Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) entre 2007 e 2012 e professor da Universidade de Campinas (Unicamp), o economista Márcio Pochmann constata que a recessão vivida pelo Brasil tem um perfil diferente das vividas em décadas passadas, pois já se arrasta há mais de dois anos consecutivos.
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Doutor em Economia do Trabalho e especializado em temas como sindicalismo e políticas sociais, Pochmann ainda critica a Reforma Trabalhista sancionada recentemente e acredita que ela proporcionará uma redução nas estatísticas de desemprego, mas, ao mesmo tempo, resultará na precarização do tipo de emprego a ser gerado nos próximos anos. Nesta entrevista ao Pioneiro, o economista se mostra pouco otimista com a retomada da economia brasileira em 2017.
Pioneiro: O mercado de trabalho é um dos principais temas enfocados pelos seus livros. Como o senhor avalia os possíveis desdobramentos da Reforma Trabalhista?
Márcio Pochmann: Está em curso uma nova configuração do capitalismo brasileiro, tomando como referência um conjunto de iniciativas. A Reforma Trabalhista é apenas uma parte do conjunto maior. Nessa condição, para analisar a mudança na legislação precisamos olhar o que vai ser o Brasil dos próximos anos, pois a lei não está sendo redefinida para o dia de hoje, mas para os próximos anos. Nesse sentido, a reforma aponta para um esvaziamento da presença dos sindicatos, da Justiça do Trabalho e uma dependência crescente da relação do empregado com o patrão. Possivelmente haverá uma mudança dramática no mercado de trabalho, com uma substituição de empregos assalariados por empregos de novo tipo, empregos PJ (pessoa jurídica), por exemplo. Por esses novos mecanismos, teremos a possibilidade de redução da estatística do desemprego, na medida em que as pessoas com contrato de trabalho intermitente trabalharão duas, três ou quatro horas na semana, por determinado período curto, e isso permite não mais ser identificado como desempregado, mesmo com uma jornada pequena e um salário certamente insuficiente. O desemprego poderá cair do ponto de vista estatístico, sem que isso signifique uma mudança substancial no mercado de trabalho.
O senhor acredita que os sindicatos têm atendido aos anseios dos trabalhadores? Por que vemos tantos trabalhadores desencantados com os sindicatos?
Não sei se é um desencanto com o sindicato ou com as instituições no Brasil. Não consigo perceber que a sociedade brasileira esteja encantada com os partidos políticos, com a Justiça ou com os governos. Há um desencantamento generalizado. Talvez isso tenha a ver com a forma com que fazemos a política, a forma com que fazemos a atuação sindical. De alguma forma está relacionado ao ciclo político da Nova República, que iniciou em 1985, e veio até 2016 sem realizar as reformas profundas. O Brasil não modificou profundamente o seu sistema político-partidário, não fizemos mudanças na forma das empresas e dos sindicatos atuarem. O país pouco oxigenou as instituições. Não me parece que seja um problema exclusivo dos sindicatos (de trabalhadores). Se olharmos a taxa de sindicalização dos empresários, menos de 5% das empresas são filiadas aos sindicatos patronais.
O senhor na saída da recessão em 2017?
Se analisarmos a evolução dos dados atividade econômica do IBGE, o chamado PIB trimestral, nós observamos que a economia entra em recessão no inicio de 2015 e se aprofunda até o quarto trimestre de 2015. Nos dois primeiros trimestres de 2016, há uma redução da recessão, apontando inclusive a possibilidade de Brasil no segundo semestre ter saído da recessão. Mas a partir do segundo semestre o PIB voltou a cair novamente. De certa forma, negando o discurso de que a presidenta Dilma (Rousseff) não se encontrava em condições de dirigir o país e que seria necessário recuperar a credibilidade e expectativa da atividade empresarial a partir de um novo governo. Uma vez constituída essa fase nova, de um novo governo, a economia não reagiu como esperado. Tivemos uma continuidade da recessão, o que nos coloca em dúvida acreditar que em 2017 de fato teremos saído da recessão, embora haja indicadores que até permitam olhar dessa forma. Principalmente pela situação externa da economia, o saldo comercial, e também pela força da safra agrícola. Só que tanto o setor externo quanto o agrícola não estão diretamente associados à política econômica. Soma-se a isso a situação fiscal do Brasil, as dificuldades que as administrações municipais, estaduais e o próprio governo federal vêm tendo. Há uma paralisia do setor publico, com atraso de pagamentos de salários, de fornecedores. É uma situação realmente complicada para se acreditar que tenhamos de fato saído da recessão.
Essa é a pior recessão que o Brasil já viveu?
De 1980 para cá tivemos três recessões. Uma de 1981 a 1983, outra de 1990 a 1992 e essa terceira iniciada em 2015. O que se diferencia a atual dessas outras duas? Essa (atual) é uma crise que temos queda por dois anos subsequentes e possivelmente teremos um terceiro ano de queda, ao menos no ponto de vista da renda per capita. Mesmo que a economia cresça 0,5%, o PIB por habitante vai cair. Não havíamos experimentado ainda uma situação como essa, de queda continuada. O crescimento do desemprego é sem paralelo se comparado com os anos 1980 e 1990, cresceu muito rapidamente e o aumento da pobreza também tem sido mais rápido que outrora. Com a continuidade da crise, estamos caminhando para um problema maior de convulsão social no país.
O senhor é um crítico da desindustrialização sofrida pelo país nas últimas décadas. Por onde a indústria poderia começar uma retomada?
O Brasil que saiu da recessão em 1983 tinha a indústria representando 27% do PIB. A recuperação se deu pelo mercado interno, indústria e seus efeitos subsequentes. Na década de 1990, a indústria representava abaixo de 20%, mas ainda era um quinto do produto nacional. Hoje temos uma indústria que representa 8% ou 9% do PIB, (nível) semelhante à década de 1910. O tipo de recuperação que é possível é a ocupação da capacidade ociosa que o país tem nesses tempos de crise. Ou se pode ter uma recuperação sustentada, não apenas pela utilização da capacidade instalada, mas também por investimentos. Acredito que um país de proporções continentais como o Brasil não pode pensar seu futuro sem a indústria. Vai ser impossível voltar à estrutura industrial dos anos 1980, mas temos setores que são passiveis de ter uma indústria consolidada. Só as compras do SUS são suficientes para sustentar uma grande indústria de fármacos e todo complexo da saúde. A própria industrialização do agronegócio. Temos um agronegócio dependente do exterior. Toda parte química não é nacional, parte dos fertilizantes também é importada. Ou seja, a industrialização nesse setor seria bastante profícua e agregaria valor a esse setor. Outra possibilidade é o sistema de defesa do país, a indústria de Defesa. Toda parte de segurança privada, juntando com segurança pública, Polícia Militar, tudo isso já dá um universo enorme para o Brasil montar um grande complexo de Defesa. Temos um setor que está comprometido, mas não há duvida com relação ao futuro, que é o de petróleo e Gás. Ou seja, há, pelo menos, quatro setores que poderiam sustentar a indústria brasileira.