O Pioneiro reuniu relatos de caxienses que estão na América do Norte, que na última semana registrou o frio mais rigoroso dos últimos 20 anos naquele hemisfério, com muita neve e temperaturas que chegaram a -50°C. Confira os depoimentos, feitos via Facebook e e-mail, de Carolina De Barba, Cleida Steinmetz Cruz, Karoline Branco e Marcelo Tessari:
Carolina De Barba estuda em Nova York, nos EUA:
Botas de neve, em geral, são horrorosas. Portanto, quando você depara com uma multidão ensandecida de mulheres em frente a uma parede repleta de botas de neve em liquidação é porque algo não vai bem. Desistir de, no meio daquela bagunça, encontrar um par qualquer do meu número e de preço razoável era uma forte tentação que eu combatia repetindo mentalmente o mantra da semana: "polar vortex. polar vortex. frio do caramba". O negócio é que a estética do frio - especialmente quando tem neve na jogada - é tão linda que você não se dá conta da parte ruim até passar por uma experiência extrema. Por exemplo: seu coturno favorito não vai ser adequado para andar na neve só porque você colocou três pares de meias. Isso pode até manter teus pés quentes, mas não vai torná-lo antiderrapante, essencial para não se expor ao ridículo nas escorregadias calçadas de Williamsburg. Adornos à parte, é uma experiência e tanto enfrentar algumas polegadas de neve e um frio histórico de -15 °C em Nova York. É realmente uma visão de tirar o fôlego olhar pela janela de manhã e ver tudo branquinho! No prédio onde moro, as crianças lotam o parque, deitam no chão para fazer anjinhos; tem guerra de bola de neve e todos esses clichês. Na avenida próxima ao marco zero do 9/11, caminhões passam o tempo todo tirando o gelo da pista, máquinas espalham sal pelas calçadas. As pessoas saem na rua encasacadas, mas elegantíssimas: de chapéu, echarpes, lãs, peles, casacões maravilhosos e - mal necessário - as ditas cujas botas ou galochas horríveis.
A cidade que nunca dorme é obrigada a reduzir a marcha. Se a neve for extrema, o serviço de metrô sofre alterações e atrasos. As estações ficam povoadas por moradores de rua que não encontraram outro abrigo do frio. Os ônibus impedidos de circular. As ruas atraem acidentes, cheias de "black ice", uma camada finíssima e quase imperceptível de gelo muito escorregadio. Até fazer compras na "grocery store" da esquina fica complicado: é preciso andar devagar e com atenção, uma mão (que congela) carrega as sacolas e a outra alterna entre o bolso forrado e segurar o capuz contra o vento...No fim das contas, umas polegadas a mais de neve não assustam nem mudam tanto assim a frenética rotina de Gotham. E muito menos de quem está acostumado com o nosso frio de renguear cusco.
Cleida Steinmetz Cruz trabalha em Toronto, no Canadá:
Depois de quase quatro anos vivendo no Canadá, este está sendo o inverno mais gelado. Com temperaturas chegando a - 28°C em Toronto e com a sensação térmica beirando - 45°C, o dia a dia ficou mais difícil. Hoje (ontem) cedo quando fui levar minha filha para a escola fazia - 24°C, uma sensação quase insuportável de frio. As aulas dela acabaram sendo canceladas porque um cano de água estourou no terceiro andar provocando alagamento interno na escola. Vários outros incidentes semelhantes foram registrados. Se não agasalhada adequadamente, a pele congela em questão de segundos. O pior é a mão-de-obra na hora de sair para a rua, pois mesmo usando várias camadas de roupa ainda se sente o frio. E nesses tempos de temperaturas extremas até mesmo os menos adeptos a ceroulas se rendem. O frio é tanto, que mesmo com meias grossas e botas especiais de neve, com pele por dentro e sola grossa de borracha, os pés congelam se ficar na rua por mais de cinco minutos.
Muito se fala na neve, mas este fenômeno não é o maior problema e sim a combinação dela com o frio extremo. Quando ocorre uma tempestade normal de neve as temperaturas geralmente variam entre 2 graus positivos e cinco negativos, gerando uma cobertura fofa e em seguida barrenta. Mas este ano, com as quedas rápidas da temperatura para índices recordes, a neve petrificou tornando ruas e passeios lisos como sabão. Caminhar vira um desafio de equilíbrio sobre os pés, enquanto motoristas tentam se manter nas ruas usando pneus especiais de inverno.
