
Consumo exagerado para ficar por dentro das tendências de moda. Roupas, calçados e acessórios que são tratados como itens descartáveis. Coleções que duram pouco tempo nas vitrines das lojas, com itens produzidos a partir da mão de obra barata em outros países e transportados por meio de aviões ou navios ao destino final. Mesmo que a maioria dos consumidores não perceba, a indústria da moda tem se tornado, cada dia mais, uma fonte de preocupação para o meio ambiente.
Relatório da Global Fashion Agenda, entidade dinamarquesa sem fins lucrativos que estuda o mercado de moda, aponta que mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados na última década. A projeção é de um aumento de 60%, ou mais de 140 milhões de toneladas até 2030.
Por sua vez, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) aponta que a produção de roupas gera entre 2% e 8% do volume global de emissões de carbono e que o tingimento têxtil é o maior poluidor de fontes de água no mundo.
Em meio a fenômenos climáticos como a enchente de maio de 2024 e as ondas de calor durante o verão de 2025, consumidores mais conscientes buscam diminuir o impacto de seu consumo têxtil por meio de uma nova tendência crescente: a moda circular.
Essa nova forma de se relacionar com as roupas e o meio ambiente vem acompanhada do crescimento dos brechós. Além dos mais tradicionais, com propósitos beneficentes, surgem os brechós com curadoria. Esse comportamento de consumo estimula uma maior circulação das peças de vestuário e, como consequência, esse fenômeno gera menos lixo, com menos impacto ao meio ambiente.
É o caso da analista de marketing Thalia Rossi Silveira, 25 anos, que começou a comprar em brechós em 2019. Inicialmente, a opção foi em razão do valor reduzido das peças e do estilo das roupas:
— Eu sou alternativa, sempre fui e sempre gostei dessas roupas diferentonas. O que mais me atendia eram os brechós.

Além de encontrar as roupas que fazem sentido com sua identidade, Thalia percebeu que o consumo consciente é uma arma a favor do ecossistema.
— Sozinhos a gente não faz muita coisa. Por isso, é importante estar leve com as nossas ações. O brechó tem um significado muito grande nisso e eu acredito que tenha um impacto muito grande no meio ambiente também. Eu acho que a indústria da moda hoje em dia tem uma mão de obra bem triste. Sei também que o objetivo das lojas fast fashion é crescer pelo valor reduzido e pela acessibilidade que as lojas online dão, também às pessoas plus size — afirma.
Causa e efeito
- A organização ambientalista Stand.earth revelou por meio de um estudo embasado no Emission Gap Report publicado pela ONU em outubro de 2021, que a indústria da moda é responsável por 10% das emissões anuais de dióxido de carbono (CO2) do planeta.
- No Brasil, uma pesquisa contratada pelo site Enjoei, um dos pioneiros na categoria brechó online, realizada pelo Boston Consulting Group (BCG), apontou que 56% dos brasileiros declararam já ter feito ao menos uma compra ou venda de artigos usados.
- Dentre eles, destacam-se roupas, com quase 50% entre os compradores de seminovos. Calçados e acessórios aparecem pouco depois na lista entre com 34% e 33%.

"A moda é mais do só vestir um look"
Há sete anos a empresária caxiense Flávia Santini começou a vender as roupas que não usava porque precisava aumentar sua renda.
— Isso foi a partir de 2018, quando estávamos começando a criar uma cultura aqui na nossa cidade. Já começavam a acontecer os primeiros encontros de brechós. E aí percebermos que existia esse perfil de consumidor — relembra.
Flávia aponta que esse perfil é diverso. Há desde as pessoas que estão de olho nos preços baixos até quem busca peças vintage e alternativas. Atualmente, ela é proprietária e curadora do Gold Style Garimpo, localizado no bairro Desvio Rizzo, em Caxias.
— A gente tem uma curadoria bem minuciosa, não é qualquer item que a gente aceita. Num geral, garimpamos em ONGs e instituições beneficentes. Então, acabamos ajudando causas animais, de idosos, de crianças, de deficientes e abraçando uma gama bem interessante — orgulha-se.
Nos sete anos de garimpos, Flávia diz ter percebido aumentar a clientela preocupada com a sustentabilidade.
— Os públicos têm essa consciência da moda circular e dos efeitos que ela vai causando. Eu acho que está rolando uma divulgação muito grande de como a indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo. Então, está rolando uma bomba de informações e as pessoas estão se conscientizando um pouco. Eu reparo que o público da Garimpo Gold tem um apego também a essa questão da sustentabilidade. Porque a moda em si é mais do que só vestir um look, ela acaba sendo uma cultura e uma forma política de se posicionar — defende.
Sintonia entre consumo e estilo de vida

