Independentemente do que for definido nas questões políticas, a economia nacional não vai mais engrenar neste ano. A partir de 2017, porém, a retomada pode aparecer e, neste caso, vai depender diretamente do resultado do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A avaliação é do professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) Antônio Lanzana. O economista, que também é presidente do Conselho Superior de Economia da Federação do Comércio de SP, esteve em Caxias nesta semana para palestrar no Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs).
Na avaliação de Lanzana, se não ocorrer o impeachment, a economia nacional deve seguir retraída por pelo menos mais dois anos. Já se ocorrer uma troca na presidência, há uma possibilidade de mudança, "mas não há garantia":
- O crescimento deve retomar se tivermos um quadro ministerial de grande credibilidade e com boa relação no Congresso para se aprovar medidas impopulares, porém necessárias - avalia o economista.
Confira alguns trechos da entrevista que Lanzana concedeu ao Pioneiro:
Pioneiro: Sabemos que em meio a tanta instabilidade política, é complicado falar de expectativas. Mas em uma visão geral, o que se imagina para a economia nacional neste ano? A situação pode piorar ainda mais?
Lanzana: O cenário político é de fato importante, mas muito do resultado desse ano já está dado. Prevemos que a situação econômica ainda vai piorar mais um pouco antes de melhorar. A queda do PIB (Produto Interno Produto) deve ser de 4%. É um número forte e é mais grave ainda porque vem depois de uma queda de 3,8%, ou seja, com base baixa. Nesse cenário, há setores que tem puxado muito a economia pra baixo. Um é o industrial, que caiu 8,3% ano passado e prevemos mais 9% para esse ano. Dentro do ramo da indústria, temos dois segmentos mais prejudicados, que é o de bens duráveis e o de bens de capital. O de bens duráveis - automóveis, eletroeletrônicos - está prejudicado porque quando tivemos a queda de IPI se antecipou muito o consumo. Também são bens normalmente vendidos a prazo e o crédito está escasso e caro. Os bancos estão encolhidos. O segundo segmento que cai muito, é o de bens de capital, e isso afeta muito Caxias. Nesse caso, a venda cai porque está relacionada a investimento. Quem vai investir numa área de tamanha incerteza? A confiança dos empresários é muito baixa. O desemprego aumenta e consome-se menos. O setor de bens de capital está literalmente parado e isso desmorona a produção da indústria como um todo. O que está favorável na indústria são as exportações, mas a parcela ainda é pequena, porque isso demora.
E a queda de 4% no PIB deve se confirmar independente da situação política?
Acho que sim. Neste ano não tem como reverter, porque teremos uma discussão se vai ter impeachment ou não, e depois quem perder vai recorrer ao Supremo muito provavelmente. Depois há ainda uma incerteza sobre a permanência do Michel Temer e que organização vai se fazer no Congresso. Isso já vai ser meio do ano. A única coisa que muda no cenário imediatamente é previsão do câmbio. Nesse caso, com o impeachment, o dólar recua para algo em torno de R$ 3,30. Não deve cair mais que isso. Sem impeachment, vai para R$ 4,30. Mas o cenário para 2016, fora o câmbio, está traçado. Teremos ainda uma paralisia na economia neste ano.
Se de fato o processo de impeachment ocorrer, não será desfavorável para a economia?
Acho que temos dois cenários. Sem impeachment, avalio que teremos mais dois anos de dificuldade. Acho que vamos ter um governo sem credibilidade, com enorme dificuldade de governar, com minoria no Congresso. O principal problema que o país tem hoje, esse governo nunca enfrentou: o déficit da dívida pública. Se isso se mantiver, é calote certo daqui uns anos. Então a presidente vai ter que fazer essa mudança e isso implica em uma série de medidas impopulares, que acho que esse governo não toma. Outra coisa, se a presidente não for pro impeachment, ela vai dar suporte às forças que a tiraram disso, que são as forças de esquerda. E aí teremos uma guinada de esquerda no governo. Isso é reforçado pelas propostas econômicas do PT. Discordo de todas elas: ampliação de gastos do governo, uso de reservas, baixa de taxa de juros. Há quem diga "não, o impeachment não vai ocorrer e o Lula vai assumir. A economia de 2003 vai voltar". Isso seria saudável, mas é pouco provável, porque quando ele assumiu antes as contas estavam arrumadas.
E como seria o cenário com impeachment?
Com impeachment, há esperança de reversão do cenário. Mas há garantia? Não. Se pensarmos positivamente, o Michel Temer assume e consegue um ministério de alto nível, alta credibilidade. Ele precisa ainda de suporte no Congresso para aprovar algumas reformas. Assim, começa-se a recuperar a confiança. Agora, os problemas econômicos não somem porque mudou o presidente. É preciso medidas impopulares: vai ter que cortar gasto de governo, cortar subsídio empresarial. Vai ter que reavaliar programas de governo. Então penso que podemos ter um crescimento fraco a partir 2017 se recuperarmos a expectativa favorável. Outra hipótese é ele assumir e não conseguir fazer nada. Dai a situação atual vai seguir.
A economia internacional também deve desacelerar neste ano ou o problema é mesmo interno?
Dados desta semana do FMI apontam crescimento de 3,2% no mundo. Isso mostra que o mundo está muito melhor do que o Brasil e os nossos problemas são, na maioria, domésticos. Isso é a gente querendo culpar os outros. Um grande problema que temos que resolver é a dinâmica de déficit de dívida de governo. Temos um quadro de evolução de dívida muito preocupante e isso afugenta investidor estrangeiro, investidor nacional. Vai nos levar a novos rebaixamentos pelas agências de classificação de risco.
Diante desse cenário de economia mundial crescendo, como o empresário deve agir? A aposta deve ser mesmo voltada à exportação, já que o câmbio está favorável?
A exportação é uma saída sim, o dólar tende a ser alto no Brasil, mas nem todo mundo tem cacique exportador. Nós não vamos ter solução sem aumento de exportação. Então quem pode atingir o mercado externo deve ir. Outra recomendação que a gente sempre faz para empresa em época de dificuldade é controlar caixa. Uma empresa vive sem lucro, mas não vive sem caixa.
E o momento é mesmo de total cautela ou também é de investimento?
Não gosto desse papo de botequim que diz "na crise temos que fazer tudo ao contrário dos outros". Acho que tem que ser realista. Falam "crise é a chance para todo mundo crescer". Pode até aparecer alguma oportunidade sim, mas a tendência maior é de se endividar.