O que não falta no Canada é estrutura para lidar com essa situação. As auto-estradas são as primeiras a receberem atenção com patrolas removendo a neve e jogando sal grosso. Em seguida ruas de grande tráfego recebem atenção e logo depois vias secundárias. Em questão de horas, as ruas tornam-se trafegáveis. Dentro de casa ou em qualquer outro prédio não se sente frio, pois existe calefação. Basta sair para fora que o nariz congela na hora. A colega jornalista Rosa Ana Bisinella, de Caxias do Sul, que está no Canadá, disse que nunca experimentou temperaturas tão baixas. Mesmo encantada com as paisagens que a neve cria, ela se surpreendeu com o frio glacial. Este ano até mesmo canadenses estão estranhando, pois há muitos anos não se registrava temperaturas tão baixas. Rosa Ana, que saiu de Caxias do Sul em meio a um calor de quase 40°C, encontrou aqui um certo alívio, mas não imaginava tanto.
- Mesmo com roupas adequadas para o inverno canadense, ainda se sente frio - comentou ela.
Karoline Branco estuda em Ohio, nos EUA:
Estou nos Estados Unidos há três anos e nunca havia presenciado um inverno tão rigoroso com temperaturas tão baixas como neste ano. Nos noticiários, eles falam que não fazia frio assim há 20 anos. O engraçado que Ohio, onde eu moro atualmente, é conhecido por ser um lugar super frio, mas não a ponto de ter temperaturas negativas (em Fahrenheit). Ninguém esperava um inverno tão rigoroso.
Mesmo com muito frio, aqui tudo está funcionando normalmente, pois quase não nevou por causa do "jet stream", fenômeno que ajuda bloquear a neve. Na verdade, são correntes de ar que ocorrem na atmosfera e evitou que nevasse muito aqui. Mas, em Indiana, estado vizinho, nevou muito. Eu diria que a parte pior é o trânsito ou até mesmo fazer o carro pegar pela manhã. Eu tenho de ligar o carro meia hora antes de sair de casa. E quanto ao trânsito tem que ter muito cuidado, pois muitas vezes a neve vira gelo, o que deixa as estradas bem escorregadias.
Marcelo Tessari trabalha em Nova York:
O atual frio em New York está alcançando marcas históricas. Mas se vive bem quando tem estrutura disponível. Vivi até meus 15 anos em Caxias do Sul, até os 34 anos em Porto Alegre e os últimos cinco anos em New York City. Tenho viajado pela Europa, inclusive em locais mais remotos do Alasca, e o que percebo é que quando se tem preparo para o frio se vive confortavelmente. Aqui em New York, todas as construções têm calefação e costumamos usar roupas leves como camisetas dentro dos prédios. Água quente e calefação são obrigatório nos prédios. Além disso, a forma de vestir e o comportamento cultural influência muito. A tecnologia e a modelagem das roupas permite enfrentar o frio sem problemas. O café da manhã mais calórico, diferente do Brasil que costuma conter mais frutas, envolve tradicionalmente omeletes e panquecas para manter o calor do corpo. O vento é um fator mais importante pois rouba muito calor e para se proteger dele vale tudo: gorro, cachecol, protetor de orelhas, casacos que contenham plumas de ganso ou o equivalente sintético, luvas à prova de vento e botas com solado alto que afastam do frio do piso. Uma dica importante para que não está acostumado a este nível de frio é manter-se aquecido. É difícil recuperar a temperatura do corpo perdida. Assim, quando perceber que está esfriando, recomendo entrar numa loja ou café até se aquecer bem. A neve e o frio fazem parte da experiência de viver em New York. Tenho certeza que todos os gaúchos, depois de terem domado o tradicional vento Minuano nos nossos pampas, vão lidar muito bem com este frio.
Clima
Caxienses contam como frio rigoroso afeta suas vidas no Hemisfério Norte
Nos Estados Unidos e no Canadá, eles vivenciam temperaturas mais baixas registradas nos últimos 20 anos na América do Norte
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