Vive-se uma era em que o Planeta Terra deixou de ser visto como uma esfera, em que há um número crescente de pessoas questionando a eficácia de vacinas e defendendo que o aquecimento global não tem sido causado pela interferência do homem. O núcleo celular é uma espécie de nova visão de mundo, um ataque sistemático envolvente e eloquente que propaga-se como um vírus e coloca em cheque a relevância da ciência.
Apesar desse confronto, e do questionamento da atuação dos cientistas brasileiros, há quem levante a sua bandeira encharcada de conhecimento para defender-se dessa guerra ideológica. Curiosamente, dois eventos promovidos por cientistas, com cosmovisões diferentes, promoveram a defesa da ciência, nos últimos dias, aqui na Serra gaúcha.
Um deles, ocorreu em Gramado, entre os dias 27 de fevereiro e 1º de março, chamado de TheoLab Camp, promovido por cientistas cristãos, e reuniu cerca de 150 pessoas. O outro, realizado em Bento Gonçalves, entre os dias 2 a 6 de março, discutiu a evolução das galáxias no Universo, no Simpósio Internacional da União Astronômica Internacional (que congrega mais de 10 mil astrônomos e astrofísicos).
Em um senso comum, identifica-se cristãos como defensores da criação divina e, por isso, contrários às teorias científicas, como a evolução das espécies, desenvolvida por Charles Darwin (1809-1882). No entanto, esse grupo de cristãos que esteve reunido em Gramado, compactua com uma visão presente no livro Criação ou evolução – Precisamos escolher?, escrito pelo biólogo molecular, Denis R. Alexander, que assume sua fé em Jesus Cristo como o único Senhor e Salvador. No capítulo Criacionismo Evolutivo, ele escreve: “Alguns têm visto, nos escritos de Darwin, uma sinistra conspiração para subverter a crença em Deus, mas não há evidência histórica em favor disso”.
Alexander vai ainda mais além e revela o passado do jovem Darwin, em sua família crente a Deus. Tanto é que, no mesmo capítulo citado acima, o autor pondera: “Darwin apresentou suas ideias como uma teoria estritamente biológica no livro Origem das espécies (1859), esquivando-se em sua argumentação para afastar qualquer preocupação de que sua teoria tivesse quaisquer implicações religiosas”. Ou seja, apesar da defesa de muitos biógrafos, de que Darwin, no fundo cria em Deus, o cientista desenvolveu sua teoria sem qualquer justificativa divina.
Cristãos defendendo a produção científica
Parece antagônico ver cristãos defendendo a ciência. Mas os quatro palestrantes do evento TheoLab Camp, cujo mote era "Onde fé e ciência se encontram", relataram situações em que foram confrontados por ambos os lados. Um dos nomes mais importantes do encontro é o de Roberto Covolan, físico e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vice-diretor do Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia (Brainn) e Presidente da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²).
Aliás, a associação nasceu justamente para dar credibilidade e apoio a pesquisadores e cristãos interessados em ciência, sem que se sentissem corrompidos em sua confissão de fé.
Covolan entende que a melhor parceria de relacionamento com os cientistas, independente de sua visão religiosa, é a imprensa. Na sua avaliação, a mídia deve ser a voz de uma sociedade, embasando a reflexão de temas realmente importantes, sem atuar como um agente histérico.
– Quando a mídia trata de questões científicas oscila entre dois polos, e em nenhum dos dois vai na direção do que eu acho que deveria ser. Um, é o polo do otimismo. Por exemplo, de que a solução para tudo é a tecnologia que vai resolver todos os nossos problemas. O outro polo é o do catastrofismo, como se um vírus, por exemplo, pudesse destruir e acabar com tudo e isso seria o fim do mundo – provoca Covolan.
Para o presidente da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência, essa parceria bem ajustada entre cientistas e imprensa, ajudaria a resolver o avanço do movimento de negação das teorias científicas.
Fé e ciência são compatíveis?
Além de Covolan, os demais palestrantes foram o Tiago Garros, biólogo, doutor em teologia, bolsista Oxford - Templeton, em ciência e religião; Gustavo Assi, professor doutor e coordenador do curso de Engenharia Naval e Oceânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP), e Marcelo Cabral, economista e filósofo pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e mestre em teologia pelo Calvin Theological Seminary. Para os palestrantes, o desafio era desmistificar a incompatibilidade entre a fé cristã e a ciência contemporânea.
– Existe uma cultura em nossa sociedade que afirma que é impossível uma pessoa religiosa estar ligada à ciência e que quando liga-se o ‘interruptor’ do pensamento, desliga-se o da fé. No entanto, poucos observam que em muitos momentos, o cristianismo serviu de aporte para que a ciência fosse desenvolvida, e que os primeiros cientistas eram cristãos – destacou Tiago Garros.
Aceitação das ideias opostas
Como confirmação do debate proposto pelo TheoLab, o livro 100 anos de Prêmios Nobel, de Baruch Aba Shalev, mostra que 89,5% dos cientistas premiados ao longo do século possuíam algum tipo de crença religiosa. Destes, 65,4% são declarados cristãos. Ao longo das palestras, os palestrantes do TheoLab Camp apresentaram modelos de interação entre fé e ciência, promovendo o diálogo.
– Não temos o objetivo de impor uma linha de pensamento, até porque existem diversos pontos de vista. Queremos servir de ponte entre as duas formas de conhecimento, mostrando que apesar de diferentes, ciência e fé estão integradas quando uma explica a função das coisas e outra traz significado para as mesmas – defendeu Covolan.
Dentre os quatro palestrantes, nenhum deles defendeu posições geralmente associadas aos cristãos de negacionismo científico, como o terraplanismo, por exemplo. Aliás, esse assunto foi tratado com certo desdém pelos cientistas cristãos, como sendo ideias injetadas no Brasil pelo escritor Olavo de Carvalho.