
Por conta da inadimplência no pagamento do financiamento, o sonho da casa própria tem se tornado pesadelo para milhares de brasileiros. Em 2016, a Caixa Econômica Federal, principal responsável pelo crédito imobiliário no Brasil, retomou a posse de 15.881 imóveis em todo o país.
Ainda que represente apenas 0,35% do total da carteira de empréstimos do banco, o número significa um incremento de 80% frente aos 8.775 bens recuperados em 2015. No mesmo período, o crédito concedido cresceu de R$ 384 bilhões para R$ 406 bilhões, uma evolução de 5% apenas.
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A retomada dos imóveis é o último recurso utilizado pelo banco para reaver o dinheiro não pago nas prestações. Para não engrossar a lista daqueles que perderam o seu bem, a dona de casa Ângela Leal trava uma batalha para continuar no apartamento onde vive em Caxias do Sul.
Moradora do bairro Nossa Senhora das Graças, ela acumula dívida de cerca de R$ 20 mil, fruto de quase sete anos de inadimplência. A pendência começou quando o ex-marido, até então responsável por assumir as parcelas, saiu de casa e teria deixado de honrar o pagamento.
Com uma renda de um salário mínimo, Ângela não teve mais como bancar o financiamento. Ela ainda faz artesanatos e roupas para cachorros para ter um complemento, mas não é suficiente para suprir todos os gastos. Nos últimos anos, chegou a ser ameaçada de despejo, por conta do não cumprimento do contrato. No entanto, conseguiu um advogado e foi à Justiça para renegociar com o banco um acordo que caiba no seu bolso.
Ângela conta que, se der um sinal na Caixa, consegue segurar o apartamento e, de quebra, reduzir o valor das prestações. Com a ajuda das duas filhas e dos vizinhos, está organizando um almoço para angariar fundos. A ação ocorrerá no dia 30 de julho, e os ingressos já estão à venda, entre R$ 15 e R$ 25. A ideia da dona de casa é arrecadar cerca de R$ 7 mil líquidos para pagar o banco. Enquanto isso, convive com a incerteza de, se no dia seguinte, continuará tendo um lar.
– E se não dá certo, o que eu vou fazer? Vou me trancar para ninguém me tirar daqui? Vou fazer uma barraquinha no mato para morar com as cadelas (ela tem duas)?
– Às vezes, passa tudo isso na minha cabeça, chega a doer, fico desnorteada, mas penso: não posso ficar desnorteada, porque senão não vou nem chegar no dia do almoço. Tento pensar que vai dar certo – desabafa.
No final do ano, Ângela pretende fazer outra programação para quitar o saldo restante.
Como ajudar a Ângela
- Os ingressos para o almoço beneficente podem ser adquiridos com a filha Brenda, pelo telefone (54) 99234.0885, ou com a própria Ângela através do (54) 99224.8024. O valor é de R$ 25 inteira e R$ 15 infantil.
- O almoço terá galeto, massa, arroz, salada, maionese e sobremesa. Se alguém quiser contribuir oferecendo parte dos alimentos, a ajuda é bem-vinda.
- O evento ocorrerá no domingo, 30 de julho, às 12h, na Avenida Julio Calegari 3.200 (salão da Igreja Nossa Senhora das Graças).
58 caxienses inadimplentes são intimados pela Caixa
A Caixa intimou, entre quinta-feira e sábado da semana passada, 58 proprietários de imóveis em Caxias do Sul a resolverem pendências com seus financiamentos. Caso as pessoas listadas em edital não atendam à chamada em até 15 dias, há risco de o bem ser retomado pela instituição financeira e, na sequência, ir a leilão.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a superintendência da Caixa em Caxias manifesta que o objetivo da ação é alertar o usuário para que ele não perca a posse de seu imóvel. No conjunto dos 58 imóveis citados, as dívidas totalizam R$ 1,4 milhão, valor que está sujeito a correção monetária no momento que forem efetuados os pagamentos. Todos os imóveis mencionados são apartamentos, sendo apenas 20% residências do programa Minha Casa, Minha Vida.
Conforme os editais publicados, os proprietários foram procurados nos seus endereços, mas não foram encontrados. A média de inadimplência nos casos de Caxias é de um ano e os valores das dívidas oscilam. Há pendências que vão de R$ 5 mil a R$ 200 mil.
Pela lei, os bancos detentores dos financiamentos podem iniciar o processo de execução após 30 ou 60 dias sem pagamento, dependendo do contrato. No caso da Caixa, a instituição financeira começa a fazer contatos com o proprietário a partir do terceiro mês de inadimplência. A partir daí, são acionadas empresas de telecobrança, agências de cobranças e enviados SMS, e-mails e boletos de pagamento. Nos últimos 10 anos, segundo a Caixa, 93% dos contratos renegociados foram liquidados, tendo todas as pendências resolvidas.
O diretor da Associação dos Mutuários e Moradores do Rio Grande do Sul (AMMRS) Anderson Machado lembra que o aumento no número de casos de retomadas é reflexo da crise econômica. Como muitas pessoas perderam o emprego, a inadimplência vem aumentando.
– Algumas situações se resolvem via Judiciário. Mas quando se vai para a Justiça, ao final do processo é preciso que o mutuário tenha recurso financeiro (para pagar a dívida). Caso contrato, o imóvel será retomado.
O dirigente enfatiza para os mutuários tentarem até o último minuto negociar com o banco, pois, em caso de retomada, depois dificilmente será concedida a reintegração de posse.