- Até que enfim, né?!
É com entusiasmo que o empresário Ismael Sebben Gonçalves, proprietário de uma sex shop em Caxias do Sul, comenta o incremento significativo nas vendas do ramo, dado que ajuda a refletir como a pandemia está aguçando a criatividade das pessoas, especialmente casais, na busca pelo prazer sexual. Bem como o aumento no consumo de pornografia, principalmente na internet, pesquisas apontam que a busca por produtos eróticos, como acessórios, brinquedos e cosméticos, cresceu em torno de 40% no Brasil desde março. Na Fréya, loja que mantém há 14 anos na Avenida Júlio de Castilhos, no Centro, Ismael confirma incremento até um pouco maior, na faixa dos 60%.
– Sempre foi um mercado difícil, especialmente em Caxias, talvez pela mentalidade das pessoas. O que vimos acontecer na pandemia foi um aumento de clientes novos. Muita gente nos procurando nas redes sociais ou pelo telefone para pedir informações sobre a loja. São pessoas que não consumiam este mercado e a pandemia as fez querer ou precisar sair da mesmice. Em abril, como não podíamos atender os clientes na loja, iniciamos a venda online, também como uma forma de expandir o negócio para toda a região. Ainda assim, 80% das vendas pela internet são para Caxias – destaca o empresário.
Ismael relata que a entrada no mundo dos produtos eróticos normalmente se dá pela linha de cosméticos excitantes, com destaque para o gel a base de extrato de jambu, que derrete após ser introduzido. Como um caminho natural, o passo seguinte é a procura pelo vibrador, cuja variedade de opções é tamanha que os preços variam entre R$ 35 e R$ 850. Ambos os produtos tiveram aumento de procura na mesma proporção. O que chamou a atenção do proprietário da Fréya foi a maior procura pelo pênis de borracha, o popular consolo, durante a pandemia.
– Até uns seis anos atrás a gente vendia basicamente cosméticos. Conforme fomos incrementando a forma de apresentação e a propaganda dos vibradores, a venda cresceu muito, tanto que hoje o nosso carro-chefe é a venda casada do cosmético com o vibrador. Esses produtos aumentaram numa proporção parecida. O que registrou um aumento ainda maior foi o pênis, que não vendia tanto por ser um produto mais simples, que não apresenta uma novidade e normalmente a mulher tem em casa, mas passou a ser mais procurado nos últimos meses – avalia.
No mesmo ramo, mas com foco em vendas online, a Chamas do Prazer também vive seu melhor momento desde que foi criada em 2010, no bairro Pioneiro, pelo casal caxiense Joaldo Neto e Joscileia dos Santos. Joaldo conta que o ano havia começado bem, mas a pandemia foi um impulso que fez o faturamento disparar até 70%. Entre os mais de 800 produtos da loja, o plug anal, o sugador de clitóris e o masturbador masculino foram duas surpresas entre os mais vendidos nos últimos meses. Outras procuras que tiveram aumento significativo são as fantasias e as lingeries.
– Percebemos que as pessoas, desde que passaram a ficar mais em casa, passaram a investir mais no seu bem estar, sem deixar de dar uma saída da rotina de vez em quando. Foi aí que nossas vendas cresceram – conta Joaldo.
O empresário estima que 60% a 70% da clientela são pessoas casadas, e que atualmente percebe uma divisão maior entre homens e mulheres. Atribui a isso uma maior abertura da mente masculina:
– Era comum neste mercado o público ser 80% feminino, mas hoje diria que as mulheres são 60%. Antigamente, o homem olhava o acessório erótico como uma concorrência, mas hoje ele já percebe como algo que vem para ajudar o casal.
Quem também viu a procura pelo serviço aumentar foi a consultora sexual, ou sex coach, Bru Zanardy. A caxiense, que há mais de 10 anos atua no mercado de sex shop e há cerca de um ano agregou à sua boutique o serviço de consultoria íntima para mulheres, diz ter disparado em 150% o número de atendimentos voltados para a busca do prazer, que incluem desde orientações sobre masturbação e dicas para melhorar sexo oral e sexo anal a cursos de lap dance, pompoarismo e strip-tease, o mais procurado.
