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Ao assumir o governo do Estado, em 31 de janeiro de 1959, Leonel Brizola reestruturou a chamada Secretaria da Educação e Cultura à época e instituiu o lema "Nenhuma criança sem escola no Rio Grande do Sul".
O programa governamental tinha como meta escolarizar toda a população entre 7 e 14 anos e erradicar o analfabetismo. Para isso, decorreu um projeto para construção de prédios escolares, com características particulares, em todos os municípios do Estado. Mais tarde, popularizadas como brizoletas.
Conforme o livro Marcas do Tempo: imagens e memórias das brizoletas, de Claudemir de Quadros, entre 1959 e 1963 foram construídos 1.045 prédios, com 3.360 salas de aula e com capacidade para 235.200 alunos, iniciada a construção de 113 e planejada a construção de outros 258 prédios.
Padronizadas em sua arquitetura simples, quase rústica, hoje, muitas delas, camufladas pela vegetação, deixam apagar um pedaço do tempo. Outras, porém, com a força das administrações públicas, tentam manter viva a história.
Em Gramado, duas brizoletas estão protegidas por um processo de tombamento do Instituto Histórico e Artístico do Estado (Iphae).
Em Flores da Cunha, há espalhadas, pelo menos, 11 brizoletas. Quatro estão vazias, três viraram residências e as outras tornaram-se espaço para catequese, eventos, reuniões ou capela mortuária. Apenas uma delas funciona como escola. A Escola Estadual Antônio de Souza Neto, em Mato Perso, atende hoje a 78 estudantes. De 1960 até 1996 funcionou dentro do pequeno espaço, tradicional das brizoletas, mas precisou ser reformada com a ampliação das turmas.
- Quando passamos a ter todo o ensino fundamental, ampliamos a escola, a partir da brizoleta, com alvenaria. Hoje, no espaço da brizoleta, ficam a biblioteca, sala dos professores, a educação infantil e os banheiros - detalhou a diretora Claudete Gaio Conte.
Há relatos também de outras escolas na Serra, tipo brizoletas, bem conservadas em São Sebastião do Caí, Serafina Corrêa e Garibaldi. Em Canela, duas brizoletas ainda funcionam como escola. Uma está localizada no Banhado Grande, onde atualmente está o Centro Ecológico da Escola Estadual Neusa Mari Pacheco, e a outra fica na ERS-466, na estrada para o Parque do Caracol, onde está a Escola Municipal Machado de Assis.
50 anos de lições e ensinamentos
Às margens da ERS-115, um cantinho da charmosa cidade de Gramado reserva uma história de dedicação e comprometimento. Localizada em Carahá, uma comunidade de pouco mais de 200 de moradores, a Escola Municipal Padre José Scholl, uma brizoleta de 1961, tornou-se o mais singelo e forte vínculo entre comunidade e instituição escolar. Daquelas histórias difíceis de se encontrar.
>> Confira uma galeria de fotos da escola Padre José Scholl
A rotina é simples. Por volta das 13h, pouco a pouco, os 15 alunos vão chegando e se acomodando na grande mesa, formada por outras menores, dentro da brizoleta. Lancham. Fazem uma oração. Pedem pela família, pelos amigos, pelos doentes. Logo em seguida, em fila, seguem para o prédio novo, construído ao lado, para começar a aula. As crianças têm entre 5 e 11 anos e estudam na mesma sala. Em frente ao quadro branco _ o verde, antigo, está do lado de fora para as crianças _ a professora Iracy Baretta, 66, dá início as atividades.
Para o bom aproveitamento, Iracy costuma escolher um tema central para debater com os alunos e adapta as atividades conforme a idade de cada um. A instituição também oferece aulas de capoeira, taekwondo e um ensino muito focado as coisas do campo. A escola atende até o 5º ano. Quando chegam nesta etapa, as crianças seguem para instituições vizinhas por uma questão de necessidade, não por desejo.
- Aqui é perfeito. Por mim ele ficava aqui até se formar - brinca o motorista Douglas Maciel da Silva, 29, pai de Nicolas, sete.
A sensação de segurança repassada aos pais e confirmada no rostinho de cada criança tem explicação. A Padre Scholl se tornou uma segunda casa, muito bem cuidada, especialmente, por permancer nas mãos de Iracy há 50 anos.
Só neste ano que ela deixou a direção da escola para repassar o cargo à filha Elenara Lazaretti, 44. Iracy teve que deixar a direção pela exigência de ensino superior para o cargo. A filha, que já era diretora de uma escola de mais de 400 alunos, teria que ser votada para assumir em Carahá. Com a benção da mãe e a torcida de todos, deu certo. Após deixar a Padre Scholl na 4ª série para ir para cidade estudar, Elenara retornou para escola em fevereiro, como diretora.
- Eu relutei um pouco, mas está no sangue - confessa a filha, que só entrou no curso de pedagogia aos 34 anos, após passar anos trabalhando na área administrativa.
Enquanto repassa as melhores lições para filha, de boa gestão e conduta, Iracy pensa em se desligar da escola aos poucos. Mas não logo. Ainda há no corpo e na alma disposição, ideias e muita boa vontade.
- Vivo para essa escola e acho que estou fechando um ciclo com chave de ouro e, principalmente, com brilho nos olhos.