A gerente de branding Laura Orlandi é cliente assídua de brechós há pelo menos cinco anos. No início, a escolha foi porque gostava de peças diferentes e com curadoria, mas com o passar do tempo, também passou a se preocupar com a origem das peças e o impacto que esse mercado provoca no meio ambiente.
— Quando a gente compra em grandes lojas, não sabe de onde veio a produção, como foi a mão de obra, por que processo aquela roupa passou. Faz sentido com o meu estilo de vida de me preocupar mais com a questão ambiental, diminuir a produção de lixo, reaproveitamento e diminuição do consumismo — afirma.
Com esse estilo de vida que vai desde a alimentação até o consumo de roupas, Laura sente que, mesmo de forma tímida, consegue fazer a diferença no mundo:
— Eu sempre posto quando eu estou no brechó e vários amigos conheceram a loja por minha causa. O que eu sinto é que a indústria de moda é a mais poluente do mundo, então quando eu compro em brechó, saio desse ciclo de criação de mais lixo e eu faço parte de um ciclo de reaproveitamento de roupas, um consumo sustentável e incentivo para que outras pessoas consumam dessa forma também — pontua Laura.
Criatividade e reaproveitamento têxtil como inspirações

Há sete anos, quando foi demitida de um emprego com carteira assinada, a empreendedora Natália Rodrigues decidiu focar no brechó que já administrava como uma possibilidade de renda extra. Na época, vendia seus próprios desapegos e peças customizadas pela internet.
Hoje, com uma sala comercial no centro de Caxias, o Eco Street Brechó trabalha com curadoria de peças e com a técnica do upcycling, uma vertente da economia circular que propõe que resíduos — nesse caso, descartes têxteis — sirvam de insumo para a produção de novos produtos.
Durante os sete anos à frente do brechó, fez um curso de costura básica na Fluência Casa Hip Hop e um de modelagem avançada no Banco do Vestuário. Com as próprias criações, já participou de três desfiles, inclusive no Concerto de Moda da Serra.
— Eu garimpo em bazar beneficente. É ir lá nas montanhas de roupa e selecionar coisas que eu vejo que têm potencial. Às vezes, um tecido que eu vejo que tem potencial, rasgado ou manchado, mas eu consigo modificar. É um processo criativo meu. Eu olho um tecido, uma cor, vejo o que eu tenho em casa e vou montando novas peças através disso — explica Natália.
Para as peças que são fruto do upcycling, o preço nem sempre é "de brechó", por isso, Natália observa que o público é distinto entre as peças garimpadas e as criadas com os resíduos.
— São peças que eu trabalho, às vezes, três ou quatro dias. Não é uma peça que eu vou conseguir vender por um valor baixo. É um público específico que compra peça de upcycling. Porque são peças imperfeitas. Eu digo que são peças imperfeitas para pessoas específicas — diz.
Pensamento sustentável

Antes do brechó, Natália trabalhava em lojas de shopping. Lá, conta que tinha metas de vendas e que isso nunca foi algo que acreditou:
— Quando eu trabalhava no shopping, eu tinha que forçar as pessoas a comprar as peças. Mesmo eu sabendo que eram clientes que eu já conhecia e já sabia o que eles tinham. E mesmo assim, tinha que empurrar a venda e bater meta. E hoje em dia, o brechó tem outra proposta. Eu sempre falo: "se tu não vai usar, deixa aí que vai vir outra pessoa que vai querer" — relembra.
Em função dessa mentalidade, mudou também o estilo de vida na alimentação e produção de lixo.
— Eu foco muito na sustentabilidade. Eu comecei a pesquisar muito. Parei de comer carne porque a indústria da carne é a primeira mais poluente. A indústria da moda é a segunda mais poluente do mundo. E do jeito que está tudo, com onda de calor e tudo acontecendo, não dá mais pra gente seguir consumindo como a gente está consumindo — enfatiza.
Faça o teste
Para saber o grau de sustentabilidade de empresas do ramo da moda e beleza, acesse o site Good On You (também disponível por aplicativo).
O Good On You avalia o impacto das marcas em três áreas principais:
- Pessoas: Isso inclui as condições de trabalho, salários justos e saúde e segurança dos trabalhadores nas cadeias de suprimentos das marcas.
- Planeta: Eles avaliam o impacto ambiental das marcas, como o uso de recursos, emissões de carbono, poluição da água e gestão de resíduos.
- Animais: Isso se refere ao tratamento dos animais nas cadeias de suprimentos das marcas, incluindo o uso de couro, lã e outras fibras de origem animal.