Dona Araci Andrade, 93 anos, só conheceu a energia elétrica aos 78. Até lá, à noite, só conhecia a luz da lua e a do candeeiro (pequeno lampião movido a querosene), que iluminava precariamente um dos ambientes da pequena casa. No nascimento de um dos oito filhos, quase morreu. A escuridão era tanta que não conseguiram levá-la ao hospital. Ela resistiu. A filha não.
Araci mora a 12 quilômetros da vila Cazuza Ferreira, distrito de São Francisco de Paula. Para chegar até lá é preciso desbravar trilhas, abrir porteiras e driblar muitos buracos. O cenário compensa.
Ela mora com o filho Pedro Renal,76 anos, a nora Ilda, 72, e o neto Mário, 31. É uma mulher alegre, com um semblante iluminado _ boa parte pelo bico de luz instalado no teto da cozinha. Fazem quinze anos que a família conheceu e desfruta dos benefícios da luz elétrica. Menos de cinco com a qualidade merecida.
- Tínhamos luz uns três dias por semana. Qualquer chuvinha já caia e não voltava mais - lembra Pedro Renal Cardoso.
Pedro foi o responsável por levar a luz até a localidade onde mora, no fim da estrada, na Zona dos Potreiros. Não foi fácil. Brigou com fornecedores de energia, políticos, empresários. Dos R$ 20 mil solicitados inicialmente acabou pagando mais de R$ 50 mil.
- Precisei vender mais de 30 cabeças de gado - conta.
O que motivou seu Pedro a batalhar tanto para ter energia em casa não foram os inúmeros benefícios que ela oferece, como ter água gelada e ver televisão. Foi um liquidificador. Com um filho especial (nasceu com microcefalia), ele precisava acionar o motor do velho Chevette da década de 70 para fazer o aparelho funcionar.
-O filho só tomava alimentos batidos. Não tinha outro jeito. Emendava os fios na bateria e o liquidificador triturava as frutas e verduras - explica.
Nem sempre o motor do carro pegava e, aí, tudo complicava, principalmente na hora da janta. Quando soube que a Cooperativa Certel assumiria o fornecimento de energia da região, surgiu a luz no fim do túnel. Era início de 2001. Ajudou a plantar o primeiro poste com fúria e determinação. Não aceitava a ideia de perder a oportunidade. Não perdeu.
- Quando ligaram a luz, procurei por foguetes para estourar, mas não encontrei. Comemoramos assim mesmo. Foi uma alegria muito grande - lembra.
A cooperativa passou a investir em melhorias na rede elétrica e hoje, seu Pedro e a família desfrutam do conforto que a luz oferece. Dona Ilda não esfrega mais roupas a mão, seu Pedro tira leite das vacas com sistema mecanizado, dona Araci assiste a todos os programas de televisão e Mário pode saborear a batida que desejar. O dono da casa ainda batalha para instalar a rede trifásica. Mas paga com gosto os R$ 300 mensais para ter a residência iluminada.
- Vou ao banco todos os meses sem reclamar. Não há velas que se comparem a uma lâmpada. A vida ficou mais alegre, mais iluminada.
Hidrelétrica tem investimento de R$ 34 milhões e beneficia 30 mil pessoas
Com uma potência instalada de 9.100 kilowatts (kW), a Hidrelétrica Cazuza Ferreira foi inaugurada na semana passada e vai gerar energia limpa para mais de 30 mil pessoas em várias regiões do Estado, inclusive para os moradores como Pedro Renal Cardoso, de Cazuza Ferreira.
Um dos focos é a manutenção do aspecto cênico da Cachoeira do Degolados existente nas proximidades, com 89 metros de queda d'água. O investimento foi de R$ 34 milhões.
Até 1996, esse mesmo local abrigava uma pequena usina de 150 kW da Cevicaf, cooperativa que foi incorporada pela Certel em 2001. Situada no Rio Lajeado Grande, a Hidrelétrica Cazuza Ferreira, tem também como sócios a cooperativa Coprel, de Ibirubá, e a Geopar, de Porto Alegre.
Além de gerar energia limpa e renovável, vai repassar muitos benefícios a São Francisco de Paula por meio da geração de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O prefeito de São Chico, Antonio Juarez Hampel Schlichting, pode incluir R$ 1 milhão no orçamento de 2016. O retorno da usina representa 3% do orçamento do município.
- Temos um empreendimento moderno, limpo e muito bem organizado, com tecnologia de ponta. Vai gerar grandes dividendos e uma receita significativa para o município. Por gerar energia limpa, também ajudará o país a diminuir a necessidade de geração por termelétricas, que geram grande impacto ambiental - comentou.
RGE investe nos Campos de Cima da Serra
A Rio Grande Energia (RGE) fez expressivos investimentos da região dos Campos de Cima da Serra em 2015. Somente na cidade de Vacaria, a concessionária realizou obras que totalizaram R$ 2,2 milhões ao longo do ano passado. O município foi um dos beneficiados pela nova linha de transmissão concluída pela RGE, em setembro.
O projeto contempla uma linha entre o município e o distrito de Lajeado Grande, em São Francisco de Paula, reforçando o sistema energético da região. O empreendimento consumiu R$ 22 milhões ao longo de três anos de construção. Com a nova Linha de Transmissão, Vacaria passa a ter uma segunda fonte de fornecimento de energia da rede básica do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Antes da obra, o município era dependente de uma única linha de transmissão, oriunda de Lagoa Vermelha e de responsabilidade de outra concessionária. Por ser um sistema antigo e composto por estruturas de madeira, eram frequentes as interrupções no fornecimento elétrico para a cidade. Com a obra, o sistema elétrico de toda região foi ampliado, beneficiando mais de 40 mil consumidores.
Energia
Família de Cazuza Ferreira conta como era a vida sem energia elétrica
A instalação de uma hidrelétrica no distrito de São Francisco de Paula, traz benefícios aos moradores e retorno financeiro ao município
Ivanete Marzzaro
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