O aposentado Nestor Paulo Kuhn, 88 anos, carrega em sua trajetória, experiência, sabedoria, muitas histórias e uma forte revolta: o valor da aposentadoria. Aos 50 anos, ele encerrou suas atividades profissionais contribuindo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para se aposentar com 10 salários mínimos. A empresa em que trabalhava pagava por mais 10. Hoje, ele recebe 4,5 salários mínimos. Menos da metade.
— Não me conformo com isso. É muito injusto — esbraveja.
Ele tem razão. Atualmente, pelo menos 90% dos aposentados com mais de um salário mínimo de Caxias do Sul e do Brasil sentem na pele a dor de Kuhn, pois tiveram seus valores reduzidos em 50%. A revolta de Kuhn ecoa na Associação dos Aposentados e Pensionistas de Caxias do Sul. As reclamações são frequentes. Basta permanecer um curto tempo por lá para presenciar cenas de inquietação e preocupação. A maioria reclama que sequer consegue comprar os remédios com o valor que recebe.
O presidente da Associação, Vilson Cescon, 85 anos, explica que a Constituição 1988, que desvinculou os reajustes do salário mínimo aos das aposentadorias, prejudicou, e muito, quem recebe acima do básico.
— Enquanto o mínimo sobe de acordo com os índices da inflação, o dos aposentados representa menos da metade — reclama.
Cescon também está na lista dos prejudicados. Se aposentou com 6,6 salários mínimos. Hoje recebe um pouco mais de dois.
— Dá um desespero!
Ganho real menor
Os brasileiros que recebem acima do salário mínimo pagaram a mais por isso. São contribuintes que tiveram folhas de pagamento mais altas e, consequentemente, uma qualidade de vida superior. Com sucessivos reajustes injustos, a aposentadoria foi sacrificada e, consequentemente, a rotina de vida. O benefício foi achatado e ele perdeu o poder de compra. Poucas vezes, a Previdência proporcionou um reajuste de benefício capaz de superar os índices da economia que medem os gastos de consumo.
Para se ter uma ideia, entre os anos 2000 e 2012, o ganho real dos aposentados que recebem mais que o mínimo foi 91% menor de quem ganha a remuneração básica no país.
Para exemplificar, em 2006 o reajuste dos benefícios foi de 5,01%. O salário mínimo aumentou 16,67%. Em 2013, a situação se repete: 6,15% e 9%, respectivamente.
“Me tiraram a qualidade de vida”
Kuhn começou a trabalhar aos 14 anos. Foi torneiro mecânico, vendedor e empresário. O percentual do INSS sempre foi descontado de seu contracheque. Pagou durante 33 anos. Aos 52, se afastou do emprego e conseguiu o benefício.
— Vivia muito bem. Hoje, mal consigo me manter. Me tiraram a qualidade de vida. Me fizeram de palhaço — reclama.
Estudioso, ele se dedicou ao assunto e está atento ao que acontece em Brasília. O decreto prevê o ressarcimento das perdas, diz ele, está na gaveta do presidente da Câmara.
— E não vai sair de lá.
E acrescenta:
— É uma ladroeira sem tamanho. Quero ver fazer isso com deputados e senadores. Eu cumpri a lei 100%. Paguei tudo o que me pediram. Por que tenho que pagar pelos erros do governo? — questiona.
"Situação não será revertida", diz deputado Mauro Pereira
As esperanças para reverter situações com a de Nestor Kuhn são mínimas. Os próprios políticos admitem que os casos são irreversíveis. Milhares de ações já ingressaram no Supremo Tribunal Federal (STF) para os valores serem revistos e recalculados. A posição do STF foi enfática:
— Não!
Para o deputado federal caxiense Mauro Pereira (PMDB), quando o Supremo nega, é fato consumado. Ele admite que a demanda é recorrente e culpa os governos federais anteriores por não tratarem a Previdência Social como deveria.
— Tivemos absurdos!
Ele justifica que os reajustes injustos se deram porque foi uma maneira que encontraram (os governos) para manter a Previdência independente. Pereira lembra que teve uma fase em que os brasileiros podiam se aposentar aos 40 anos. Com isso, explica, o déficit aumentou muito.
A saída, segundo o deputado, é buscar o equilíbrio da Previdência. Ou seja, devolver-lhe a vida saudável. Da Previdência, não dos aposentados. Com isso, explica, será possível repor as perdas gradativamente. Outra proposta de Pereira é fazer com que o SUS) cumpra o seu papel e evite que aposentados tenham que pagar planos de saúde particulares para se tratarem.
Sobre a Reforma da Previdência, com votação tentada ainda para este ano, o deputado caxiense ainda não tem sua posição definida.
— Não vi o texto, ainda está sendo construído. Portanto não sei se vou votar a favor ou não! — adianta.
“Dinheiro para pagar, tem. É só querer”, diz senador Paim
O senador Paulo Paim (PT), também caxiense diz que é possível, sim, recuperar as perdas dos benefícios. Projeto de recomposição do valor das aposentadorias e pensões, de sua autoria, estabelece um índice de correção a ser aplicado de forma progressiva. Ou seja, no caso de Nestor Kuhn, ele receberia um salário mínimo por ano, até que, em cinco anos, o benefício volte a ter o valor equivalente ao período inicial, de 10 salários. O projeto foi aprovado no Senado, mas está engavetado na Câmara desde 2008.
A aposentadoria é a principal bandeira de Paim. Três projetos apresentados foram aprovados e já estão em vigor. Um deles é a lei dos 147%. Em 1991, governo reajustou o salário mínimo em 147% e pretendia aumentar em apenas 54% a atualização das aposentadorias. Inconformados, aposentados e pensionistas foram às ruas e conseguiram o mesmo aumento. Os outros são o fim do fator previdenciário e o Estatuto do Idoso, que assegura direitos às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos.
Se há esperanças para que os aposentados sejam ressarcidos das perdas, ele sinaliza.
— Aqui (em Brasília), os projetos só são aprovados sob pressão. Dinheiro para pagar, tem. É só querer.
Ao contrário de Mauro Pereira, ele garante que a Previdência é autossustentável.
— Se as regras do jogo forem respeitadas, o superávit chega a R$ 50 bilhões — destaca.
Ele se refere ao que foi arrecadado nos últimos 20 anos.
—Boa parte desse dinheiro foi retirada para outros fins!