
Mais da metade da população brasileira diz não consumir bebidas alcoólicas. Isso é o que aponta o estudo Álcool e a Saúde dos Brasileiros - Panorama 2023, elaborado pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). A pesquisa, feita no final de 2022, entrevistou 1.983 pessoas, a grande maioria da região sudeste do país.
E é levando em consideração esse público que as vinícolas da Serra estão ingressando em um novo mercado. Muitas delas já são conhecidas pelos sucos de uva e agora passam a ofertar produtos gaseificados sem álcool. Eles são envazados, em sua grande maioria, em embalagens semelhantes às de vinhos e espumantes, tudo pensando em proporcionar uma experiência ainda mais completa aos consumidores. De acordo com a legislação brasileira, tais produtos não podem ser chamados de vinhos e espumantes, por mais que apresentem o termo “zero álcool” como complemento.
Em 2019, acompanhando uma tendência internacional, a Cooperativa Vinícola Aurora, de Bento Gonçalves, apresentou ao mercado o Aurora Zero Álcool Branco, envazado em uma garrafa de espumante. O sucesso foi tão grande que nem mesmo os impactos da pandemia da covid-19 pararam os projetos. Assim, em 2023, foi lançada a versão rosé. Ambos são elaborados à base de suco de uva e são gaseificadas, simulando a experiência de beber um espumante.
Conforme o diretor de Marketing e Vendas da Aurora, Rodrigo Valério, os produtos tiveram uma boa aprovação, com agradecimentos recebidos via serviço de atendimento aos consumidores e redes sociais. Segundo Valério, a geração Z — nascidos entre 1990 e 2010 — e mulheres grávidas fazem parte do público-alvo desses produtos:
— Outro movimento forte foi pelas pessoas que têm restrições por causa da religião. Muitos casamentos e formaturas desse público não tinham como celebrar ou celebravam com sucos e refrigerantes, e começaram a levar esses produtos — revela o diretor da Aurora.
No ano passado, a Aurora passou a comercializar versões em garrafas de vinho, mas sem serem feitas à base de suco de uvas integral, são o Aurora Zero Cabernet Sauvignon e Merlot e o Aurora Zero Riesling Itálico, que imitam vinhos tinto e branco, respectivamente. A cooperativa também tem duas opções do Keep Cooler zero.
Em 2024, a Aurora comercializou 710 mil litros destas bebidas. Para este ano, a projeção de venda é de 852 mil. Inclusive, para 2025, a cooperativa já prepara novidades. Se trata de uma versão desalcoolizada, que deve ser lançada no segundo semestre. Diferente dos já tradicionais encontrados. Esse produto passa por todos os processos de um vinho, inclusive, pela fermentação, mas, posteriormente, o álcool é retirado.
— Vai ser outro público, estamos entendendo a questão da marca, porque temos que explicar a diferenciação, enquanto uns são produtos que não foram alcoolizados, esse foi alcoolizado e retirado o álcool. Um produto que tenha muito mais características do produto alcoólico do que do suco de uva.
Conforme o Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS), este ainda é um mercado novo e os dados de comercialização de 2024 ainda não foram divulgados pelo Estado, que é quem faz o levantamento, por isso, não há levantamentos efetivos do setor.
Quase 5% do faturamento
A Cooperativa Vinícola Garibaldi tem incrementado no portfólio opções de bebidas sem álcool para atender a uma crescente parcela de consumidores que já preferem bebidas desse tipo. Ao todo, são cinco rótulos na linha. O primeiro deles foi lançado ainda em 2018, sendo um filtrado doce. Em 2023, começaram a lançar produtos com presença tida como premium, feitos com uvas finas, como moscato branco, moscato rosé e o prosecco.
O ingresso no mercado surpreendeu internamente. O gerente de Marketing, Maiquel Vignatti, diz que em 2023 a ideia era de produzir 13 mil caixas dos produtos, no entanto, foram feitos três envazes, totalizando 39 mil caixas, o equivalente a 240 mil garrafas. Em 2024, o faturamento global da cooperativa foi de R$ 307 milhões, sendo 4,8% oriundos das bebidas zero álcool. Para este ano, a projeção é de crescer até 20%.
— Já era apontado como tendência. No mundo do vinho não apenas produtos sem álcool, mas com menos álcool, observamos uma tendência mundial há muito tempo. E o sem álcool o impacto que está trazendo para o nosso setor vem também da cerveja, que cresceu bastante. Para nós entrarmos nessa categoria com um produto que chamamos de bebida de uva gaseificada, é surreal, imagina, estamos falando um faturamento de mais de R$ 15 milhões vindo dessas bebidas — destaca Vignatti.

