
Do ponto mais alto da Igreja Matriz de Garibaldi ressoavam melodias de um órgão, que envolvia os fiéis na contemplação muito além do rito, mais próximos da arte.
Há cerca de 50 anos, celebrações ao som desse instrumento musical de tubos, construído na década de 1950, proporcionavam celebrações memoráveis a quem frequentava a paróquia do município.
— A igreja lotava quando tinha alguma cerimônia com a música do órgão. Na maioria das vezes eram casamentos, mas também tivemos missas acompanhadas pelo instrumento. A sensação de estar lá em cima era espetacular. O som que aquilo fazia era de tremer as paredes — recorda o músico, Doracy Furlanetto, um dos últimos a tocar o instrumento.
Instalado em um mezanino sobre a entrada da Igreja Matriz, o órgão de tubos é uma atração à parte em Garibaldi. Com 12 metros de largura e de até 6 de altura, o instrumento é composto por 1.189 tubos de tamanhos variados, que parte dos 15 centímetros até 4 metros de altura.

O instrumento, totalmente construído de forma artesanal, leva a assinatura do pioneiro e reconhecido fabricante de órgãos, João Edmundo Bohn. A encomenda do frei Miguel Sanson chegou a Serra em janeiro de 1951. Um mês depois, em fevereiro, o órgão foi inaugurado com a presença do então governador, Euclides Triches.
A cerimônia marcou o início dos anos embalados pela sua sonoridade única. Contudo, o órgão foi silenciado em 2014 devido a problemas identificados no instrumento causados pelo efeito do tempo.
O órgão permaneceu intocado até o ano passado. Em julho a paróquia São Pedro lançou uma campanha para angariar fundos e restaurar o instrumento. Meses depois, uma equipe de Novo Hamburgo foi até Garibaldi para analisar o instrumento e iniciar o restauro, que deve ser finalizado ainda neste ano.
Trabalho artesanal minucioso
Não por coincidência, o órgão retornou para Novo Hamburgo, cidade onde foi construído. Isso porque o instrumento está sendo recuperado por Fábio Bohn, neto de João Edmundo Bohn — construtor do órgão.
Em dezembro do ano passado, os conjuntos de tubos, pequenas válvulas e distribuidores de ar foram levados da Serra até a região metropolitana. Minuciosamente, as peças foram analisadas, limpas e agora estão sendo restauradas a partir de processos artesanais.
— Muitas partes do instrumento estavam deterioradas, sobretudo pelo sistema adotado na época, que era completamente pneumático, ou seja, exclusivamente abastecido pela entrada de ar. A falta de uso e os anos agiram no órgão, deixando os tubos sujos e deformados e as válvulas danificadas — explica Fábio.
Atualmente, a equipe de restauro está limpando, fundindo novamente para recuperar o formato arredondado e afinando os 1.189 tubos de chumbo. Esse processo, considerado um dos mais longos do restauro, deverá ser finalizado em maio.
"Acredito que até setembro teremos tudo finalizado", diz restaurador
Paralelamente, os restauradores estão consertando as válvulas, usadas para gerar o ar que flui entre os tubos. Cada válvula, também conhecida como “sapinho”, está recebendo novo revestimento de couro de cabra, material elástico e resistente que suporta a intensa movimentação. Para cada peça, pequenas tiras de couro são recortadas e coladas.
— É um trabalho de formiguinha, minucioso. Mas essa é apenas uma parte. Ainda vamos voltar para Garibaldi para limpar a estrutura de madeira por dentro e instalar o novo sistema elétrico, que irá substituir o emaranhado de tubos colocado pelo meu avô. Ainda iremos passar verniz na madeira e temos um novo teclado para instalar. Acredito que até setembro teremos tudo finalizado. Trabalhos como esse sempre têm um sabor especial — conta.
Conforme o Frei Edson Gilberto Cecchin, o retorno do instrumento à comunidade representa uma nova fase para os fiéis que frequentam a Igreja Matriz de Garibaldi. Além de resgatar a história do órgão, a paróquia planeja integrar a sonoridade do instrumento à rotina religiosa.
— Possivelmente as missas serão animadas ao som do órgão, que irá complementar os momentos de canções litúrgicas. Hoje temos coros que fazem essa parte, acredito que com o órgão, possamos tornar esse momento ainda mais belo, nos aproximando de Deus através da canção e atraindo mais pessoas para nossas celebrações — prevê.
A fase final do restauro será marcada por um concerto inaugural que acontecerá na Igreja Matriz, se tudo correr como o programado deve ser depois de setembro.

