Com mudança no cenário político estadual e nacional, o ano de 2023 se iniciou com expectativas sobre como seriam as medidas e investimentos adotados pelos novos governos. Ao mesmo tempo, os setores da indústria, comércio e serviços de Caxias do Sul tinham as próprias projeções após o fim das restrições da pandemia da covid-19. Por conta disso, inclusive, o 2022 já tinha sido mais aquecido e o esperado para este ano era uma estabilização na economia caxiense.
Da mesma forma, dúvidas surgem sobre a reforma tributária, aprovada pelo Congresso Nacional no final deste ano e promulgada na última quarta-feira (20). A questão política ainda causa incerteza entre os representantes dos setores econômicos da Serra.
Para avaliar o ano e analisar o que esperar para 2024, o caderno +Serra desta semana ouve seis das principais entidades econômicas da região.
Um 2023 abaixo do esperado
Até outubro, quando os últimos dados do desempenho da economia caxiense foram divulgados, o acumulado do ano era positivo, de 4,8%. O índice engloba a indústria, serviços e comércio, sendo levantado mensalmente pela Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) e Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL). Na avaliação da CIC, a espera pelas definições políticas nacionais fiscal e cambial podem ter atrapalhado os investimentos na região em 2023.
Como explica o diretor de Planejamento, Economia e Estatística da CIC, Tarciano Mélo Cardoso, os setores de comércio e indústria esperavam ter índices melhores no fechamento deste ano. Em outubro, a indústria tinha o acumulado do ano com recuo de 3,2%, enquanto que no comércio houve um avanço de 1,2%. Já o setor de serviços apresentou um avanço maior, de 21,3% do início do ano até outubro.
— A indústria também tende a fechar o ano próximo de zero. Está com um valor negativo no acumulado nos 12 meses e também do ano. Não tinha essa expectativa, porque no início do ano praticamente todas as fábricas estavam tomadas com grandes pedidos. Mas ao decorrer dos dias e dos meses, aquilo foi estacionando e reduzindo a quantidade de pedidos. Não que a gente tenha uma ideia de recessão de crise, não é isso que a gente fala. Mas é uma expectativa talvez um pouquinho melhor que não se concretizou — analisa Cardoso, lembrando que a indústria vinha de uma base forte, com crescimento de 2,4% em 2022.
O indicador que frustra no fim do ano é o de exportações. A expectativa era de passar de R$ 800 milhões, mas deve ficar na casa de R$ 750 milhões. Do outro lado, o índice de empregos é visto como positivo - em outubro, quase 162 mil pessoas ocupavam vagas formais em Caxias.
Questões externas para 2024
Diferentemente deste ano, quando parte das expectativas passava por descobrir como seria o mercado pós-pandemia e ainda existia o desafio do desabastecimento de componentes, as perspectivas para 2024 passam pelo cenário internacional, que afeta diretamente a Serra - especialmente a indústria. O diretor da CIC cita tensões geopolíticas, como na Ucrânia e o conflito entre Israel e Hamas, que pode afetar o preço de matéria-prima, o movimento dos produtos ao redor do mundo, inflação, incertezas e fluxo menor de atividade. Porém, o principal ponto para um crescimento local e nacional é a situação fiscal do Brasil, na opinião de Cardoso.
Desde 2014, com exceção de 2022, o país vive em situação de déficit fiscal, quando as despesas são maiores que as receitas. A expectativa é avaliar os números do primeiro trimestre de 2024, o que pode ditar os investimentos para o próximo ano e para 2025.
— Pode ser um decisor, e aí um indicador do 2024 e do 2025. Se viermos com números precários, possivelmente a gente vai ter um encolhimento, em que aquele investimento que estava para ser feito é retraído. Assim, é feito só o investimento para manter as operações rodando aquilo que é essencial, que foi o que aconteceu este ano. Pouquíssimas empresas fizeram investimentos em expansão, salvo aqueles que já tinham feito as contratações e não poderiam mais recuar. Mas a grande maioria só fez um investimento necessário para manter as operações rodando — observa o diretor da entidade.
Desafios e apoio a projetos
Em relação a 2023, os desafios seguem os mesmos, na avaliação da CIC Caxias. Entre eles, a capacitação da mão-de-obra, que já torna-se uma demanda histórica. Na avaliação de Cardoso, existe a necessidade de uma reforma mais ampla para atender essa necessidade, que deveria envolver o ensino como um todo.
— Na origem tem que fazer com que as crianças realmente aprendam a ler, aprendam a escrever, aprendam a interpretar e aprendam a fazer contas para quando chegar em ciências, história, geografia, física, química e todas as outras matérias, elas tenham capacidade de acompanhar os conteúdos — nota Cardoso.
