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Desde a incorporação das Capelas Cristo Redentor pelo Grupo L. Formolo, anunciada em maio, os serviços funerários em Caxias do Sul são explorados por única empresa. Com isso, o preço de um pacote básico para velório e sepultamento custa mais do que o dobro do praticado em Porto Alegre. É também mais caro se comparado a cidades da Serra e a outras regiões do Estado.
Para velar e enterrar um familiar nos bairros de Caxias, o formato mais simples, é necessário desembolsar, no mínimo, R$ 2,2 mil. Os preços das urnas, das salas e da limpeza dos corpos, entre outros itens obrigatórios após o óbito, são determinados pelo L. Formolo, que também é o único grupo que presta esse serviço em Farroupilha e São Marcos. Numa cremação, o montante salta para R$ 6 mil. Apesar de não ser ilegal, a falta de concorrência impede a prática de valores mais atraentes no mercado caxiense e não deixa outras opções à população.
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Contudo, o serviço funerário é uma concessão pública, que precisa ser renovada periodicamente. Em 2014, venceu o prazo para contratar empresas dispostas a explorar o serviço na cidade. A licitação para ajustá-la acabou suspensa pela Justiça depois que um concorrente, da Capital, alegou que o edital estava direcionado.
A prefeitura reconhece que a oferta do serviço está irregular, pois a prorrogação da concessão expirou e o Executivo não conseguiu promover a nova licitação. O Ministério Público (MP) avalia com a Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça, possíveis infrações. A Secretaria do Meio Ambiente (Semma) promete lançar novo edital de licitação em 90 dias para regularizar a situação.
– A falta de concorrência é prejudicial, especialmente em momentos de fragilidade (econômica) como o atual. Concorrência estimula qualificação e preços atrativos. A inexistência de alternativas submete as pessoas ao pagamento do que é exigido – pondera Adriana Diesel Chesani, da 1ª Promotoria de Justiça Especializada de Caxias.
Diferentemente de outras cidades, a legislação caxiense não prevê número mínimo de empresas no ramo funerário e não é clara sobre como o serviço deve ser fiscalizado em relação a preços. Em Pelotas, por exemplo, a lei estipula uma funerária para cada 60 mil habitantes. Na Capital, foi criada a Comissão de Serviço Funerário, órgão fiscalizador que tem, entre as atribuições, determinar o aumento de empresas, conforme a demanda. Em Santa Maria, são quatro funerárias para cobrir cerca de 240 mil habitantes.
Já em Caxias, enquanto a solução não é encaminhada, o Grupo L. Formolo mantém um crematório e quatro complexos com capelas. A empresa também aproveita para se capitalizar e prepara-se para expandir seus negócios para Porto Alegre, com a construção de um segundo crematório e a consolidação de uma parceria com o Cemitério São Miguel e Almas.
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"Nenhuma capela está legal"
O recurso de uma empresa da Capital que barrou uma licitação que permitiria que outras empresas explorassem os serviços funerários em Caxias do Sul foi baseado no artigo 4 do edital lançado em 2014. Segundo as regras estipuladas pela prefeitura, "os estabelecimentos prestadores de serviços funerários devem estar situados a uma distância máxima de 200 metros do portão principal dos cemitérios".
Outro item, descrito num inciso do artigo 16, exigia que o concorrente devia "possuir capital social integralizado de, no mínimo, 50 mil VRMs" (cerca de R$ 1,46 milhão). Naquele ano, além de ter um grande capital consolidado, o Grupo L. Formolo também mantinha as capelas do Memorial São José em frente ao Cemitério Público Municipal. As Capelas Cristo Redentor, concorrente da época, também ofereciam o serviço na porta do cemitério. Ou seja, uma empresa de outra cidade não teria chance de ser selecionada, principalmente devido ao artigo 4.
A Procuradoria-Geral do Município (PGM) reconheceu que a reclamação era procedente e orientou a Semma a elaborar novo documento, sem o artigo e a cláusula. Porém, a Câmara de Vereadores voltou a incluí-los no Plano Diretor por meio de emendas. O procurador-geral de Caxias, Victório Giordano da Costa, acredita que o impasse vai se arrastar:
– A Justiça entendeu que feria a universalidade da lei das licitações e anulou. Efetivamente criava um privilégio, não pode. Todos devem concorrer em igualdade de condições, sem direcionamentos.
Costa ressalta que "nenhuma capela mortuária está legal" atualmente e que elas não poderiam ter alvará de funcionamento até o fim da próxima licitação. Mas, como se trata de uma atividade essencial e só existe uma empresa atuando, o Executivo não pode impedir.
– Estamos nos debruçando nos valores, o edital está semiformatado. O monopólio é sempre ruim, salutar é a competição – salienta o secretário de Meio Ambiente, Adivandro Rech.
