Nando Reis uma vez escreveu que "tudo que acontece na vida tem um momento e um destino". Talvez você conheça essa frase da versão imortalizada pelo Jota Quest. Seja na voz do compositor paulista ou na gravação da banda mineira, é fato que "o amor pode estar do seu lado". Mas e quando não está? Vale pedir uma ajudinha ao destino?
Para milhões de pessoas que usam sites e aplicativos de namoro em todo o mundo, vale. E a pandemia que o diga. Com o isolamento social e o fechamento de bares, restaurantes e clubes noturnos — ambientes que favorecem a busca por pretendentes —, ficou mais difícil para os solteiros iniciarem novos relacionamentos. Para quem procura uma conexão duradoura, então, nem se fala. Muitos dos apps de encontros estão saturados de usuários que deixam claro não querer nada sério, realidade relatada com frequência, mesmo no mundo real, por quem almeja um relacionamento mais estável.
Foi isso que motivou Cristtina Morelli, 63, a abrir a Vip Class, assessoria especializada em promover e intermediar relacionamentos sérios há mais de 20 anos, em Porto Alegre. Entre as características que seguram o público, estão a confiança e o sigilo. Com filial em Novo Hamburgo e em Caxias do Sul, essa última inaugurada em dezembro em função do aumento da demanda dos clientes da Serra, a empresa faz uma promessa ambiciosa: segundo a diretora, o serviço é totalmente direcionado para a felicidade.
Divorciada após um casamento de 20 anos, que lhe trouxe duas filhas, a própria Cristtina viu na prática obstáculos para encontrar companheiros sérios. Antes de criar a Vip Class, ela saía à noite com uma amiga.
— Não era meu perfil, mas era uma forma de dar uma oportunidade. Me deparei com uma realidade que não era a minha. As pessoas brincam muito, não têm o compromisso. A realidade vai aparecendo e frustra o perfil das pessoas como eu, que buscava coisas sérias — conta.
Cristtina é formada em Biologia, mas já trabalhou em vários outros segmentos. Fazia palestras quando começou a observar que muitas pessoas estavam realizadas no meio profissional, mas não no pessoal. Com uma ideia em mente, viajou para identificar como são percebidas as agências de casamento em outras culturas. Nos Estados Unidos e na Europa, como notou, o serviço tinha boa adesão. Munida desses conhecimentos, montou uma equipe e abriu o próprio negócio.
Hoje, a diretora brinca que é também sua própria secretária. Por trás de todos os atendimentos, ela diz que os clientes se sentem mais confortáveis quando o contato é apenas com ela. Se for do desejo do cliente, ela aciona um psicólogo. Aos interessados em repensar hábitos, ela indica profissionais na área da saúde. Cada caso é avaliado individualmente.
Mais do que só compatibilidade...
Quando um cliente contrata a Vip Class, ele precisa apresentar fotos recentes (que serão mostradas aos possíveis parceiros) e documentos como RG, CPF, certidão negativa criminal e comprovantes profissional, de formação, renda, residência e estado civil, para garantir que ele está solteiro e disponível para novos relacionamentos. Justamente por isso, ele não pode estar em aplicativos de namoro.
Além disso, a pessoa passa por uma entrevista presencial com Cristtina. Na conversa, que costuma durar quatro horas, é feita uma análise de vida, levando em conta inúmeros aspectos: dos mais simples, como hobbies e gostos musicais, aos mais complexos, como infância, família, sexualidade e filhos. Logicamente, não podem ficar de fora os sonhos, projetos e objetivos, assim como a clássica "o que você procura num relacionamento?"
No caso do físico, apenas preferências são admitidas, exigências não. A exceção é a altura, já que muitas mulheres fazem questão de encontrar um parceiro mais alto do que elas. Ainda assim, de acordo com a idealizadora da Vip Class, dificilmente o público sinaliza preferências tão fixas. Como o desejo é por relacionamentos estáveis, a maior parte dos clientes prioriza conhecer o interior dos parceiros.
A entrevista é presencial, conforme Cris, porque ela precisa usar da sensibilidade e do feeling para entender a essência de cada um. Na pandemia, os atendimentos foram mantidos, seguindo os protocolos de higiene e distanciamento.
Em média, são duas semanas até a apresentação do primeiro parceiro. Mas, antes de marcar o encontro, o cliente conhece o perfil do outro através da consultora, podendo ver fotos e informações. Se o interesse for mútuo, ela fornece os telefones e dicas preciosas de como proceder no primeiro contato. O casal pode ir se conhecendo e, depois de um tempo, deve dar feedback à assessoria. Se não bater a química, precisam estar os dois cientes, antes de serem apresentados a outros.
