Se o inverno de 2019 pudesse ser definido em uma palavra, “atípico”seria o termo apropriado. Os registros de frio intenso são poucos e até o início das temperaturas baixas atrasou na Serra. O comum é que entre o final de março e início de abril ocorram os primeiros dias com menos de 7,2 graus na estação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) em Bento Gonçalves. Neste ano, isso só foi ocorrer em 20 de junho. O mês acabou com 29 horas de frio, o que nunca tinha acontecido nos últimos 10 anos. A média é de 155 horas/frio até este período do ano,conforme a Embrapa Uva e Vinho.
Em julho, o cenário se inverteu. Foram 17 horas de frio a mais que a média, mas as baixas temperaturas se concentraram mesmo no início do mês. As últimas semanas têm sido amenas. Com isso, a soma é de 171 horas de frio até a terça-feira (30), 60% da média histórica dos últimos 30 anos.
Mas, claro, ainda pode fazer frio intenso e essa é, inclusive, a previsão para os próximos dias. Ainda assim, se os meses de agosto e setembro registrarem temperaturas dentro da média, serão aproximadamente 300 horas/frio no ano. Isso significa 73% da média histórica, que é de 409 horas.
Na torcida contra a geada
Com a pouca disponibilidade de frio, o pior cenário para a produção de uva seria uma geada nas próximas semanas. Este é o temor da Família Serafini, que cultiva seis hectares de parreirais no interior de Caxias do Sul. A agricultora Zenaide Serafini, 64 anos, conta que,em 2015, uma geada trouxe perdas de cerca de 70% da produção da propriedade, na localidade de São Bartolomeu da Linha 60.
— Naquele ano, (a geada) foi em setembro. As parreiras já estavam com mais de 50 centímetros de brotação e queimou tudo – relembra.
O pesquisador Henrique Pessoa dos Santos, da área de Fisiologia Vegetal da Embrapa Uva e Vinho, diz que a torcida deve ser pela persistência de dias frios pelo maior período possível a partir de agora e, depois que houver aquecimento, que as temperaturas não voltem a baixar muito, afastando a possibilidade da geada tardia.
Segundo ele, apenas a falta de frio não trará necessariamente uma quebra na safra. Em 2017, por exemplo, foram apenas 189 horas com temperaturas abaixo de 7,2 graus. Mesmo assim,segundo o pesquisador, a produção foi boa. Já em 2015, foram 145 horas de frio. Junto com isso, houve geada e chuva de granizo, o que resultou em uma quebra de 60% na safra seguinte. Santos explica que variedades como merlot e cabernet sauvignon exigem de 300 a 400 horas de frio. Mas as mais comuns, como isabel, bordô e niágara, precisam de 100 horas de frio. Como isso já foi atingido, a perspectiva é de uma boa brotação destes tipos de uva.
Malharias sentem impacto
O cenário não é nada animador para o setor malheiro. Embora a perspectiva fosse de crescimento de 10% nas vendas em relação a 2018, a Associação dos Centros de Compras da Serra Gaúcha (Acecors) estima que isso não irá se concretizar.
– Acho que vamos, na melhor das hipóteses, fechar o inverno igual ao ano passado – comenta o presidente da entidade, Paulo Dalzochio.
A Acecors representa 30 estabelecimentos em Caxias do Sul e Farroupilha. Com a perspectiva de frio próximo ao Dia dos Pais, Dalzochio avalia que o impacto pode ser positivo apenas no ano que vem: a esperança é que os lojistas do varejo desovem produtos que estão parados até agora e voltem ao atacado no próximo inverno.
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Comércio se adapta
A Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Caxias do Sul deve divulgar na semana que vem dados sobre o comportamento das vendas nos últimos meses, mas a sensação é de que parte do setor atravessa um momento de adaptação. O economista Mosár Leandro Ness, assessor de Economia e Estatística da entidade, ressalta que os produtos oferecidos nos últimos anos têm mudado.
Como as lojas de vestuário estão entre as mais prejudicadas, a estratégia tem sido repensar a oferta. Por isso, explica o economista da CDL, a aposta é em produtos mais leves. Além disso, parte das lojas de eletrodomésticos já opta por não ter um setor específico para vendas que dependem do frio mais intenso, como fogão à lenha e estufas.
– São opções que você faz quando o inverno é bem definido, o que a gente não tem sentido – comenta Mosár.
Redução de consumo de leite
Com poucos dias de temperaturas baixas, o setor leiteiro percebe que há redução nas vendas.
– As cafeterias, lancherias, os restaurantes que servem lanches vendem muito mais leite em períodos de maior frio, porque as pessoas procuram mais para o consumo – avalia o diretor administrativo e financeiro da Cooperativa Santa Clara, Alexandre Guerra.
Segundo ele, não há impacto na produção por causa das temperaturas amenas. O que aconteceu em julho foi o contrário: a geada no início do mês afetou as pastagens, e os esperados 10% de crescimento na produção de leite sobre junho não se concretizaram. Ficou em 6%. A cooperativa tem 3,2 mil associados e processa 800 mil litros de leite por dia.
O veterinário João da Luz, do escritório regional da Emater, explica que a as raças jersey e holandesa, a maioria na Serra,têm conforto térmico perto dos 15 graus. Mas a falta de temperaturas baixas pode afetar a alimentação dos animais.
– Se não faz frio no inverno, as pastagens não se desenvolvem corretamente – explica.
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