Aulas de música para manter vivo o legado, em Garibaldi
O músico encarregado de "devolver a vida" ao órgão de Garibaldi é o organista argentino Adrian Terazza, que também está trabalhando na recuperação do instrumento.
Mas para além da responsabilidade de trabalhar na recomposição e ser o primeiro a tocar o instrumento, Terazza terá outra missão crucial: preparar músicos de Garibaldi para manter o legado da música vivo.
— A ideia é que eu vá até Garibaldi, algumas vezes por mês, para ensinar outras pessoas a tocar o instrumento. É emocionante participar desse processo e ver o órgão voltando a ser o instrumento maravilhoso que é.
Doações para o restauro; saiba como ajudar
- Nesse período, a campanha em prol do restauro do órgão continua ativa em Garibaldi.
- A captação de valores junto à comunidade deve seguir até o restauro ser entregue à comunidade.
- As doações podem ser feitas diretamente na Paróquia São Pedro, no Centro da cidade.
- Qualquer valor é aceito, contudo doações acima de R$ 100 receberão uma réplica do órgão.
De uma pequena relojoaria a uma trajetória centenária

A atuação da família Bohn enquanto referências na elaboração e restauro de órgãos remonta 1924. Tudo começou com João Edmundo Bohn, filho de imigrantes alemães, que morava em Bom Princípio. Na época, ele trabalhava em uma pequena relojoaria familiar, consertando relógios e máquinas de costura, vindas da Alemanha.
A guinada para o ramo musical aconteceu quando a igreja da cidade importou um órgão do país germânico. Quando o instrumento chegou, acompanhado de um engenheiro para montá-lo, Edmundo foi chamado para auxiliar no processo.
O trabalho com o instrumento conquistou o relojoeiro, que acabou abrindo uma fabricação de órgãos e harmônicos na cidade. Depois, mudou-se para Pareci Novo, onde reabriu a fábrica. Em 1936, após um incêndio destruir a pequena produção, Edmundo se instalou em Novo Hamburgo.
Na região metropolitana assentou a produção de órgãos ao lado do filho Arno Adalberto Bohn. Depois de anos trabalhando juntos, pai e filho decidiram ter empresas separadas. Isso porque Edmundo mantinha o conservadorismo na produção, enquanto Arno ansiava por inserir elementos eletrônicos nos instrumentos.
Em 1969 a produção de órgãos sofreu um baque com um anúncio do Vaticano, tirando a obrigatoriedade sobre alguns elementos necessários nas igrejas, entre eles os órgãos. Nessa fase Arno começou a produzir órgão portáteis para conjuntos musicais. Pouco depois, em 1974, Fábio se juntou ao pai no negócio da família.
Quando ele se casou, a empresa foi oficialmente legada do pai para o filho. Desde então, Fábio trabalha com uma equipe de multiprofissionais, entre eles dois restauradores argentinos, um marceneiro, um programador e um técnico de serigrafia. A produção máxima da empresa é de oito órgãos por ano e duas restaurações.
Curiosidades sobre o órgão de Garibaldi:

- Conforme relatos da época da instalação, o órgão não deve ter sido carregado até o mezanino pelas escadas devido o tamanho. A solução teria sido erguer uma rampa do altar até o mezanino, por onde o instrumento teria sido empurrado por 40 metros de distância, até o espaço onde foi instalado.
- O órgão de Garibaldi é um dos três desse modelo em todo o Estado.
- João Edmundo Bohn foi o projetista do órgão. O fabricante produzia instrumentos no mesmo modelo, contudo cada órgão tinha características únicas.
- Caso o instrumento musical fosse construído hoje em dia, nesse mesmo formato, o orçamento seria de aproximadamente R$ 3 milhões.