– Conforme mais mulheres se abrem para se conhecer melhor, o convívio no seu grupo influencia outras amigas. Na pandemia, meu trabalho aumentou muito, principalmente porque as mulheres têm tido problemas com a baixa libido. As principais razões são a autoestima baixa, a falta de atenção dos parceiros e a falta de intimidade com o próprio corpo – relata a coach.
Bru comenta que seu público abrange mulheres de 20 a 60 anos, igualmente dividido entre casadas e solteiras. Independente da idade, muitas apresentam problemas para gozar e sofrem com maridos mais fechados. Outras, no entanto, já têm uma vida sexual saudável e a procuram apenas porque querem ter mais prazer:
– Na minha opinião, as mulheres estão aprendendo a se amar mais, seja para desfrutar da sua sexualidade sozinhas ou com parceiros. As solteiras procuram cada vez mais viver com qualidade, priorizando o amor próprio e o seu próprio prazer. No cenário atual, sem opções de diversão como festas, bares, viagens, o vibrador virou o brinquedo preferido – diz.
Desafio para o desejo
A psicóloga Dra. Bruna Muhlen, professora da UCS e pós-graduada em terapia de família e casais, observa não apenas pela teoria, mas em suas clínicas em Caxias do Sul e Porto Alegre, que manter o desejo sexual é um desafio para as pessoas durante a pandemia, principalmente pelas privações de prazer e pela carga de estresse que ela acarreta.
– A sexualidade é complexa, mas começa no desejo. Muitas vezes ao homem basta o estímulo visual para sentir desejo, enquanto a mulher precisa ser estimulada de alguma outra forma. E um dos fatores que alimenta o desejo é a novidade, que fica prejudicada frente à pandemia. Muitos casais que tinham uma rotina de escapar final de semana para algum lugar, ou que uma vez por mês iam num motel diferente, que faziam algo nesse sentido para apimentar a vida sexual, se viram mais limitados. Sem a novidade, o desejo pode ser afetado. Por isso muitos recorrem à criatividade, como experimentar o uso de brinquedos eróticos – salienta.
A psicóloga também elenca o cansaço como um fator que inibe o desejo, e sugere que a saída é uma cumplicidade ainda maior no sentido de equilibrar as tarefas do dia a dia:
– O cansaço, tanto físico quanto mental, não contribui para a sexualidade, e as pessoas estão tendo mais trabalho na pandemia. Às vezes a mulher precisa ser também a professora do seu filho, ou dar conta da limpeza da casa porque a faxineira não está indo. Aqueles casais que conseguem compartilhar mais as tarefas domésticas, seja o cuidado com o filho ou a limpeza da casa, acabam ganhando mais tempo para ficarem juntos e o desejo aumenta. A própria admiração pelo companheiro que ajuda no trabalho faz aumentar o desejo.
Bruna também destaca que há uma razão biológica que liga a rotina sexual à verdadeira conexão entre os casais, e que, quando essa liberação hormonal baixa, a proximidade emocional também é prejudicada:
– A ocitocina, substância que é liberada entre a mãe e o bebê na amamentação, que o faz se vincular com a mãe como figura de proteção, o chamado apego seguro, é a mesma liberada na relação sexual. O sexo é a “colinha” que muitas vezes une o casal. Em consultório, muitas vezes atendo casais que estão há meses sem relação e parece que eles estão desconectados, toda a energia que eles têm é pra brigar. Por outro lado, quando a sexualidade cresce como um lugar seguro, eles vão se reconectando emocionalmente também.
ENTREVISTA: “Tensão alta, tesão baixo”
A psicóloga e terapeuta sexual Izabel Eilert, que atende em Caxias do Sul, alerta para a alta carga de estresse que as pessoas experimentam no período de confinamento, com as atividades prazerosas perigosamente reduzidas – e não apenas as sexuais. A profissional sugere, no entanto, que pequenas gentilezas entre o casal podem trazer de volta o desejo perdido, e que os acessórios e brinquedos eróticos podem, sim, ajudar, mas apenas onde a relação já é saudável. Onde há conflito, a melhor saída é a terapia. Confira:
Almanaque: Como a pandemia está influenciando a rotina sexual?
