Desde o início do verão, no dia 21 de dezembro, produtores agrícolas do interior de Caxias do Sul têm sido surpreendidos por ao menos quatro episódios de queda de granizo. Os temporais de pedras de gelo atingiram as localidades de Fazenda Souza, Terceira e Segunda léguas, Loreto e Cerro da Glória, causando perdas em produções de uva, ameixa, caqui e pêssego, por exemplo.
A ocorrência do fenômeno é considerada fora de época pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Smapa), uma vez que os registros geralmente acontecem na primavera. Apesar de não haver uma comparação com anos anteriores, o engenheiro agrônomo da pasta, Thales Bordignon Milanesi, aponta para um crescimento na frequência de casos no verão.
De acordo com nota, enviada por Milanesi, o evento é mais comum no final do mês de setembro, em virtude das condições climáticas instáveis típicas do período de transição entre inverno-primavera.
"Esse fenômeno tem se estendido aos meses subsequentes, chegando a ocorrer até mesmo em meses de verão, e acaba coincidindo com os estágios mais avançados de desenvolvimento de frutíferas. Esta anomalia, muito provavelmente, advém das mudanças climáticas recentes que estão ocorrendo em nosso planeta", destaca a nota do engenheiro agrônomo da Smapa.
Na última quinta-feira (16), o agricultor Zulmiro Boff, 70 anos, foi surpreendido pelo temporal de granizo que atingiu a sua propriedade, localizada em Bevilacqua. Sem ter o que fazer, ele torceu para o estrago não ser maior.
Contudo, depois da chuva que não durou mais do que dez minutos, o agricultor diz ter contabilizado a perda de cerca de 60 toneladas de cultivos, entre caqui, da variedade kyoto (chocolate) e ameixa (do tipo letícia).
— Eram umas 6 da tarde, 6 e 15. Formou uma nuvem meia louca, começou a chover e aí virou em pedra. Achei que iria tudo embora, o vento era enorme. A produção está perdida. Agora, só no ano que vem — lamenta o produtor.
Na propriedade do Boff, o granizo atingiu cerca de três hectares, de um total de 20, destinados a plantação de pêssego, ameixa, caqui, maçã e pera. Ao todo, ele possui 40 hectares de área. O cultivo de ameixa foi menos impactado, porque o temporal aconteceu no final da colheita, salienta Boff.
Por outro lado, o caqui ainda estava verde, seria retirado apenas em maio. Agora, com os machucados e furos, o que restou nas árvores “vai cair no chão, é perda total, não se aproveita mais nada”.
— Bota em média quatro pila o quilo, dá R$ 250 mil (em perdas) — calcula.
O agricultor revela que não possui cobertura por tela para proteger a lavoura, e optou por não contratar seguros privado ou público. Justificou que há quatro anos utilizava o serviço, mas desistiu devido ao baixo custo-benefício.
Zulmiro Boff reside no local desde que nasceu e trabalha com os filhos, Marcos e Eduardo, e os sobrinhos, que também residem na propriedade. Pelo que se recorda, conta que todos os anos acontecem episódios de granizo, “é difícil escapar um ano sem”, entretanto, o ocorrido da semana passada foi um dos mais intensos.
Vizinhos das localidades de Carapiaí e São Braz também disseram à Boff que sofreram baixas.
— A tendência, quando falta fruta, é aumentar o preço. Então, por esse lado, também é ruim para os outros, não só para nós — reflete.
Prejuízos localizados
Diferente da seca ou mesmo da geada, que causam impactos abrangentes aos cultivos, o granizo resulta em prejuízos localizados, explica o assistente técnico regional da Área de Fruticultura do Escritório Regional da Emater de Caxias do Sul, Ênio Todeschini.
De acordo com ele, a chuva congelada mais significativa, nos últimos 30 dias, caiu na véspera do Natal. Ainda assim, o volume de perdas, aponta Todeschini, representa pouco frente aos 40 mil hectares de parreiras instalados na Serra gaúcha.
— (O granizo) pegou Caravagetto, comunidade do distrito de Nova Milano (em Farroupilha) e veio em direção a Caxias. Atingiu as comunidades de Loreto, subiu o morro, no Cerro da Glória, e atingiu comunidades de Santo Antônio e São Cristóvão. A nuvem de granizo passa, normalmente, em uma faixa mais estreita e comprida. Teve meia dúzia de parreirais caídos e em torno de 50 hectares de parreiras que tiveram perdas altas — relata o assistente técnico regional da Emater caxiense.
Além desses dois registros, houve mais dois: um entre Fazenda Souza e Vila Seca e, outro, na Segunda Légua. O secretário municipal da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Rudimar Menegotto, salienta que ainda não há dados concretos relacionados a contabilização das baixas.
A safra, ainda assim, é considerada “muito boa” pelo titular da Smapa.
— Visitamos a Região da Uva, até das frutas que já foram colhidas, tipo o pêssego, as ameixas mais precoces, a qualidades das próprias maçãs que estão sendo colhidas, é excelente. O clima está sendo favorável, a não ser nesses pontos que houve a incidência de granizo — afirma Menegotto.
Possíveis soluções
Os agricultores têm, como remédio amargo nessas horas, a opção de acionar seguros privado ou público, como o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), do governo federal, que cobre a ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam rebanhos e plantações.
Na área da prevenção, a situação é mais complexa. Uma das possibilidades envolve canhões que disparam iodeto de prata para eliminar ou diminuir as pedras. De acordo com o secretário Rudimar Menegotto, no dia 7 de fevereiro, representantes de Caxias e outros 16 municípios da região vão se reunir para discutir a implantação da tecnologia, que custa aproximadamente R$ 15 milhões, entre instalação e manutenção.
Em julho do ano passado, a empresa catarinense AGF Antigranizo Fraiburgo apresentou o sistema antigranizo para as prefeituras e entidades do setor. A região busca apoio do Estado para a instalação dos equipamentos, que marcam presença, além de SC, em outros países, como Argentina, Estados Unidos e França.