Na véspera do período mais importante do ano no principal polo turístico do Rio Grande do Sul, os hotéis e restaurantes da Região das Hortênsias projetam um fim de 2021 mais próximo ao registrado antes da pandemia do que com o observado no encerramento do ano passado. Na rede hoteleira, atualmente, 60% dos leitos disponíveis para ocupação estão reservados para os meses de novembro e dezembro, com o Natal como o principal chamariz. Em tempos sem pandemia, o índice neste período estaria em 75%. Mesmo assim, para quem depende do turismo, em uma região onde a movimentação de visitantes é o principal motor da economia e que conta com uma estrutura para atender milhões de pessoas, o otimismo também se mistura com uma certa dose de incerteza em relação ao futuro.
O fiador da principal expectativa positiva do setor é o avanço da vacinação contra a covid-19 em todo o país. Com a previsão de que boa parte da população estará vacinada com as duas doses até o fim deste ano, somada também ao início da imunização com a terceira dose de alguns públicos e a aplicação da vacina em adolescentes, é possível esperar um ambiente mais favorável ao turismo na região, estima o presidente do Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares, Parques, Museus e Similares da Região das Hortênsias (SindTur Serra Gaúcha), Mauro Salles:
— O turismo na Serra gaúcha como um todo tem crescido desde maio. O inverno foi excelente em relação ao ano passado. Sem dúvida, essa movimentação foi possível com o avanço da vacinação e a queda no número de contaminações e hospitalizações. É claro que ainda estamos com limitações, mas imaginamos que esse cenário mude. Se não fossem essas restrições, certamente estaríamos em níveis pré-pandemia.
Entendemos que já daria para trabalharmos com 100% da ocupação e a nossa expectativa é que possamos ter essa liberdade, mas também com responsabilidade.
MAURO SALLES
Presidente SindTur Serra Gaúcha
Para atender à expectativa de demanda e atrair ainda mais movimentação para o final deste ano, o SindTur formalizou na semana passada, junto ao governo do Estado, a flexibilização do limite da ocupação de rede hoteleira. O pedido foi feito por meio da Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne). Atualmente, a região possui cerca de 35 mil leitos, concentrados principalmente em Gramado e Canela, que podem operar com 75% da capacidade. O objetivo é conquistar o aval para que o setor opere sem restrições.
— Estamos buscando o diálogo para aumentar a ocupação. O ramo da hotelaria trabalha com protocolos rigorosos, é um ambiente controlado, não recebemos nenhuma notificação por descumprimento das regras. Entendemos que já daria para trabalharmos com 100% da ocupação e a nossa expectativa é que possamos ter essa liberdade, mas também com responsabilidade — afirma ele, que lamenta que a falta de informações sobre o potencial das variantes do coronavírus também representa mais insegurança ao setor.
Caso a liberação seja permitida, Salles acredita que será possível chegar próximo do limite da ocupação neste fim de ano. Em relação ao feriado prolongado de Sete de Setembro, a ocupação também foi positiva, ficando em torno de 50%, segundo ele. Entretanto, a expectativa era de mais movimentação.
— Avaliamos que as manifestações deixaram o turista mais em casa e com menos disposição para estar na rua — resume.
Região tem atraído turista nacional e que gasta mais
Conforme o SindTur, o turismo na Região das Hortênsias tem se fortalecido nos últimos meses com um perfil de turista que priorizava roteiros internacionais, mas que com as restrições da pandemia ainda vigentes para sair do país passou a comprar pacotes de viagens nacionais. Por isso, o investimento em consumo, refeições e passeios na região também aumentou, avalia Salles, apesar de reconhecer que a entidade não tem um levantamento mais assertivo quanto ao valor do ticket gasto pelos visitantes.
