Foram quase dois meses de portas fechadas por força de decretos estadual e municipais, período que exigiu da rede hoteleira da Serra medidas como antecipação de férias, uso de banco de horas e até suspensão de contrato e redução da jornada e de salários. As duas últimas estão previstas em medida provisória do governo federal. Em alguns estabelecimentos, as providências foram mais drásticas, como o encerramento das atividades e desligamentos, caso do Dall’Onder Axten, inaugurado há pouco mais de um ano em Caxias do Sul e que fechou definitivamente, demitindo cerca de 50 funcionários.
Apesar da permissão para retomada, com restrições, muitos estabelecimentos ainda continuam sem receber hóspedes. Dos 24 hotéis em Caxias, pelo menos quatro permanecem fechados: Intercity, Ibis e Blue Tree Towers, que seguem orientação das respectivas redes para reabertura, e Samuara, que, embora tenha interrompido o serviço temporariamente, demitiu os funcionários. Na sexta-feira, estavam marcadas 23 rescisões do hotel no Sindicato dos Trabalhadores no Comércio Hoteleiro, Meios de Hospedagem e Gastronomia e em Turismo e Hospitalidade de Caxias do Sul (Sintrahtur).
Em Bento Gonçalves, dos 43 hotéis, três seguem com a pausa. As duas unidades da rede Laghetto reabrem em junho. O Vittoria, do Dall’Onder, está com as atividades suspensas, assim como o Ski, em Garibaldi, do mesmo grupo, e sem previsão para reabertura.
— Vai demorar a retomada, será lenta. Acredito que normaliza a partir de 2021. Muita gente está jogando as contas para a frente. Os efeitos da crise vão durar cinco anos — lamenta Vicente Perini, presidente do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria (Segh) — Região Uva e Vinho.
Na Região das Hortênsias, apenas um hotel fechou as portas de vez, o tradicional Laje de Pedra, em Canela. Há 42 anos no mercado, o estabelecimento anunciou o fim das atividades em 7 de maio. Conforme o presidente do Sindicato dos Empregados em Hotéis da cidade, Enedir Barreto, 60 pessoas foram demitidas — inclusive ele, que foi contratado quando o estabelecimento inaugurou.
A estimativa do Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares e Similares da Região das Hortênsias (Sindtur) é que 30% dos 260 hotéis (190 em Gramado e 70 em Canela) tenham retomado as atividades. A maioria, conforme Mauro Salles, presidente da entidade, deve retornar em junho.
— Alguns que já reabriram já atingiram a capacidade de 50%, permitida pelo decreto, e isso traz confiança para os que ainda não abriram — acredita.
Presidente do Sindicato Intermunicipal da Hotelaria no Rio Grande do Sul (Sindihotel), Manuel Suárez estima que mais de 80% dos estabelecimentos do setor ainda estejam fechados no Estado. A expectativa é de que boa parte reabra entre junho e julho. Isso se o restante do país, especialmente São Paulo, retomar as atividades. Segundo Suárez, o turismo no RS depende, e muito, do Estado paulista.
— São Paulo gera muitas reservas. Enquanto São Paulo estiver fechada, terá pouco movimento aqui. Outros Estados contribuem pouco com o turismo no RS. Cerca de 40% do volume de turismo no RS é de São Paulo — diz o dirigente, acrescentando que o setor deve levar de dois a três anos para se recuperar.
Voltando aos poucos
Quem reabriu as portas enfrenta um cenário completamente diferente. Como a Serra está com bandeira laranja na escala de risco para o coronavírus elaborada pelo Governo do Estado, hotéis só podem funcionar com 50% da capacidade de atendimento. Além disso, os estabelecimentos precisam adotar uma série de medidas preventivas, como café da manhã a la carte ou no quarto, proibição do uso de áreas de lazer e disponibilização de máscaras e álcool gel para os hóspedes.