A entidade também pretende seguir apoiando projetos que auxiliem no desenvolvimento da região no próximo ano, como o Aeroporto de Vila Oliva, o Porto de Arroio do Sal e o trecho gaúcho da BR-285, rodovia bioceânica que ligará Brasil, Argentina e litoral do Chile.
Um 2024 com tendência de 2023
Como a projeção para 2023 não concretizou-se, a expectativa da indústria é que 2024 tenha uma performance parecida com o ano que passou, levando em conta o cenário atual. Esta é a análise feita pelo presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul e Região (Simecs), Ubiratã Rezler.
Apesar de o ano ter começado de forma promissora, com o programa de incentivo à venda de carros, alguns setores da indústria tiveram dificuldades. O presidente do Simecs ouviu de indústrias que tiveram redução de até 60% no desempenho. Rezler pontua que, ao mesmo tempo, teve segmentos da indústria que conseguiram performar melhor.
— Então, resumidamente tinha essa visão de que o ano poderia ser bom. Mas, economicamente e politicamente não teve muita conversa, e a gente teve os reflexos dessa instabilidade nos nossos negócios, seja no mercado interno, quanto externo — percebe o presidente da entidade.
Neste fechamento de ano, Rezler vê ainda que muitas empresas estão desligando funcionários e adiantando férias coletivas. Essa "queima" de recursos neste momento também pode influenciar para um 2024 no mesmo ritmo deste ano.
Para o próximo ano, uma política gera incerteza no setor: a reforma tributária.
Programas para capacitação
Assim como colocado pela avaliação da CIC, o Simecs sente o desafio da capacitação e qualificação da mão-de-obra, como também foi citado no final de 2022. Para encarar essa demanda, o sindicato está com projetos com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), como o Escola do Amanhã, e com o Serviço Social da Indústria (Sesi). Além disso, a entidade busca sensibilizar os jovens sobre a oportunidade de trabalhar na indústria, apostando nos projetos no contraturno escolar.
— Estamos tentando entrar um pouco mais cedo para sensibilizar de que o jovem tem um lugar seguro na indústria, que ele tem um bom trabalho, ele tem uma área controlada, tem um bom salário, tem normas regulatórias, que tem um cuidado, que tem um benefício... Então, essas coisas estamos tentando mostrar. Imaginamos que antecipando um pouquinho desse passo, a gente consiga, talvez, quebrar um pouco mais rápido isso. Porque pegar um jovem que já passou por algumas coisas e ele acabar se profissionalizando, percebemos que o resultado não tem sido muito efetivo nisso. Mas eu acho que passa muito mais não pelas oportunidades, que tem várias oportunidades, passa mais é aquele jovem, aquela pessoa ir atrás da oportunidade — pontua Rezler.
Retomada importante
O presidente da CDL Caxias, Eduardo Colombo, vê que o crescimento conquistado até aqui "aponta para uma retomada importante", mesmo que a expectativa fosse de um crescimento maior. Colombo analisa ainda que o cenário macroeconômico dá indicativos para manter a evolução em 2024, como redução nas taxas de juros, a reforma tributária e índices positivos no mercado de trabalho, com acomodação no saldo de vagas.
— Com a expectativa de crescimento para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2,70%, deveremos ter um salto maior, já que, tradicionalmente, a economia de Caxias do Sul cresce três vezes mais do que a economia nacional. Esperamos atingir no ano mais de 6% no PIB e isso representa um crescimento bom para o município — afirma o presidente da entidade.
No comércio, Colombo percebe que o 2023 foi desafiador para os setores de calçados e vestuários, por conta dos impactos no planejamento de compras e troca de produção. Aqueles com produtos de maior valor agregado, como automóveis e implementos agrícolas, tiveram instabilidades. Do outro lado, estabelecimentos como farmácias, supermercados e postos de combustíveis tiveram crescimentos maiores.
Ver como funcionará a reforma tributária é uma das expectativas para 2024. Ao contrário do ano passado, em que a entidade esperava para ver como seriam os investimentos na região em 2023, uma projeção do próximo ano passa pela dívida pública - em semelhante cenário aguardado pela CIC.
— Importante também que haja a manutenção de um nível adequado de dívida pública para manter a estabilidade da economia. Sem esse equilibro não se geram expectativas positivas, e, com isso, os empresários não investem e, consequentemente, a economia não cresce. O mundo mudou e se transforma a cada ano que passa, 2024 virá e trará consigo novas e desafiadoras mudanças — comenta Colombo.
Lutas continuam em 2024
O Sindilojas tem a perspectiva de que 2023 acabe de forma positiva. Depois de uma movimentação menor de vendas no segundo semestre, por conta das chuvas que atingiram o Estado, os consumidores voltaram a fazer mais compras em dezembro, com recebimento do 13º salário e o Natal. Fora a expectativa dos negócios, o presidente da entidade, Rossano Boff, vê que o próximo ano é importante para continuar movimentos importantes para o segmento e buscar políticas que auxiliem os lojistas.
