Aos 51 anos, a moradora de Caxias do Sul Maristela Kurak buscava um recomeço. Recém-separada e com as duas filhas já criadas, queria deixar de ser dona de casa e entrar no mercado de trabalho. Fez cursos para atuar em salão de beleza e com banho e tosa em pet shops, mas não se identificou com nenhuma dessas ocupações. Trabalhou como diarista e motorista de aplicativo, mas tampouco se sentiu satisfeita. Só encontrou realização após concluir o curso de Cuidadores de Idosos da Escola de Saúde do Hospital Pompéia, há cerca de um ano, para em seguida atender sua primeira cliente.
De segunda a sexta-feira, Maristela chega no apartamento da aposentada Zulma Gelatti, 87, no bairro Santa Catarina, por volta de 18h30min. O cuidado principal que a idosa demanda é de locomoção, além da companhia. Juntas, Maristela e Zulma assistem às novelas e aos noticiários na televisão, até a cuidadora preparar o quarto para a cliente dormir. O sono é tranquilo e só é interrompido em horário já rotineiro para uma ida ao banheiro, na madrugada. Logo no início da manhã, Maristela vai para casa, quando troca o turno com uma das outras duas colegas cuidadoras (a terceira trabalha aos finais de semana)
- É um trabalho em que me realizo plenamente. Sempre gostei de escutar as pessoas, de me colocar no lugar delas e de perguntar no que eu posso ajudar. O curso (de cuidador) veio como um complemento, para ensinar como agir, até onde posso ir antes de chamar um familiar, e quais são os meus direitos e deveres - comenta Maristela, que também atende outras famílias em situações pontuais, como a de acompanhar em consultas médicas ou sessões de fisioterapia.
Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Caged, a profissão de cuidador de idosos é uma das que mais cresceram no Brasil nos últimos 10 anos, registrando um aumento de 574% de pessoas registradas na categoria no período, com carteira de trabalho assinada. Eram menos de seis mil profissionais em 2010, enquanto em 2020 esse número saltou para mais de 38 mil. Entre os principais fatores apontados para o crescimento estão o aumento da expectativa de vida da população e a diminuição do número de integrantes das famílias. É uma área que, segundo a professora responsável pelo Programa UCS Sênior Educação e Longevidade, Verônica Bohm, oferece boas oportunidades de colocação, tanto no atendimento particular como em hospitais e casas geriátricas.
- Quem já precisou de um cuidador sabe como é difícil encontrar, principalmente porque o bom profissional normalmente vai se dedicar ao seu idoso até ele falecer. E a gente tem muitos relatos de cuidadores que arrumam outro cliente já no velório daquele que faleceu. Porque a recomendação é muito importante. Nós, na universidade, não fazemos a indicação, mas recebemos pedidos quase diários - aponta Verônica.
O QUE FAZ E O QUE NÃO FAZ UM CUIDADOR
Ainda sem uma regulamentação específica, a ocupação de cuidador de idosos é regida pela Lei do Trabalho Doméstico e não exige formação específica. Existe muita informalidade e mesmo as atribuições são pouco claras, o que gera muita desinformação na hora da contratação do serviço. É comum, segundo explica Verônica, que se confunda a tarefa do cuidador com a de técnicos de enfermagem e com a de empregados domésticos:
- Tem famílias que contratam a pessoa para cuidar do idoso, mas também querem que essa pessoa faça todo o resto, que seja a higienizadora da casa. É um erro tanto de compreensão quanto de falta de reflexão, pois esse trabalho adicional tiraria a atenção necessária com o idoso, que precisa ser plena. Da mesma forma, há funções que são de profissionais de enfermagem, como aplicar injeções ou administrar alimentação por sonda, e que também não cabem ao cuidador.
Em cursos como os que são oferecidos em Caxias do Sul pela UCS ou pela ESHP, com carga-horária mínima de 160 horas, o interessado em seguir o ofício aprende noções de primeiros socorros, aspectos psicológicos tanto de idosos quanto de cuidadores, e recebe uma contextualização sobre o envelhecimento humano. O corpo docente conta com médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, odontólogos, nutricionistas, entre outras especialidades. Mas professores e trabalhadores são unânimes ao considerar que a principal habilidade para desempenhar bem o trabalho não é técnica.