No primeiro final de semana após a liberação da retomada das atividades pelo governo, o Laghetto Stilo Borges, em Gramado, registrou uma ocupação de apenas 12%, o equivalente a 16 apartamentos. Já no final de semana seguinte, as três unidades do grupo abertas tiveram melhor desempenho, com a lotação máxima permitida. Na última sexta-feira, mais um hotel abriu. As outras cinco unidades em Gramado abrem nos próximos meses, assim como a unidade de Canela. O cronograma de retomada segue até o mês de novembro.
— Recuperar o que foi perdido é difícil, mas estamos otimistas para o Natal Luz. Há eventos confirmados para o segundo semestre, mas a gente não sabe como vai ser a reação do público. Aos finais de semana, o movimento é bom, mas durante a semana é zero — diz Flaviana Yamaguchi, gerente de marketing da rede Laghetto.
Quem também está otimista, apesar de considerar o ano já perdido, é Arlei Kraspenhaur, um dos sócios do grupo Sky. Dos oito hotéis em Gramado, cinco estão abertos e com movimento considerado bom – em pelo menos dois deles, houve lotação máxima permitida no primeiro final de semana de liberação da atividade. Para minimizar as perdas, a rede tem sido mais flexível nas reservas, mirando os visitantes da região, que ficam menos dias no destino, e até já lançou uma promoção para o período do Natal Luz, de pagamento em até 12 vezes.
A aposta é que as pessoas, após esse período de confinamento forçado, passem a dar mais valor a experiências como viagens.
— Essa perda, vamos recuperar, porque as pessoas vão dar mais valor às suas famílias, vão querer viajar mais, vão querer aproveitar mais os filhos, os netos — acredita Kraspenhaur, que mantém unidade também em Canela.
O grupo Sky ainda arrenda o Samuara Hotel junto ao grupo Samuara Empreendimentos Imobiliários, em Caxias.
:: Leitos
Gramado e Canela têm, juntas, 26 mil leitos.
"A gente não pode ser dependente de uma atividade só"
Para uma região que chega a receber 8 milhões de visitantes por ano, a pandemia caiu como uma bomba. As Hortênsias viram os turistas desaparecerem com medo do coronavírus, os estabelecimentos fechados como medida preventiva e a arrecadação praticamente zerar — em Gramado, 85% da economia depende do turismo. A situação forçou uma reflexão que, até então, era feita por outros municípios, como Caxias, que volta e meia fala em diversificar a economia.
— A gente não pode ser dependente de uma atividade só. Com nossa capacidade, precisamos investir em tecnologia, indústria de ponta, para que, no momento em que o turismo não consiga suprir, a gente tenha alternativa — constata Mauro Salles, presidente do Sindtur/Serra Gaúcha.
O período também traz outra reflexão: por mais que haja planejamento, ele pode ser arruinado do dia para a noite. Um vírus pode liquidar com negócios de uma vida inteira.
— Fica de lição o coleguismo. Que não se esqueça de ajudar ao próximo depois que tudo isso passar — diz Vicente Perini, presidente do Segh.
:: Turistas em 2019
Conforme dados do Ministério do Turismo, o Rio Grande do Sul recebeu, em 2019, 772.686 turistas estrangeiros.
1,1 mil demissões, no mínimo
Desde o início das medidas mais duras contra o coronavírus, em março, pelos menos 1.136 trabalhadores de bares, hotéis e restaurantes da região foram demitidos. O número é, certamente, maior, já que o levantamento é dos sindicatos, e nem todas as rescisões precisam passar pelas entidades.
Até semana passada, o Sindicato dos Empregados em Hotéis de Canela — que representa outras 14 cidades, como Nova Petrópolis, São Francisco de Paula e até Arroio do Sal — tinha contabilizado 100 desligamentos, incluindo os 60 do Laje de Pedra.
— A suspensão dos contratos e a redução de jornada ajudaram a evitar mais demissões, mas não é para sempre. Imagino que em agosto as coisas começam a melhorar. Mas se durar muito tempo, o que as empresas vão fazer? Imagina você ir para uma cidade infestada? Você não vai — diz Enedir Barreto, presidente da entidade canelense.
Em Caxias, o Sintrahtur, que também tem na base territorial outros 14 municípios, havia feito 221 rescisões. Os desligamentos do Axten não passaram pela entidade porque o sindicato considerou que havia irregularidades nas dispensas e não aceitou fazer as rescisões.