Das que já estão em andamento, Boff lembra de ações voltadas à capacitação de lojistas e funcionários, pensando também no melhor atendimento aos consumidores. Neste ano, em convenção, a entidade, ao lado do Sindicomerciários - que representa os trabalhadores, chegaram a acordo sobre como continuar com trabalho aos domingos e feriados, sem depender de portaria do governo federal. Antes, uma portaria em que o empregador combinava diretamente com o empregado foi derrubada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Para 2024, uma política chama a atenção da entidade. Trata-se da tabela do Simples Nacional. A entidade acredita que uma atualização seria benéfica para a economia. Atualmente, o regime contempla as empresas com renda anual bruta de até R$ 4,8 milhões.
— E aí, aquela empresa que está crescendo, que está em expansão e está conseguindo ser competitiva por estar dentro do Simples, ela vai acabar saindo e vai cair numa carga tributária geral, que leva de 40 a 45% de impostos a serem recolhidos. Isso enfraquece e tira a competitividade do comerciante — nota o presidente do sindicato.
Cultura do vinho x reforma tributária
Em outro importante setor econômico de Caxias e da Serra, os desafios são parecidos. O presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), Daniel Panizzi, projeta que o ano de 2023 fechará de maneira parecida com 2022. No ano passado, conforme dados da Ideal Consulting, o Brasil movimentou 438,8 milhões de litros de vinho. Panizzi nota que o consumidor decidiu guardar um pouco mais o dinheiro neste ano, por questões econômicas, e o turismo nacional perdeu espaço para o Exterior, a partir da reabertura das fronteiras e destinos atrativos financeiramente, como a Argentina.
— De modo geral, o setor brasileiro vem com volumes e faturamentos muito parecidos com o ano de 2022. A expectativa pegando os meses de novembro e dezembro é de ter um leve crescimento comparado a 2022. As vendas em novembro deram uma aquecida. Teve empresas que nos repassaram feedbacks positivos. Em dezembro ainda não tem um panorama, mas o mercado vem ganhando fôlego. Ele não está como anos anteriores, onde o último trimestre do ano foi muito significativo, mas o lado positivo é que a gente deve fechar o ano com um pequeno crescimento — avalia Panizzi, lembrando que itens como o suco de uva tiveram crescimento.
Para manter a competitividade no ano que vem, o setor olha também para reforma tributária. A Uvibra espera que o vinho não seja colocado em imposto seletivo, como o imposto do pecado (que deve ser discutido em 2024 e tem como proposta uma alíquota extra a cigarros e bebidas alcoólicas). Esse acréscimo pode tirar a competitividade do produto nacional frente ao importado.
— Conceitualmente, o vinho vem ganhando novos consumidores ano após ano. Nós temos esses desafios de mercado no que diz respeito à reforma tributária. Mas, por outro lado, temos um conceito de vinho, temos uma ligação do produto com um benefícios à saúde quando consumidos moderadamente. Então, culturalmente o vinho vem crescendo, mas a gente de fato precisa relacionar isso com as questões tributárias que são bem decisivas — afirma Panizzi.
De olho em programas habitacionais
No setor mobiliário, como explica a presidente do Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindmóveis), Gisele Dalla Costa, a expectativa para 2024 passa por programas habitacionais do governo federal. Neste ano, o cenário foi de ter a retomada da produção industrial ao ritmo natural e o consumo de varejo e exportações, mesmo que fosse esperada uma queda, principalmente no mercado externo. O polo de Bento espera fechar o ano com faturamento parecido ao de 2022, que foi de R$ 3,2 bilhões.
— Uma das nossas maiores expectativas foi em relação à feira Movelsul Brasil, realizada em agosto deste ano. O evento foi um grande sucesso de público e geração de negócios, proporcionando ótimas oportunidades para indústrias de móveis, estofados, colchões, decoração, entre outros segmentos — conta Gisele, já que a feira, inclusive, era um dos pontos positivos para a perspectiva deste ano.
A partir de programas federais já anunciados, o setor pode esperar crescimento. Além disso, assim como os outros segmentos, a reforma tributária gera expectativa.
— A reedição de programas habitacionais do governo federal, por exemplo, tende a movimentar o setor imobiliário e muitas pessoas acabam comprando móveis novos, especialmente de menor valor agregado. Além disso, estamos acompanhando os desdobramentos da reforma tributária para entender quais serão os impactos no setor moveleiro. Outra expectativa para 2024 é o reequilíbrio socioeconômico mundial, incluindo a paz entre países que estão em conflito — avalia a presidente da entidade.