A adolescência captada em cenários distantes da dureza urbana dos grandes centros já pode ser considerada uma marca na obra da cineasta porto-alegrense Cristiane Oliveira. Se em seu longa de estreia, Mulher do Pai (2017), esse período de transformação se conectava a empoeiradas estradas de chão no limite do Rio Grande do Sul com o Uruguai, agora o clima de descoberta e amadurecimento surge atrelado aos enormes cata-ventos do complexo eólico de Osório. É ao redor desses gigantes desengonçados movimentando-se ao sabor do vento que a diretora ambienta a história de A Primeira Morte de Joana. Depois de première na Índia, em janeiro, o filme ganha estreia nacional nesta terça (17) como único gaúcho concorrente na mostra competitiva de longas brasileiros do Festival de Cinema de Gramado. A exibição será pelo Canal Brasil.
Outra constante nos dois filmes de Cristiane é a escolha por personagens femininas para conduzir o foco da narrativa. A protagonista de A Primeira Morte de Joana é uma menina de 13 anos que se vê envolta em questões bem particulares, a partir da morte de uma tia-avó de quem era muito próxima. A menina fica intrigada ao se dar conta que a familiar nunca havia tido um namorado. Essa dúvida a conduz numa investigação que, por fim, terá mais ligação com ela mesma do que propriamente com a tia-avó.
Além de Joana (vivida por Letícia Kacperski) e de sua falecida tia, a história conta ainda com a presença forte de outras mulheres. Filha de pais separados, a jovem vive ao lado da mãe, Lara (Joana Vieira), e da avó, Norma (Lisa Gertum Becker). A dupla trabalha junto na confecção e venda de cucas – traço cultural que remete à presença da colonização alemã no interior do Estado –, mas possui personalidades bem antagônicas. Enquanto a vó de Joana frequenta bailes e gosta de namorar, a mãe é mais retraída e preocupada com conceitos morais. Esse seio familiar dá margem para muitos dos questionamentos de Joana, mas também oferece suporte suficiente para que ela possa se desenvolver.
Outra presença importante na história é Carol (Isabela Bressane), a melhor amiga de Joana. A personagem representa uma figura corriqueira na adolescência da maioria das mulheres: aquela menina mais desenvolvida e destemida que, ao mesmo tempo que influencia quem está perto, também causa certas inseguranças. Uma das particularidades interessantes da história é que, aparentemente, as mães de Joana e Carol também tiveram essa mesma importância uma para outra quando eram mais novas, o que denota a preocupação da cineasta e roteirista em explorar diferentes camadas das relações entre mulheres.
Com uma fotografia bem naturalista, assinada pelo caxiense Bruno Polidoro, o longa sugere o trânsito da personagem principal entre pequenos espaços como o quarto ainda infantil e a casa da tia-avó; até o contato com a grandiosidade de rios, matas e uma certa selvageria dos ventos. Ambientes que, assim como as pessoas que cruzam o caminho de Joana, também parecem interagir com as mudanças internas que vão surgindo.
Diferentemente de outras obras contemporâneas que versam sobre a adolescência, A Primeira Morte de Joana não dá ênfase ao impacto das redes sociais. Talvez por estar ambientada num 2007 ainda sem a presença massiva de smartphones, a história finca raízes em lugares e personagens bem reais. Essa composição analógica do ambiente habitado por Joana se completa com o artesanato e a literatura que a menina acessa na casa da tia-avó: pedacinhos de memória que ajudam a compor um mosaico pessoal importante.
A adolescência que protagoniza o filme de Cristiane também é atravessada por questões densas como a intolerância, seja com relação às crenças religiosas ou à orientação sexual. Na mulher em construção sugerida pela personagem de Joana, o roteiro dá pistas sobre a coragem que a vida cobra de quem decide respeitar seus instintos. Um caminho que, muitas vezes, requer força semelhante a de um cata-vento a cortar o ar.
Hoje no Festival de Gramado
- Às 17h, no site do festival e pela TVE-RS (TV ou site): debate dos concorrentes na mostra gaúcha de curtas.
- A partir das 21h30min, no Canal Brasil: mostra competitiva de curtas brasileiros com Eu não sou um robô (RS), de Gabriela Lamas e Per capita (PE), de Lia Leticia. Mostra competitiva de longas brasileiros com A Primeira Morte de Joana (RS), de Cristiane Oliveira. E mostra competitiva de longas estrangeiros, com Gran Avenida (Chile), de Moises Sepulveda.
- A partir das 22h30min, na TVE-RS ou no site da emissora: mostra de curtas gaúchos com Um Dia de Primavera, de Lisi Kieling; Nave Mãe, de Gisa Galaverna e Wagner Costa; Rota, de Mariani Ferreira; Tormenta, de Emiliano Cunha e Vado Vergara; Não Sou Eu, de Theo Tajes; Comboio pra Lua, de Rebeca Francoff; Fé, de Thais Fernandes; e Tom, de Felippe Steffens.