— O ano de 2020 está perdido. Antes do final do ano não se terá um norte. As pessoas perderam emprego, tiveram seus salários reduzidos e pensam: por que vou almoçar fora? Por que vou viajar agora? — reflete Jair Ubirajara da Silva, presidente do Sintrahtur.
Gramado teve o maior número oficial de demissões: 815, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Hoteleiro e Similares. Parte delas é das unidades do Laghetto, que reduziu em 40% o quadro de funcionários na rede. Conforme o grupo, foram cerca de 250 desligamentos na Serra, incluindo Bento Gonçalves e Canela.
— As medidas (do governo para preservar os empregos) vieram tarde e foram apresentadas com insegurança jurídica. Tinham o objetivo de reduzir as demissões, mas a que custo? Na nossa região (Gramado), a remuneração é mais alta que a média. Quando a medida provisória limita o seguro-desemprego em R$ 1,8 mil, tem queda na remuneração. E a estabilidade é pequena. Veio mais para salvar as empresas do que para garantir o mínimo de dignidade aos trabalhadores — critica Rodrigo Callais, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Gramado.
IMPACTOS PARA OS TRABALHADORES
Sindicato dos Trabalhadores no Comércio Hoteleiro, Meios de Hospedagem e Gastronomia e em Turismo e Hospitalidade de Caxias do Sul, Sintrahtur
Base territorial: Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha, São Marcos, Carlos Barbosa, Bento Gonçalves, Nova Prata, Guabijú, Protásio Alves, São Jorge, Vista Alegre do Prata, Veranópolis, Cotiporã, Fagundes Varela e Vila Flores.
Trabalhadores representados: 9,5 mil
Rescisões: 221
Sindicato dos Empregados em Hotéis de Canela
Base territorial: Arroio Do Sal, Bom Jesus, Cambará do Sul, Canela, Igrejinha, Jaquirana, Nova Petrópolis, Parobé, Picada Café, Riozinho, Rolante, São Francisco de Paula, São José dos Ausentes, Taquara e Três Coroas.
Trabalhadores representados: 1,2 mil
Rescisões: 100
Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Hoteleiro e Similares de Gramado
Base territorial: Gramado
Trabalhadores representados: 4 mil
Rescisões: 815
Pausa gerou novos projetos
Fechado desde 19 março, o Cambará Eco Hotel prepara seu retorno para o feriado de Corpus Christi, em 11 de junho. O estabelecimento até poderia ter reaberto no início do mês, mas a direção preferiu aguardar para ver como o mercado se comportaria. A administração aproveitou a pausa forçada para desenvolver novos projetos. A ideia é, na retomada, oferecer ao hóspede uma nova experiência no próprio hotel. Piquenique com vista para o pôr do sol será um deles.
— Essa parada mexeu para analisar mais. Foi um momento bem válido. A gente fez uma fotografia do momento. Foi um período em que não tivemos receita, mas também não tivemos prejuízo — conta Emiliano Brugnera, administrador do hotel.
Brugnera estima que cerca de 35% das reservas para o período foram impactadas. Para quem remarcou sua viagem, o Cambará Eco Hotel ofereceu benefícios, como passeios aos cânions. Os 16 funcionários do estabelecimento estão com contratos suspensos e recebem o salário do governo federal. Na reabertura, dos 32 apartamentos, que podem receber até 80 pessoas no total, somente metade estará à disposição.
:: Baixa ocupação
Em Cambará, o turismo representa 60% da economia. Com os parques fechados, a ocupação dos hotéis e pousadas, segundo a secretária de Turismo, Beatriz Isoppo Trindade, está bem baixa nos 26 estabelecimentos que reabriram no início do mês.
Apesar das perdas, compromissos em dia
Acostumada a ver o hotel sempre cheio, Elaine Michelon se deparou, de repente, com corredores vazios. Foi pouco mais de um mês sem ouvir, às vezes, sequer o barulho dos grilos.