- Em primeiro lugar, tem que gostar de pessoas idosas. Ter muita paciência, sensibilidade e respeito pelo ser humano. Compreender a realidade do outro, as limitações que a pessoa idosa tem de lidar quanto a movimentos, força. Tendo isso, então se vai atrás de cursos para aprender as técnicas necessárias - complementa Verônica Bohm.
"Metade do atendimento é baseado na empatia"
Além de poder contratar profissionais autônomos, famílias que procuram cuidadores podem procurar por clínicas especializadas que atendem em Caxias do Sul. Em parte são empresas com filiais espalhadas pelo país, como a Anjos da Guarda, cuja origem é de Curitiba. Ediney Santos, sócio responsável pelas filiais gaúchas, comenta que, apenas em Caxias, a clínica tem mais de 200 cuidadores cadastrados, entre contratados fixos ou por demanda. Santos explica que alguns idosos chegam a demandar quatro profissionais, e que só após o contato presencial com a família é que irá se chegar ao melhor modelo de atendimento.
- A gente faz uma visita à casa do cliente para identificar o perfil e entender as necessidades e a rotina do idoso, para poder destinar o profissional mais adequado. Nisso, é possível avaliar se o ideal é mandar um cuidador, um técnico ou um enfermeiro. Às vezes acontece de um mesmo paciente demandar ora um cuidador, ora um técnico de enfermagem, de acordo com uma evolução ou regressão de uma enfermidade. A vantagem que uma clínica oferece em relação ao autônomo é a garantia do serviço. Nós fazemos toda a gestão do profissional, fazemos os pagamentos, e o cliente não vai ter nenhum problema quando o cuidador precisar faltar por qualquer motivo. Nunca vai ficar descoberto.
O administrador ressalta ainda que a boa relação entre o idoso e o cuidador, na maioria das vezes, precisa ser caso de "amor à primeira vista".
- A gente costuma falar que metade do nosso atendimento é baseado na empatia. Tem família que gosta do profissional mais descolado, mais pra cima, tem quem prefira o profissional mais reservado. Depende de cada situação. É normal haver tentativa e erro até encontrar o cuidador mais adequado.
Naturalidade para lidar com a finitude
Faz cerca de cinco anos que Marilene Godinho, 65, se aposentou como técnica de enfermagem no Hospital Pompéia e passou a se dedicar ao trabalho de cuidadora. Atualmente dedica todo seu tempo profissional a um paciente de 88 anos, que lida com a doença de Alzheimer. A profissional explica que uma habilidade fundamental para quem quer ser cuidador o é saber argumentar, de maneira a fazer o idoso entender que o cuidador é alguém que está junto para ajudar, não para obrigar:
- Tem de estar disposta a observar a rotina do paciente e a entrar no mundo dele. Se ele tem as suas manias, eu deixo passar, mas sempre tento ser convincente sobre aquilo que eles precisam fazer. Procuro falar de uma maneira suave, que acalme a pessoa e não a faça se sentir obrigada a algo que ela não quer fazer.
Por ter atuado a maior parte da vida profissional em UTIs, Marilene adquiriu experiência no atendimento a pessoas que, por doença ou pela idade avançada, precisam encarar a própria finitude. E foi pela experiência acumulada que a caxiense aprendeu a lidar com a realidade de que seus pacientes não visam uma cura, mas sim um último ato de vida com o máximo de dignidade.
- Acompanhei muitos pacientes até o seu último dia de vida. Minha realização neste trabalho é saber que ofereci a cada um todo o cuidado merecido: a paciência, o cuidado, o carinho com o corpo e com a alma. Quando acontece deles partirem, normalmente eles já tiveram tempo de refletir e partem felizes. Claro que vai junto um pedaço de mim, mas eu respiro fundo e digo para mim mesma que foi bom enquanto durou e que eu cuidei com todo o meu coração.