Izabel Eilert: As pessoas desacomodaram muito as suas defesas, e com isso aumentaram a depressão e os conflitos. Casais que estavam estáveis se aproximaram ainda mais, mas aqueles que tinham questões conflitivas que a rotina ajudava a esconder debaixo do tapete emergiram com a pandemia. O prazer com a vida, em geral, diminuiu. As pessoas passaram a se divertir menos, a ter menos contato social, a comprar menos. A busca foi, então, para coisas mais básicas, como a comida, por exemplo. O nível de estresse está muito mais alto e isso dificulta entrar na intimidade sexual, pois onde a tensão é alta, o tesão é baixo.
As pessoas estão muito mais grudadas na tela e afastadas da intimidade sexual, pois o prazer que aquele estímulo visual causa no cérebro é maior que o de conversar com o parceiro que está deprimido.
A questão se agrava conforme a pandemia se prolonga?
Sem dúvida. No início, as pessoas se assustaram muito, mas também se uniram muito, como se fosse para um combate. Depois veio um relaxamento, que agora já virou exaustão. Um cansaço do confinamento, da restrição de prazer, da sobrecarga de convívio dentro de casa. As pessoas estão se vendo mais gordas e isso faz com que elas não queiram se despir para o cônjuge, pois baixa a autoestima e afasta do sexo. Isso se dá porque muitos casais só estão casados, mas não são íntimos. Não se abrem, não mostram sua as emoções e inseguranças. Há casais que se despem, se penetram, mas não se abrem. E quando uma mágoa que poderia ser resolvida na conversa chega ao ponto de cronificar, o casal pode perder não só o sexo, mas também o casamento e a família.
Há também o casal que sente as dificuldades práticas impostas pela pandemia, como filhos mais tempo em casa...
Sim, mas esses não se afastam. São os casais que podem estar fazendo menos sexo, mas estão cozinhando juntos, assistindo a série juntos. Eles estão com uma vida diferente, mas não aumentaram o conflito.
A partir de que momento é necessário levar a relação para uma psicoterapia?
Uma coisa importante a ser pontuada é que a violência doméstica aumentou muito. A falta do esconderijo emocional, como ir tomar um café com a amiga, ir visitar a mãe, coisas que fazem baixar a ansiedade...sem isso, tudo fica a ponto de bala. O momento de procurar uma terapia é quando alguém entra em franco sofrimento. Quando não tem mais como fazer sexo porque a mulher sente dor, o homem não consegue ter ereção ou ejacula muito rápido, aí é preciso tratar.
Brinquedos eróticos e pornografia como recursos, ajudam?
Depende muito da situação. Se estamos falando de casais que vivem uma relação saudável, a pornografia ou os sex toys são recursos interessantes, pois ajudam os casais a se reinventar. Mas tu não vais indicar exercício físico para quem está com asma. Da mesma forma, a pessoa que está com uma dificuldade sexual, se tu levas ela a um sex shop, só vai aumentar a ansiedade e agudizar o problema. O homem que está com dificuldade de ter ereção, se a mulher aparece com uma lingerie super sexy, aí é que ele não vai ter ereção. A mulher que não consegue ter orgasmo, se o cara aparece com um vibrador, aí é que ela não vai ter orgasmo. Sex shop é para a relação em que o sexo está legal.
Foi significativo o aumento de pedidos de divórcio durante a pandemia...
Eram casais que se mantinham no limite e a pandemia fez transbordar.
Nesse sentido, seria pior a pandemia numa época em que o divórcio fosse menos aceito socialmente?
Sem dúvida. Para minha tataravó, que não teria a autonomia social ou financeira de se separar e teria de ficar silenciada, ou ela iria desenvolver um câncer ou se enforcaria. Não teria muita saída.
Pode ser positivo mais gente estar se separando?
Se a conjugalidade está muito tóxica, a separação é saudável. Mas às vezes as pessoas não aguentam nada. Estão chateadas e resolvem se separar. Casamento a gente cuida, assim como a sexualidade. Que dica se pode dar? Manter pequenas gentilezas, que fazem a pressão diminuir. Não precisa uma noite de sexo selvagem. Leva um cafezinho, passa a mão no cabelo, faz um elogio, dá pequenos toques durante o dia. Assim criam-se pequenas fontes de prazer que irão baixar o conflito e facilitar o acesso à intimidade do outro. Tudo isso aumenta a chance de ter sexo mais tarde.
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