Quantas vezes você já ouviu alguém dizer que ser fluente em uma segunda língua pode ser um diferencial em um mundo cada dia mais competitivo? Dentro desse ponto de vista, além da língua materna — o português para os brasileiros —, o inglês desponta como opção. Nos últimos tempos, surgiu o questionamento sobre a idade certa para o início da aprendizagem, algo que se acentuou a partir do surgimento das escolas bilíngue.
A fonoaudióloga Carla Andreazza Balestrin, mestre em Distúrbios da Comunicação Humana, apresenta dois conceitos de bilinguismo, sendo o balanceado e o dominante. No primeiro caso, as crianças são expostas ao mesmo tempo em situações de vivência para as duas línguas, como por exemplo em casos de pais de nacionalidades distintas. No outro, a língua materna, ou seja, do país de origem, tem dominância sobre a secundária.
Carla contextualiza que, quando as crianças nascem, há uma pré-aquisição que faz com que exista uma sensibilidade maior para as características da língua materna. Segundo ela, por vezes os pequenos repetem palavras de outras línguas, como o inglês, por chamarem atenção. A fala enrolada, ou por momentos a confusão com algumas palavras pode fazer parte do processo.
— Às vezes tem alguns sons que não têm em uma língua, mas que tem na outra, e a criança acaba misturando um pouquinho isso, mas acontece por um período até que ela possa fazer acomodação entre as duas aquisições. Não é um ponto totalmente desfavorável, é algo que é percebido que pode fazer com que haja sim por um período essa questão acontecendo em ambas as línguas, inclusive na materna — explica Carla.
A fonoaudióloga Sinara Rech, por sua vez, diz que não há evidências científicas que comprovem que iniciar os estudos em uma segunda língua desde cedo pode trazer prejuízos ao desenvolvimento da fala de uma criança. O que ela alerta é para a quantidade palavras faladas pelos pequenos.
— Temos as rotas de aprendizado de fala, e quando pensamos em expor a criança a mais de uma língua, ela acaba tendo que ter uma flexibilidade cognitiva maior. Então, ela pode sim acabar melhorando as sinapses e conseguir fazer um desenvolvimento de vocabulário, de repertório, mais para frente de construção de narrativas, de frases, de forma mais efetiva — aponta Sinara.
Maior aptidão na infância
Para a médica Morgana Pelegrini, especialista em neurodivergência, até os sete anos as crianças têm maior aptidão para apreender e guardar os ensinamentos.
— Uma criança que já se introduz nesse contexto bilíngue, seja na escola ou em uma família, vamos supor de norte-americanos que mora aqui, no social ela fala português e dentro de casa inglês, você observa que aumenta o volume da massa cinzenta, tem o aumento de uma parte do cérebro relacionada a linguagem. E também vê que tem mais conexões neurais entre os hemisférios esquerdo e direito, faz com que a criança adquira uma melhor flexibilidade cognitiva, ela acaba tendo mais facilidade de aprender e de resolver problemas, e consegue melhorar questões como memória — aponta Morgana.
Dia a dia na escola
A Maple Bear, que iniciou as operações em 2023 no município, é uma das escolas que oferecem o ensino bilíngue em Caxias. No ano passado, o foco foi na Educação Infantil, em 2024 houve a expansão para o Ensino Fundamental, e já há a programação de chegar ao Ensino Médio. Neste ano eram 100 alunos, número que deve chegar a 150 em 2025.
O Ensino Fundamental, por exemplo, é dividido pela metade, com as disciplinas de inglês, matemática e ciências na língua estrangeira, enquanto português, história e geografia são ensinadas na língua materna.
— Imagino que as famílias procuram exatamente isso, pensar diferente para os seus filhos, tentar propor situações de aprendizagem que eles (pais) não tiveram na época, até porque as escolas agora que estão pioneiras no bilinguismo, e em metodologias que sejam diferentes, que façam parte da vida as crianças como um todo — diz Simone.
Preparação para o futuro
A quiropraxista e terapeuta fourfeel infantil, Flávia Flores, ao lado do marido, o médico veterinário Felipe Vanni, optaram por matricular o pequeno Pedro, de 2 anos, na escola bilíngue. Segundo ela, o que atraiu foi a possibilidade de o filho ter uma alfabetização em duas línguas, principalmente para que não enfrente obstáculos no inglês no futuro.
Segundo Flávia, ela e o marido não falam outras línguas, e tem conhecimentos básicos no inglês. Pedro ingressou em fevereiro de 2024 na escola, e a mãe diz ter percebido o rápido desenvolvimento do filho. A independência dele para algumas brincadeiras também tem chamado atenção dos pais. E a mãe também diz que o filho não teve dificuldades e que não tiveram receios em matricular o filho em uma escola bilíngue.
— Percebemos que ele compreende as perguntas que são feitas, fala diversas palavras em inglês. O desenvolvimento dele além do inglês também foi muito grande, a socialização, o entendimento emocional — conta Flávia.
Aprendizagem é fruto da interação entre as crianças
É com referências no modelo pedagógico Montessori, que promove a autonomia das crianças, e nas escolas infantis italianas da região de Reggio Emilia que nasceu a Global Village em Caxias do Sul. Uma escola que, conforme as palavras da proprietária Manuela Gimenes, tem imersão no inglês a partir dos 18 meses. A escola foi fundada em 2018.
— Eu não ensino o inglês, eu ensino em inglês. Então, as crianças vão brincar livre pela escola ou elas vão trabalhar com uma proposta dirigida pela educadora, mas são propostas que visam o desenvolvimento global da criança. Todas as competências previstas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) para a educação infantil — contextualiza Manuela sobre o modelo educacional.
Na Global Village são duas turmas divididas por faixa etária. A primeira com alunos dos 18 meses aos três anos, e a segunda dos três anos aos cinco anos.
— O princípio por trás disso é o da convivência, de que a criança aprende na interação com o outro. E o que a gente sabe, sem dúvida, é que a separação etária é uma separação para a organização e de uma certa forma arbitrária, porque não são todas as crianças da mesma faixa etária de dois anos que estão no mesmo momento de se envolvimento. Não são todas as crianças de cinco anos que já têm determinadas habilidades e assim vai.
Para além do modelo tradicional
Sabrina Colussi Souza iniciou ao lado do marido, o economista Ricardo Albert Schmitt, a busca pelo local ideal para matricular a filha mais velha Helena, hoje com oito anos. A escolha foi tão positiva que, em 2022, Carolina, a mais nova que hoje tem três anos, também iniciou os estudos na Global Village.
— Talvez o maior desafio tenha sido nós pais termos estudado em escolas tradicionais, e ver que poderia ser diferente, porque a quebra de paradigma foi exatamente essa: "que bom que existe uma escola que possamos proporcionar um ensino diferenciado para nossas filhas", porque não tivemos isso — explica Sabrina.
Sabrina diz que em nenhum momento percebeu as filhas confundindo palavras entre o inglês e o português, e que inclusive o desenvolvimento tem sido positivo.
— A minha filha mais nova canta músicas em inglês, claro que do jeito dela. Elas brincam em inglês, tu consegues perceber a evolução. Claro, a Helena bem mais evoluída, lê, agora está aprendendo a escrever o inglês, e a Carolina nas palavras.