Outro fator observado por ele é a demanda reprimida de turistas, que adiou viagens, mas que agora se sente mais à vontade em conhecer novos lugares. É o caso da família do corretor de imóveis Enoc Oliveira, de 59 anos, de Blumenau (SC). Acompanhado da esposa Mônica Oliveira, 58, e de Ana Laura, 17, eles passeavam em frente à Paróquia São Pedro, em Gramado, no início de setembro. A viagem para a Serra gaúcha estava programada desde o início da pandemia e reuniria também outros 10 familiares, que viriam em uma excursão, mas que precisou ser adiada em razão das restrições.
— Acho que a gente já aprendeu como fazer para lidar com essa pandemia. Na minha opinião, o ambiente agora é mais propício para voltarmos a dar os nossos passeios — conta ele, que estava pela sexta vez na cidade junto com a família.
Eventos com público animam o setor
A expectativa otimista na rede hoteleira da Região das Hortênsias pode ser explicada pela programação de eventos com público previstos para a reta final de 2021. A principal atração é o Natal Luz, que será realizado de 28 de outubro deste ano a 30 de janeiro de 2022. No ano passado, o evento não teve espetáculos pagos, teatros musicais ou desfiles.
Para se ter uma ideia da demanda, 15.008 ingressos para espetáculos e atrações do Natal Luz foram vendidos somente nos primeiros três dias de comercialização, segundo os organizadores do evento. Neste número total de ingressos vendidos nos primeiros dias não estão computados os ingressos já comercializados pelas agências e operadoras. Mais de 20 empresas de turismo estão credenciadas para a venda de pacotes.
Neste ano, haverá atrações com 33% da capacidade de público em todos os espetáculos com o objetivo de garantir segurança aos espectadores, artistas e profissionais. A plateia será obrigada a usar máscara durante toda a apresentação, a ficar em assentos marcados e proibida de se alimentar durante as exibições, além de ser orientada a usar álcool gel rotineiramente.
O Natalis e o Nativitaten, que ocorrem no Lago Joaquina Rita Bier, com capacidade para seis mil pessoas, terão a presença de dois mil espectadores. Já o Grande Desfile de Natal, que em tempos não pandêmicos podia ter 4,5 mil pessoas na plateia do Complexo de Eventos Expogramado, terá 1,5 mil neste ano.
Ao todo, serão 95 dias de celebração de Natal na Serra gaúcha para voltar a encantar os turistas que visitarão Gramado e Canela. Além disso, a programação envolverá ainda a decoração da cidade e o acendimento das luzes, que deverão ser realizadas em outubro.
— Gramado está completamente preparada com todos os protocolos que foram aprovados pelos comitês e governo do Estado — resume a presidente da Gramadotur e secretária municipal de Turismo de Gramado, Rosa Helena Pereira Volk.
Além da programação natalina, Gramado sediará outros eventos e feiras em formato presencial no mês de novembro: a Festuris, de 4 a 7 de novembro e a Zero Grau, feira de calçados e acessórios, de 15 a 17 de novembro. Eventos são o principal atrativo para a rede hoteleira.
— Sem eventos na região, a ocupação dos hotéis fica mais baixa, o que muda quando algo chama mais a atenção do turista — defende Mauro Salles, presidente da SindTur.
Entusiasmo, mas com cautela
A incerteza que acompanha a economia desde o início da pandemia e a insegurança com o avanço de novas variantes do coronavírus impedem que o proprietário de uma pousada em Canela, Reinaldo Shnaiderman, faça uma projeção segura de como serão os meses de novembro e dezembro. Até o momento, as reservas para o final de 2021 estão tímidas, o que não significa um presságio ruim.
Segundo ele, que comanda o empreendimento há oito anos, os visitantes estão mais cautelosos na hora de viajar e a janela de reservas tem sido cada vez mais de curto prazo. O hóspede está solicitando hospedagem, no máximo, 15 ou 20 dias antes de viajar. Em 2019, por exemplo, quase todas as reservas na pousada de Shnaiderman para novembro ou dezembro foram contratadas entre fevereiro e março do mesmo ano. Além disso, o perfil de turistas mudou: são formados na maioria por casais, que chegam à Serra gaúcha de carro e vindos de outras cidades da região Sul.
