Que diferença pode fazer um prato de comida a vida de uma pessoa? Se para a classe média essa parece uma pergunta vaga, algumas das 20 famílias do loteamento Villa-Lobos que na última quinta-feira receberam a primeira vianda diária oferecida pela prefeitura podem responder de forma muito objetiva.
- É uma bênção, moço. Deus nos dá força, mas nossa situação não é bonita - exclama a pensionista Marli Cruz (D, na foto), 60 anos, primeira a chegar ao refeitório da Escola Villa Lobos, local marcado para a entrega das refeições. Marli ficou encarregada de levar a comida para a filha do falecido marido, Sandra, que é doméstica e mãe de três filhos.
- É um alívio para quem só tinha uma garrafa dágua na geladeira - expressa Raquel Oliveira, 33 anos, mãe de gêmeos de seis anos e de uma menina de 12. Desempregada há um ano, conta apenas com a ajuda da mãe para sustentar o trio.
No primeiro dia da ação integrada comandada pela Secretaria de Segurança e Proteção Social e pelo Banco de Alimentos, as cozinheiras prepararam peixe ao molho, lentilha, arroz e alface. Além da vianda, as famílias escolhidas através de uma triagem da Fundação Assistência Social levaram uma sacola com frutas, que serão oferecidas uma vez por semana.
A distribuição de refeições atende a uma demanda por alimento agravada após o fechamento de 14 mil postos de trabalho em Caxias nos últimos 12 meses. A partir do piloto, o projeto irá se expandir para outros bairros, especialmente na região leste (Campos da Serra e De Zorzi são exemplos).
Sem que exista solução mágica, a maneira de não desanimar é acreditar um pouco mais a cada prato garantido. Perguntada sobre a sensação de entregar a vianda não mãos de um morador necessitado, a professora Kélen Bergozza, 31, resume:
- A gente sabe que algumas crianças vêm à escola com fome e reclamamos por não estarem prestando atenção, mas a cabecinha deles está pensando na hora do lanche. Nos deixa mais tranquilas saber que a partir dessa noite vai ter alimento na casa deles.
Na paróquia, muitos que doavam passaram a pedir
No Santa Catarina, bairro que não costuma figurar no mapa da fome em Caxias, a paróquia e a Associação de Moradores (Amob) têm recorrido ao dinheiro ofertado pelos fiéis para dar conta de distribuir alimentos às famílias cadastradas no programa de cestas básicas e aos que acorrem espontaneamente ao salão paroquial nos dias de doação. Segundo o padre Renato Ariotti, a igreja tem usado até R$ 2 mil por mês para completar a despensa.
_ As doações ainda vêm, mas o que cresceu foi a demanda. Há cada vez mais gente necessitando de comida e a gente constata que o desemprego é o grande fator. A igreja atua como uma força alternativa para esses necessitados _ comenta Ariotti.
A parceria entre a paróquia e a Amob distribui mensalmente 86 cestas básicas. O que tem assustado a presidente da Amob Santa Catarina, Beatriz Perin, é o número de pessoas que chegam na casa paroquial às quartas-feiras, local e dia destinados também às doações de roupas, para buscar qualquer quantia de arroz ou feijão que possa garantir a próxima refeição em casa.
- Pessoas que vinham antes para doar alimentos, hoje têm vindo pedir. Elas se sentem envergonhadas e a gente percebe essa dificuldade, mas a situação não deixa escolha. Não são só desempregados. Também há pessoas que estão trabalhando, mas recebem com atraso. Por isso a primeira e a última quarta do mês são as que dão mais gente - ressalta.
Só há uma explicação: crise
Diretor do Banco de Alimentos de Caxias do Sul, Assis Ferreira Borges também é objetivo ao esclarecer o crescimento da demanda por distribuição de comida no município.
- A explicação é simples: crise. O número de desempregados aumentou e com isso a procura às entidades cresceu. Além disso, alguns núcleos que nós não atendíamos passaram a pedir auxílio porque a arrecadação caiu muito, como associações de reciclagem, por exemplo - comenta Assis.
O diretor também elenca entidades que estão com lista de espera para servir lanches e refeições a crianças e adolescentes no contraturno escolar. Cita Jardelino Ramos e Vila Ipê como alguns bairros que atravessam situações delicadas, além da Entidade Assistência à Criança e Adolescente (Enca), Voluntários Sem Fronteira e Centro de Convivência Santo Antônio (através do projeto Mão Amiga).
Os números alarmantes do Banco de Alimentos
- Segundo dados do Banco de Alimentos, cerca de 6 mil refeições são distribuídas por dia em Caxias do Sul, além de 8, 5 mil lanches. Em fevereiro, foram 73 toneladas de comida, enquanto a arrecadação chegou a 70 toneladas.
- A demanda tem aumentado na mesma medida que a oferta passou a diminuir. Em fevereiro do ano passado, por exemplo, o órgão distribuiu 56 mil quilos de comida, 16 mil a menos do que o mesmo mês desse ano.
- Enquanto isso, a arrecadação encolheu. Entre março de 2014 e fevereiro de 2015, a média era de 80 toneladas/mês. Entre março de 2015 e o último mês de fevereiro, a média baixou para 70 toneladas/mês.
- O Banco atende atualmente a 90 entidades cadastradas, entre comunidades terapêuticas, associações de atenção à criança, cozinhas comunitárias, lar da velhice e outras. A arrecadação ocorre principalmente através de ações beneficentes como o Sábado Solidário e o Click Alimentos e doações de empresas e escolas.