— Se um está todo envolvido, não se pode fazer uma nova apresentação, não podemos criar falsas expectativas. Os princípios, a responsabilidade, seriedade e comprometimento têm que existir e todos são obedientes nesse sentido — assinala a empreendedora.
Mesmo em casos mais demorados, Cris assegura que todos encontram sua cara metade. A empresária atribui o sucesso da empreitada à paixão que nutre pelo trabalho — não poderia ser diferente nesse segmento — e ao próprio perfil do público. Embora atenda a partir dos 21 anos, sem limite máximo de idade, a grande maioria dos clientes está na faixa dos 35 aos 60, todos com independência financeira. No início, a assessoria era mais procurada por elas; hoje, se divide quase que igualmente entre os dois gêneros. Em alguns momentos, os agendamentos masculinos até superam os femininos: no dia em que falou à reportagem, por exemplo, Cristtina tinha quatro atendimentos de homens, contra dois de mulheres.
Atualmente, cerca de 30 perfis estão "ativos" na região de Porto Alegre e 20 na Serra. Ao todo, a agência já cadastrou 7 mil pessoas; só na Serra foram 300. E tem quem venha de outros lugares, como São Paulo, Santa Catarina e Paraná. Cristtina até já uniu casais em que um dos envolvidos morava em Londres. 45% do público é divorciado, 35% solteiro, 15% separado e 5% viúvo. A maioria tem curso superior e 70% deles conheceu o serviço por indicação de conhecidos. Cris estima ter juntado pelo menos 3 mil casais ao longo de 20 anos.
— São pessoas discretas, que já passaram por relacionamentos e sabem o que querem: uma vida mais colorida e bonita, compartilhar sonhos, sentimentos e projetos com alguém. Os relacionamentos que temos na vida, às vezes, não são como a gente gostaria, mas eles nos ensinam muita coisa. Quando chegam aqui, os clientes já sabem onde erraram, os filtros que eles têm que fazer, pergunto o que fariam diferente, o que aconteceu de errado e o que pode melhorar — comenta.
Vanessa*, 55, encontrou o amor na Vip Class em agosto do ano passado. A advogada estava sem namorar há um tempo, por se deparar com parceiros que não tinham nada a ver com ela ou, então, por notar que sempre "faltava alguma coisa". Antes de realizar o cadastro, costumava ouvir julgamentos sobre conhecer pessoas por meio desse tipo de serviço, mas resolveu investir na plataforma:
— É um filtro de pessoas sérias. Não digo que vai dar certo, mas pelo menos facilita. Assim como tu conheces alguém na fila da danceteria, hoje em dia tu conheces em aplicativos. E essas agências também são uma forma. É como conhecer alguém numa festa, só que na festa tu não tens como saber se a pessoa está dizendo a verdade.
O companheiro de Vanessa, Bento*, 59, tomou conhecimento das agências de relacionamento quando estudou nos Estados Unidos.
— Fiquei com essa ideia na cabeça, estava atrás de encontrar alguém para ter um relacionamento sério e não queria entrar nos aplicativos, porque é outro perfil. Aí conheci o trabalho da Cristtina, que me apresentou a Vanessa, uma pessoa superespecial — declara o médico, que tem contrato de união estável firmado com a advogada.
*Os nomes são fictícios.
... a chave é complementaridade
Uma vez que já nascemos inseridos no contexto de um núcleo familiar, não querer se sentir sozinho é próprio do ser humano, como explica o psicólogo Maiton Bernardelli, doutor em Saúde Coletiva. Por esse motivo, buscamos grupos e parceiros que se identifiquem nas mesmas ideias e gostos ou ao menos minimamente parecidos. É isso que alimenta nosso desejo por encontrar alguém. O especialista em psicoterapia de casal e família também aponta que temos buscado relacionamentos fixos mais tarde na vida:
— Na faixa dos 40 anos, as pessoas passaram por outras escolhas e têm mais estabilidade. E têm outras faltas, talvez afetivas. Nessa idade, aumenta a busca por uma empresa que possa ajudar (a localizar parceiros).
Só que nem sempre querer é poder — Paulo Ricardo que nos desculpe. Para Bernardelli, os casais têm tido facilidade em estabelecer parcerias, mas dificuldade em alinhar objetivos.