Uma preocupação do dono da pousada é em relação ao valor da diária dos nove quartos do empreendimento — que atualmente custa, em média, R$ 400. Segundo ele, os constantes aumentos na tarifa de energia elétrica e a alta dos alimentos impactam o custo da pousada, despesas que normalmente seriam repassadas de imediato ao hóspede. No entanto, há o receio de que um preço inflacionado possa ser um critério que afaste novos check-ins em uma temporada onde a expectativa do setor está em alta.
— Estou sem parâmetros para definir os próximos passos. Por um lado, tenho a necessidade de repassar o aumento dos custos, mas, por outro, tenho a insegurança de repassar. E fica um grande ponto de interrogação. O que nos anima é a projeção de festas com público no final do ano, a demanda represada de turistas. Quero acreditar nessa visão mais otimista.
Outro fator que colabora com uma boa expectativa para o fim de 2021 foi a movimentação no inverno deste ano. Segundo Shnaiderman, a pousada ficou muito próxima do limite estabelecido pela pandemia (75%), com todos os quartos ocupados em julho, o melhor mês em faturamento desde o início das operações do empreendimento. Além de pagar dívidas acumuladas com a pandemia, o recurso também foi suficiente para reformar dois quartos.
Para voltar a celebrar com mais hóspedes
A tradicional ceia de natal servida aos hóspedes em um hotel de Canela atraiu quase 500 pessoas em 2019. Com a pandemia, apenas 70 participaram da celebração no ano passado. Agora, com o avanço da vacinação e com um calendário de festas e feiras presenciais na Região das Hortênsias, a expectativa é reunir 200 pessoas para a janta natalina deste ano.
Encontros com esse formato e sem a necessidade de autorização são permitidos atualmente com até 100 pessoas, mas a expectativa dos organizadores é que até lá se tenham novas flexibilizações em decretos para que o número máximo de participantes possa ser ampliado.
De acordo com a supervisora operacional do hotel, Naiara Soares, antes da pandemia era habitual que em setembro todos os 164 apartamentos do empreendimento estivessem reservados para a alta temporada. Atualmente, somente 40% está agendado para novembro e dezembro. O desejo é que o número aumente nos próximos meses.
— Nossa expectativa é que todo mundo esteja vacinado até o final do ano e não se tenham tantas restrições. Acho que esse é o desejo de todo o setor para que a gente possa recuperar as perdas e voltar a um patamar de tranquilidade.
Um dos símbolos da esperança na retomada aos níveis pré-pandemia está na contratação de funcionários. Neste hotel, segundo Naiara, a crise sanitária provocou o fechamento de 30 postos de trabalho. Entretanto, nos últimos meses, todas as vagas foram repostas e com prioridade de contratação dos mesmos profissionais demitidos. Atualmente, a rede conta com 50 colaboradores.
Alimentação e hospedagem em alta em Gramado
A decoração natalina ainda não faz parte da paisagem das principais ruas de Gramado — os enfeites deverão ser fixados no mês que vem, segundo a prefeitura. Com boa movimentação neste em setembro e otimismo para os próximos feriados de outubro e novembro, o ramo hoteleiro e o segmento da alimentação estão alinhados com a mesma expectativa de mais turistas para o último trimestre de 2021.
De acordo com Moacir Cavalin, gerente de um restaurante italiano, também em Gramado, a movimentação de pessoas na principal cidade da Região das Hortênsias nunca ficou em baixa. Mesmo no ano passado, quando as restrições impactavam a circulação de turistas, havia fila de espera de clientes dispostos a experimentar os pratos do menu do restaurante, localizado em um ponto privilegiado quase ao lado da Rua Coberta, em frente ao Palácio dos Festivais.
A procura era tão grande que uma corrente foi instalada na porta do restaurante para evitar a entrada de clientes sem reservas e também como ferramenta para controlar os acessos.