Para chegarem em um produto sem álcool, essas bebidas não passam pelo processo de fermentação. Suas borbulhas são incorporadas, lentamente, em autoclaves. O mosto (suco) da uva com a qual é elaborado o Prosecco Zero Álcool, por exemplo, recebe uma diluição, a fim de alcançar um equilíbrio entre os açúcares residuais e a sensação doce em boca. Isso oportuniza uma bebida com alto frescor devido à acidez presente no mosto. E o gerente de Marketing garante que o sabor é um diferencial das bebidas da Garibaldi:
— Quem tomar um moscatel tradicional e tomar um Moscato zero álcool na sequência, vai ter dificuldade de interpretar qual é qual, a única diferença é o álcool, ele está muito bem-feito. O Prosecco se assemelha ao Brut, porque tem menos mosto na composição, e acabamos mexendo um pouco mais nele. Quer um produto mais doce, é o Moscato. Quer um mais refrescante, é o Prosecco.
Meio milhão de litros
O suco de uva sempre foi um dos carros-chefes da Vinícola Salton, de Bento Gonçalves, que inclusive já produziu chás. Em uma análise de mercado, principalmente nos Estados Unidos e em países da Europa, a empresa percebeu a necessidade de ofertar mais produtos zero álcool.
Atualmente são dois rótulos envazados em garrafas de espumante. São sucos de uvas viníferas que posteriormente passam pelo processo de gaseificação, não acontecendo a fermentação como acontece no espumante tradicional. No ano passado, esses produtos representaram 7% da receita dentro dos não alcoólicos, que também incluem os sucos, por exemplo. Para 2025, a projeção da vinícola é de produzir meio milhão de litros.
— Temos uma previsão de ampliar esses nossos produtos zero álcool, projetos interessantes para este ano que envolvem uma ampliação da linha, bem como outros produtos que são corriqueiros do nosso portfólio, como a linha Lunae, de trabalharmos zero álcool e projetos com a baixa graduação alcoólica — diz a coordenadora de Trade Marketing e Customer Experience da empresa, Nicole Salton.
Mulheres grávidas, pessoas que por alguma razão ligada à saúde acabam não consumindo álcool, ou aqueles que procuram um estilo de vida mais saudável, como atletas, e a geração Z, são os principais clientes. Atualmente, as vendas são mais em âmbito nacional, no entanto, conforme Nicole, já há prospecções internacionais:
— Temos um projeto bem interessante com a Ásia em relação aos não alcoólicos, já é um trabalho de longa data, principalmente com o suco, mas eles gostam que esteja em garrafas de vinho, e estamos trabalhando os não alcoólicos que foram lançados no ano passado com esse mercado.
Expansão de 40%
A Vitivinícola Jolimont, de Canela, está otimista para 2025, com projeção de crescimento de até 40% em relação a 2023, ano em que entraram no mercado do zero álcool. Em 2024, mesmo com a enchente, a linha teve um crescimento de 10%. Atualmente são dois produtos que se assemelham ao espumante, um na versão branca e outro na rosé.
Em 2023 foram vendidas 20 mil garrafas, e ano passado passaram das 50 mil. Para 2025, a expectativa é de comercializar 80 mil garrafas.

— Vimos outras bebidas como a cerveja entrarem neste mercado, e vimos que as novas gerações tinham um consumo bem maior de bebidas com menor graduação alcoólica e, principalmente, zero álcool, porque tem uma mudança geracional de buscar uma vida mais fitness, e notamos que ela estava ganhando mercado mundialmente — avalia o CEO da Vitivinícola Jolimont, Wagner Motta.
"É muito semelhante”
Foi no final de 2024, próximo das celebrações de Natal e Ano-Novo, que a pediatra Bárbara Zottis Venturin teve o primeiro contato com as bebidas zero álcool. De uma família de origem italiana, as celebrações sempre eram embaladas pelo espumante. Grávida de Caetano, o primeiro filho — atualmente está com sete meses —, precisou adaptar as comemorações. Ela foi impactada por uma publicação em rede social de uma vinícola, e resolveu dar uma chance ao produto.
— Por ser um gosto muito semelhante, tu sentes como se estivesse bebendo um espumante tradicional. Eu não acho muito diferente. É um pouco mais doce do que eu costumo tomar, mesmo assim, quando comparamos com uma moscatel, é muito semelhante. Eu achei muito válida (a ideia) — conta Bárbara.

A pediatra também ofereceu aos integrantes da família a bebida, que gostaram:
— Provavelmente ela vai se manter depois da gestação, porque tem o benefício de tomar, ter a sensação de estar tomando um espumante, um gosto semelhante, e não ter os malefícios do álcool.