A mudança nos negócios não está apenas no formato da venda, que atualmente tem força pela internet ou por aplicativos. As farmácias, que antigamente restringiam-se aos remédios, expandem em busca de novas receitas, especialmente com produtos de higiene e beleza, e serviços voltados à saúde, como testes e vacinas. Algumas diversificam e apostam até em um comércio que lembra pequenas conveniências, mantendo os medicamentos, claro, como o foco. Em Caxias do Sul, onde 193 CNPJs do ramo estão ativos, conforme a Receita Federal, este movimento não é diferente, o que consequentemente transforma o comportamento do consumidor.
Essas mudanças vêm junto de liberações feitas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Uma das mais significativas veio em agosto de 2023, quando o órgão regulador permitiu que as farmácias passassem a realizar pelo menos 47 tipos de exames de análise clínica, como para dengue, colesterol total ou teste rápido para HIV.
Na visão de Roberto Coimbra, diretor executivo do Grupo Panvel, a possibilidade da oferta destes serviços de saúde é vista como um "aprimoramento" ao atendimento das farmácias, e não como uma mudança no formato. Em Caxias, a rede está finalizando o processo para passar a oferecer os testes rápidos.
— Sempre estamos buscando inovar. Mas é uma inovação muito orientada ao consumidor. Ampliamos muito a nossa penetração em serviços farmacêuticos — garante Coimbra.
A possibilidade dos serviços farmacêuticos fez com que a rede lançasse farmácias com salas específicas para isso. No Estado, Coimbra calcula que 300 lojas estão estruturadas com o espaço. Em Caxias, duas estão habilitadas para vacinação e sete podem ter outros atendimentos, como verificação da pressão arterial e temperatura.
— Esse é um eixo importante, que é um eixo que está ligado ao profissional farmacêutico, que é a essência da farmácia, de cuidar e trabalhar bem a questão da saúde — destaca Coimbra.
Envelhecimento da população reforça formato
O modelo de ter um espaço de saúde na farmácia também é seguido pela Droga Raia. Conforme Elaine Batista, gerente regional da RaiaDrogasil, essa transformação se iniciou em 2018. O que motiva o grupo é um dado de que a população brasileira está envelhecendo. De acordo com dados do IBGE, o Brasil terá 40 milhões de idosos em 2030. Ou seja, quase 19% da população:
— Esse cenário reforça o propósito de que existimos não apenas para vender medicamentos, mas para cuidar da saúde das pessoas.
Conforme a assessoria, o grupo avalia que a pandemia da covid-19 reforçou a aproximação da farmácia e os consumidores, fazendo com que os clientes não procurem o espaço apenas para compra de medicamentos.
— Notamos que as pessoas estão entendendo que o nosso propósito é cuidar delas em todos os momentos da vida, colocando sempre o cliente no centro. Esse é o nosso foco — acrescenta a assessoria de imprensa.
Diversidade em produtos
O diretor do Grupo Panvel destaca que, além dos remédios, existe um trabalho de oferta para diversificar produtos da área de higiene e beleza, como os dermocosméticos e itens de maquiagem. Em relação a produtos que antigamente eram incomuns em um estabelecimento como esse, Coimbra relata que a decisão é de ter alguns produtos de conveniência, como água, energético, barra de cereal e chocolates, no check-out.
— Também não vamos passar da linha, porque não queremos perder a identidade de uma farmácia superespecializada — afirma o diretor.
Do outro lado, há redes que optam por diversificar ainda mais. É o caso da gaúcha São João. Em entrevista para a colunista Marta Sfredo, em novembro de 2023, o presidente da rede, Pedro Brair, explicou que as farmácias triplicaram a oferta de itens como alimentos, produtos de limpeza e eletro portáteis, pensando na necessidade do consumidor. A inspiração veio de uma farmácia que atua na Austrália:
— Adotamos o bombardeio de mix porque, ao entrar na farmácia, o cliente tem outras necessidades. Por isso, agregar mais produtos a seu dia a dia é importante, ele não precisa ir a outros lugares. O tempo é cada vez mais precioso, se conseguimos reunir tudo em um mesmo lugar, é um serviço a mais que prestamos.
Mesmo assim, Brair garante que a rede mantém a essência de farmácia. A escolha é mais para conveniência, já que os estabelecimentos podem ter funcionamento estendido ou 24 horas. Esse comportamento é acompanhado de perto pelo coordenador distrital Fábio Chies Baldasso.
— Hoje, a farmácia acaba ficando com um horário mais amplo. Então, tem a possibilidade da pessoa durante a noite, por exemplo, lembrar-se que esqueceu de algum produto de alimentação ou de outro tipo, e encontrar a farmácia aberta — relata Baldasso, que reforça que a rede também oferece e tem foco nos serviços farmacêuticos.
Valorização ao farmacêutico
Ao poder ofertar mais serviços, as redes destacam a valorização para o profissional que sempre esteve presente nas farmácias: o farmacêutico, que celebra o dia da profissão neste sábado (20). Para eles, esta extensão também é importante, uma vez que diversifica o campo de atuação e dá a oportunidade de colocar em prática tudo o que é aprendido na universidade. Essa é a experiência da farmacêutica Rachel Paganella de Almeida, que há nove anos atua no Grupo Panvel, em Caxias.
— Saímos da faculdade com tudo isso embutido. Chegamos aqui e podemos colocar isso em prática — conta Rachel.
A expansão de serviços também aumenta o contato com o cliente. Rachel conta que é uma alegria poder participar desse atendimento, ainda mais para ela que é apaixonada pela profissão.
— A farmácia, hoje, é muito mais próxima do cliente — define a farmacêutica.
Entidade pede debate público
As regras do que pode ou não ser vendido em farmácias são estabelecidas pela Lei Federal nº 5.991/73 e pela normativa nº 9 da Anvisa. Apesar da liberação, entidades, como a Associação dos Farmacêuticos do Rio Grande do Sul (Afargs), pedem um debate público sobre a venda de produtos diversificados, como alimentos e guloseimas. A presidente da Afargs, Letícia Raupp, relata que já existem conversas em âmbito acadêmico sobre o tema:
— Nós sabemos que é muito cômodo. Tu vai num lugar e encontra tudo. Mas o que tu realmente quer encontrar numa farmácia? Se tu vai numa farmácia, tu vai encontrar uma orientação, um cuidado, tu vai procurar a tua saúde. Como é que tu vai trabalhar ali? De repente, tu vai comprar medicamento para diabetes e tu vai ter doces ali no caixa. Isso é uma preocupação da sociedade quando o farmacêutico é responsável pelo cuidado da população.
Letícia explica que as entidades que representam a classe também têm dificuldade de fiscalização pela expansão de produtos. Segundo a presidente da Afargs, alguns itens ganham permissão por meio de judicialização, o que cria esse desafio.