a prefeitura abriu os envelopes com as empresas concorrentes aos três processos licitatórios referente às obras. Após a definição dos vencedores dos editais, o valor será empenhado ao município.
— Esperamos que ainda em dezembro consigamos definir a empresa, uma vez que os projetos já estão prontos. Depois, enviaremos a documentação e a expectativa é de que no ano que vem façamos todas as obras — comenta o secretário de Planejamento, Urbanismo, Habitação e Gestão de São Francisco de Paula, Roberto Lopes.
Com o valor, será restaurada a cobertura do ginásio e a reconstrução de um prédio anexo escola, onde serão instalados os serviços administrativos. Além disso, haverá a reconstrução do ginásio da cidade.
Outro ponto icônico da devastação, a igreja, já foi totalmente reconstruída junto ao terreno onde a estrutura antiga existia.
Grupo semelhante atua em Vila Oliva
A iniciativa de movimentos independentes para práticas solidárias e voluntárias a comunidades atingidas por cataclismos surge como uma tendência na região. Outro exemplo é o grupo denominado Cidades Visíveis. Formado por 12 profissionais e estudantes de diversas áreas, a mobilização tem como foco trabalhar situações urgentes em municípios da Serra. Como atividade inaugural, o grupo atuou no suporte ao distrito de Vila Oliva, onde, da mesma forma que o movimento universitário, buscou orientar moradores quanto a medidas que possam ser adotadas em construções para minizar as consequências em casos de eventos de grandes proporções como o ocorrido em julho no distrito.
_ Quando começamos o trabalho, a maior parte das construções já estava reerguida. Porém, percebemos como os erros estavam sendo cometidos novamente. Todo mundo construiu sozinho, sem nenhuma instrução. E há informações suficientes disponíveis para criarmos um modelo que suporte intempéries climáticas mais intensas.
A partir de pesquisas, o grupo também elaborou um modelo moderno de construção inteligente voltada à resistência de temporais mais intensos (que pode ser conferido abaixo).
A ideia principal do movimento Cidades Visíveis é consolidar um grupo independente de auxílio a situações emergentes na região.
_ No momento, buscamos nos aproximar da comunidade de Vila Oliva. Não chegamos a tempo de ajudar na questão da reconstrução, mas pretendemos ajudar os moradores a retomar a autoestima. E Vila Oliva é só a primeira das nossas ações _ comenta
O lixo que ficou
A pressa em reconstruir a cidade de forma imediata resultou em outro problema em São Francisco de Paula: o acúmulo de resíduos oriundos da devastação. Sem um aterro próprio, moradores despejaram os materiais danificados em um terreno baldio. Hoje, o lixo que acumulou-se na época já foi recolhido. Ainda assim, alguns lotes e campos ainda apresentam detritos espalhados, desde madeiras, até objetos metálicos.
_ O plano atenta também a necessidade de elaborar um planejamento de gestão de resíduos sólidos. Quando visitamos (São Francisco de Paula) observamos ampla quantidade de lixo, desde madeiras podres até eletroeletrônicos. É claro que eles (os moradores) tinham preocupações mais urgentes, mas é preciso se prevenir quanto a isso também _ ressalta Vânia Schneider, professora do curso Engenharia Ambiental.
Segundo o secretário de Planejamento de São Francisco de Paula, Roberto Lopes, o município viabiliza atualmante a implantação de um aterro para receber caliças e restos de madeiras de construção.