Veja no gráfico o custo médio de funerais simples, com velório, no RS:
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Grupo garante que preço está dentro da média
Fundado por Laurindo Formolo em 1971, o Grupo L. Formolo administra 35 capelas em Caxias do Sul, Farroupilha, São Marcos, Bento Gonçalves e Garibaldi, além de um crematório na 6ª Légua, em Caxias. Segundo o diretor-executivo da companhia, Valduino Germano Formolo, o faturamento anual fica entre R$ 15 e R$ 18 milhões.
Somente no maior município da Serra, são atendidos de 220 a 250 óbitos por mês – cerca de 30 são destinados à cremação, e os demais ao sepultamento tradicional. Por ano, são 2,9 mil funerais e 600 cremações, em média. A empresa desistiu do segmento imobiliário há uma década e, com o dinheiro da venda de empreendimentos, começou a colocar em prática a meta de construir um crematório e um complexo funerário junto ao São Miguel e Almas.
Valduino explica que a aquisição da Cristo Redentor não estava nos planos do grupo e só foi efetivada porque se tratava de "uma oportunidade que surgiu". A Cristo Redentor pertencia a um familiar de Valduino. Ele assegura que os preços aplicados hoje estão dentro da média:
– Temos um padrão estabelecido e mantemos uma linha. Precisamos de determinada margem de lucro e, mesmo sozinhos, vamos seguir assim.
Até a década de 1990, o L. Formolo fabricava caixões. Desistiu do negócio e, hoje, compra de parceiros. São ofertados 15 tipos. As salas de velório também variam conforme a necessidade do cliente. No Memorial São José, um dos mais luxuosos do Estado, as famílias podem despender até R$ 30 mil num pacote completo. O diretor-executivo argumenta que o investimento é alto e o retorno, baixo. Por isso, não há como cobrar menos do que R$ 2,2 mil.
– É equipe de prontidão 24 horas por dia, todos os dias do ano. Requer atenção aos mínimos detalhes – diz ele.
A intenção é abandonar, gradualmente, os serviços funerários e se dedicar exclusivamente aos crematórios e à administração de cemitérios. O objetivo é brigar pelo mercado da Região Metropolitana. As tratativas estão em andamento. Porém, a licença provisória ainda não foi liberada pela prefeitura de Porto Alegre. Em Santa Maria, o L. Formolo venceu uma licitação em abril para gerir dois cemitérios.
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Disputa por mercado da cremação impulsiona investimentos
Construído dentro de um parque de 36 mil m² na 6ª Légua (foto acima), em Caxias do Sul, o Crematório São José impressiona pela beleza arquitetônica e pelo bom gosto. Num ambiente iluminado e com vista para a natureza, 60 cadeiras confortáveis são dispostas para receber familiares e amigos para a despedida final. A cerimônia costuma durar 10 minutos.
A psicóloga Angelista Granja, 53 anos, lê um texto sobre as características e principais acontecimentos da vida do falecido, com informações colhidas em entrevista prévia. Ela pergunta qual era a música preferida dele e toca assim que começa o ritual. É um momento forte e emocionante, que às vezes gera catarses. Em 2015, Angelista "oficializou" a cremação de 350 pessoas. O método começou a ser copiado em outros crematórios do Estado.
– A homenagem contribui para o luto. Fazer memória do outro é significativo. A reação é profunda. Fico feliz de ver que tudo é feito com dignidade – conta ela.
Depois das últimas palavras, o caixão é encaminhado, por uma esteira (foto abaixo), para dentro de uma espécie de portal. Quando a estrutura é fechada, termina a cerimônia. Um funcionário leva o corpo até outra sala, restrita, para dar início à incineração. No São José, há dois fornos e oito câmaras frias. O mais moderno deles, que custa R$ 2,3 milhões, faz a queima em duas horas e meia. As cinzas costumam ser entregues no dia seguinte ou, no máximo, em cinco dias. Um corpo de 80kg fica reduzido a 3kg de pó, com 100 gramas da madeira do caixão.
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Colocadas em um saco plástico, as cinzas são armazenadas em uma urna, retirada pela família em outra cerimônia, mais intimista. Há estruturas de areia, biodegradáveis – que podem ser lançadas ao mar – e até pingentes com joias. Popular nos Estados Unidos e na Europa, a cremação ainda não faz parte da cultura gaúcha.
O Grupo L. Formolo estima que o mercado vai ter um boom ainda neste século e investe para ser líder no ramo. Atualmente, existem nove crematórios no Rio Grande do Sul: São Leopoldo, Porto Alegre, Viamão, Novo Hamburgo, Capão do Leão, Passo Fundo, Santa Rosa, Canela e Caxias.
– Duas pessoas podem operar a cremação, enquanto o serviço funerário precisa de investimento muito maior. É um processo em evolução e que vai crescer – projeta Valduino Germano Formolo.