— A gente vivencia um momento de muito romantismo idealizado, as pessoas querem parceiros que lhes amem e desejem o tempo todo, quando na verdade a gente sabe que isso não existe. Vai ter o cotidiano que vai interferir nisso. Por isso que hoje em dia há relações tão fluidas. O mundo nos ensina a ser muito individualista e a fazer muitas escolhas. Ninguém quer abrir mão das suas escolhas ultimamente e as pessoas acabam tendo dificuldade em se conectar. É mais fácil cancelar o outro, os aplicativos favorecem isso e até os próprios perfis. Aquilo que não se enquadra não entra.
Apesar do individualismo, o psicólogo aconselha: é preciso lidar com as limitações e as frustrações, para que toda relação, e não só as amorosas, possa prosperar e sobreviver aos problemas que vão surgir no caminho. Não existem garantias, nem fórmulas mágicas. Para quem se arrisca a se aventurar no mundo virtual, não dá para esquecer o bom senso:
— A internet pode levar a relações que não exigem compromissos duradouros, onde ninguém precisa realmente mostrar quem é. O uso de aplicativos favorece a idealização da vida, onde cada um pode criar seu avatar. Na vida real, as pessoas têm que investir mais e apostar naqueles com quem desejam construir algo duradouro. Isso dá trabalho e exige dedicação de ambos os lados.
Terapeuta integrativa e especialista em relacionamento, amor próprio e sexualidade, Rossana Freire reforça a máxima de que, para amar alguém, é preciso antes amar a si mesmo.
— Fomos criados para amar o outro, nos amar era considerado arrogante. Hoje a gente está começando a falar sobre isso. Se uma pessoa entra no relacionamento sem se amar, não vai conseguir fazer isso com o outro, porque a gente não pode dar o que não tem. O amor é lindo quando a gente se ama primeiro. Precisamos quebrar os padrões Disney, Hollywood e até de novela, em que amor é sofrer. Amor não é sofrimento — salienta a coach.
Conforme ela, o segredo de um relacionamento saudável é estar saudável, assim como o parceiro. Fazer uma "listinha" do que se procura em outra pessoa também é importante.
— Isso precisa estar muito claro na tua cabeça para não entrar no relacionamento querendo mudar o outro. Isso não vai acontecer.
Autoconhecimento é outro item fundamental para compreender vícios, padrões de comportamento e feridas emocionais, que podem estar ligados a eventos vividos lá na infância. Nesse sentido, terapia, leituras sobre o assunto e até técnicas como yoga podem ajudar.
— Todo mundo nasce confuso. Até uma criança que teve família estruturada e muito amor vai ter feridas emocionais. Nós, como crianças, não temos filtros emocionais. Vamos ter que acertar esses ponteiros mais pra frente, na adolescência e na vida adulta, porque faz parte — destaca a especialista.
Na procura pelo par ideal, os serviços que avaliam perfis podem alimentar o imaginário de uma relação completa e perfeita, segundo Bernardelli. Entretanto, sem autoconhecimento e sem tolerância, não há complementaridade:
— O desafio é equalizar as diferenças e dificuldades do dia a dia. Tolerar as frustrações do outro e as limitações de si mesmo é um elemento fundamental na vida a dois.
Deu match
A demanda por relacionamentos — tanto estáveis quanto casuais — movimentou o mercado de aplicativos na pandemia. Uma das ferramentas mais usadas no mundo, o Tinder teve crescimento de 52% nas mensagens trocadas e de 12% nos usuários pagantes, chegando a 10,8 milhões de pessoas no mundo todo. Mas tem bem mais gente usando o app, uma vez que o grupo não divulga o número total de usuários. Entre membros com menos de 25 anos, as conexões subiram 39%. O Happn também notou crescimento: 18% a mais de mensagens enviadas.
Com isso, as ações do Match Group, dono do Tinder e de outros aplicativos de encontros, avançaram mais de 200% de março a dezembro do ano passado, por conta do crescimento dos usuários pagantes. Só no terceiro trimestre, o lucro foi 21% acima do registrado no mesmo período em 2019, batendo a marca de US$ 249 milhões.
O Par Perfeito, maior site de encontros do país, teve aumento de 70% na categoria "novos usuários", só entre março e maio. Em junho, a empresa realizou uma pesquisa com 1,2 mil internautas. Os números revelam que 58% deles sentiram mais interesse em encontrar um parceiro em meio ao isolamento.