Tenho como verdade (devo ter lido em algum lugar) o fato de que o escritor colombiano Gabriel García Márquez não gostava de viajar de avião. Fico imaginando o grau de superação pessoal a que ele se submeteu para vencer a fobia e atravessar o Oceano Atlântico em 1982 para receber o Nobel de Literatura, na Suécia, ou para fazer visitas regulares a seu velho amigo Fidel Castro, em Cuba.
Tenho também para mim (li em lugar outro) que o igualmente famoso escritor brasileiro Jorge Amado compartilhava com o colega colombiano o mesmo temor de aeroplanos, e radicalmente só se locomovia por terra. Eu, nessa minha notória insignificância, não preciso temer voar até a Suécia em busca de prêmio literário e tampouco privo da amizade de El Comandante. Porém, congelo de medo de aviões igual a García Márquez e a Jorge Amado. Ao menos nisso, igual a eles.
Mas ao contrário do que se possa pensar, eu não temo voar de aviões; eu tenho medo mesmo é de cair com eles. Os aeroplanos pertencem à categoria rara das certezas absolutas que podemos ter na existência: primeiro, a certeza de que morreremos; segundo, a de que todo avião que decola retorna ao solo - de uma ou de outra maneira. Sempre que recebo a bandeja com comidinha distribuída pelas sorridentes aeromoças, saboreio cada garfada da refeição com gosto de plástico como o ritual de um apenado em seus derradeiros momentos no corredor da morte. E fico de olho no semblante delas, das aeromoças. Não porque sejam belas e charmosas (quase sempre são, eu sei, eu sei), mas porque tento identificar no rosto delas qualquer alteração súbita que indique o fato de que tudo vai mal e vamos nos esborrachar lá embaixo apesar de os assentos serem flutuantes.
Mas, diferentemente de García Márquez e de Jorge Amado, eu não me esquivo de voar, sempre que necessário. Tremo de medo da decolagem ao pouso; devoro o que aterrissa em minha bandeja; leio e releio as instruções do saco de vômito; lanço olhares desconsolados às gélidas aeromoças e rezo para todos os deuses em que não creio na hora de voltar ao solo. Mas não tem problema: vou até a Suécia se um dia isso for necessário. Ou até Cuba brindar um rum com Fidel, se ele me convidar. Não seria por isso...
Opinião
Marcos Kirst: Ao contrário do que se possa pensar, eu não temo voar de aviões
Eu tenho medo mesmo é de cair com eles
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