— O silêncio assusta. O silêncio angustia — confessa a diretora do Villa Michelon, um dos mais tradicionais empreendimentos do Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves.
As portas fecharam no dia 20 de março, mas a desaceleração no movimento já havia começado no dia 15 daquele mês. O hotel reabriu em 30 de abril e vê, aos poucos, os hóspedes retornarem. Dos 57 apartamentos, apenas a metade está operando, conforme preveem as autoridades.
O prejuízo causado pela pandemia é incalculável. Somente de reservas que não foram remarcadas, Elaine precisou devolver R$ 500 mil. O caixa que estava sendo feito para uma reforma do hotel precisou ser usado para suprir a falta de receita. Mas Elaine orgulha-se dos esforços para manter os compromissos em dia, inclusive com os funcionários, que foram mantidos — houve cinco demissões, que ocorreriam independente da crise, tanto que as vagas foram preenchidas logo em seguida.
A expectativa é de que os próximos meses possam amenizar os impactos. Com todos os eventos deste período adiados, Elaine brinca que faltará espaço para tantas atividades.
— Tenho esperança que, no segundo semestre, com a demanda reprimida, vamos ter muito trabalho — anima-se.
Na última semana, o Villa Michelon recebeu da Secretaria Municipal de Turismo o selo Ambiente Limpo e Seguro, que contempla empresas que asseguram o cumprimento de requisitos de higiene, limpeza e cuidados necessários que garantem a segurança dos visitantes e colaboradores durante a pandemia e depois dela também. Um dos diferenciais do hotel é o apartamento de isolamento, onde, caso algum hóspede não se sinta bem, pode esperar atendimento em segurança e com conforto.
:: Selo
Já são 10 empresas em Bento que receberam o selo Ambiente Limpo e Seguro. A relação está no site bento.tur.br
Pandemia foi apenas a gota d’água
O fechamento do Laje de Pedra, em Canela, em meio à pandemia, causou tristeza, mas não foi exatamente uma surpresa para a comunidade da região. Para o presidente do Sindicato dos Empregados em Hotéis de Canela, Enedir Barreto, o coronavírus não foi o motivo do fechamento, pois o Laje já estava em declínio, segundo ele:
— Ele já era considerado um hotel antigo e há tempos queriam vender. A pandemia foi, digamos, a gota d’água.
O secretário de Turismo de Canela, Angelo Sanches, concorda que o Laje de Pedra não fechou por conta da crise provocada pela covid-19. A pandemia apenas agravou a situação do estabelecimento.
— O Laje de Pedra foi referência em hospitalidade e palco de muitos eventos. Perdemos um ícone cultural, um patrimônio da cidade. Mas a gente sabe que alguém vai acabar procurando e investindo naquele espaço — espera.
SITUAÇÃO DOS HOTÉIS
Caxias do Sul
Estabelecimentos: 24
Atividade encerrada: Dall’Onder Axten Hotel
Atividade suspensa temporariamente: Intercity, Ibis, Blue Tree e Samuara
Bento Gonçalves
Estabelecimentos: 43
Atividade suspensa temporariamente: Laghetto (duas unidades) e Vittoria
Canela
Estabelecimentos: 70
Atividade encerrada: Laje de Pedra
Gramado
Estabelecimentos: 190
Atividade suspensa temporariamente: cerca de 70% dos meios de hospedagem
Cambará do Sul
Estabelecimentos: 56
Atividade suspensa temporariamente: 30 meios de hospedagem
São Francisco de Paula
Estabelecimentos: 32
Atividade suspensa temporariamente: Pousada do Engenho e Pousada dos Cataventos.
ESTIMATIVA DE PERDAS
De acordo com dados do Ministério do Turismo, Caxias do Sul, Canela, Gramado, Nova Petrópolis, Picada Café, São Francisco de Paula, Bento Gonçalves, Carlos Barbosa, Farroupilha, Flores da Cunha, Garibaldi, Cambará do Sul e São José dos Ausentes arrecadaram em impostos federais, em 2017, R$ 81.705.231. Se considerados dois meses de parada, levando em conta os números de 2017, o impacto é de R$ 13.617.538.