— Eu não posso dizer que senti a crise. Tem dias de semana que parecem sexta, sábado e domingo. Então, o final do ano para nós será com a melhor expectativa possível. O turista quer uma boa comida, um lugar agradável e uma cerveja bem gelada. A pandemia vem em segundo plano.
Uma das preocupações de Cavalin foi a necessidade de controlar a utilização de máscaras. Segundo ele, em algumas oportunidades, por pouco clientes que não concordaram com o uso do equipamento de segurança durante a circulação no estabelecimento não foram gentilmente convidados a sair do local.
De acordo com o decreto estadual, o acessório pode ser retirado com clientes sentados, durante o consumo, mas deve ser recolocado no rosto quando estiver se movimentando pelo ambiente.
Um novo negócio em meio à pandemia
Quem teve dificuldades durante a crise encontrou novas formas para seguir atendendo. Um empreendimento de família instalado há 13 anos na avenida Borges de Medeiros, em Gramado, viu na pandemia uma oportunidade de mudar o modelo de negócio. O que era somente um comércio de chocolates se tornou uma nova marca e uma loja de experiências, como define a proprietária, Sabrina Dias de Lima, com a oportunidade dos visitantes provarem delícias de chocolate em taças, tortas, além de cafés especiais e gelato italiano.
A mudança foi motivada pela baixa nas vendas observada por ela nos primeiros meses da pandemia na cidade. Após, quando a movimentação de turistas aumentou, a loja de Sabrina podia atender os clientes somente na porta, segundo o decreto estadual na época, que não permitia circulação dentro do estabelecimento. A alternativa impactou as vendas e a necessidade de se reinventar para poder continuar com o negócio.
— Eu acho que o final deste ano será uma explosão. Já é possível perceber que os finais de semana estão bem movimentados. A nossa meta é aproveitar o que se imagina como uma alta temporada e registrar um aumento de 50% nas vendas para esse último período.
Alta procura em Gramado
Em um hotel voltado ao público executivo, a janela de reservas de ocupação para novembro e dezembro está em 70%. O índice já é próximo do registrado durante o final do ano passado, quando o local podia operar com apenas 75% da capacidade e todos os 64 apartamentos receberam hóspedes durante o período de Natal e Ano-Novo.
— No final do ano passado, havia uma impressão de controle da pandemia, que, infelizmente, não se confirmou, mas que acabou movimentando toda a região. Nesse momento, percebo que temos essa mesma sensação de novo, mas a vacinação avançada nos permite pensar em um final de 2021 e início de 2022 com mais movimentação — explica o gerente do hotel, Valdemin Scariot.
Segundo ele, o bom índice se deve à localização do empreendimento, instalado há poucos metros dos pontos turísticos mais famosos da cidade.
Hotel em Nova Petrópolis tem 40% dos apartamentos reservados
Inaugurado em novembro de 2019, um hotel próximo à Praça Central de Nova Petrópolis ainda não pôde vivenciar o boom da rede hoteleira em uma das regiões mais famosas do Brasil.
Entretanto, a expectativa para 2021 é encerrar o ano com recorde nos números: atualmente, 40% dos apartamentos estão reservados para hóspedes que visitarão a Serra gaúcha entre novembro e dezembro. O pico das reservas é na última semana de 2021, entre o Natal e Ano-Novo. O objetivo para os próximos dois meses é que esse percentual dobre e registre 80% da capacidade disponível, segundo o gerente do hotel, José da Rosa.
— Tivemos que fechar o hotel depois de quatro meses que abrimos. Ainda não sei o que é alta temporada. Vivemos agora um inverno muito bom, sentimos que estamos retomando e isso anima para que possamos pensar em um futuro melhor para o segmento como um todo.
Sem viagens e com o susto inicial da pandemia entre os meses de março e abril do ano passado, não foram poucos os dias em que a estrutura do hotel permaneceu vazia, sem nenhuma movimentação. Desde então, segundo da Rosa, a movimentação de pessoas no empreendimento é como uma montanha-russa, com altos e baixos.