Na virada dos anos 1960 para os anos 1970, Cláudia Dias Baptista de Souza era uma jovem repórter do Jornal da Tarde, vespertino d’O Estado de São Paulo. Foi uma matéria que produziu sobre sociedades alternativas que a apresentou a uma comunidade zen budista na Califórnia, nos Estados Unidos. Aos poucos, os ensinamentos de Buda passaram a nortear sua vida e ressignificaram sua existência. Aos 72 anos, Monja Coen é uma das autoridades do zen budismo na América Latina e uma das vozes mais respeitadas e requisitadas do Brasil.
Na última quinta-feira, a líder espiritual esteve em Caxias do Sul para falar para uma plateia de empresários e empreendedores no UCS Teatro. Monja Coen defende que não há como uma empresa obter alta produtividade de trabalhadores que não são felizes e satisfeitos, com suas necessidades atendidas. Equilibrar o interesse do patrão com a necessidade do funcionário é um dos assuntos que ela fala nesta entrevista concedida ao Almanaque, que ainda passa pelos seus ensinamentos sobre zen e meditação como aliados para vencer a depressão e a ansiedade. Confira a seguir:
Teu primeiro ofício foi o jornalismo. O que traz consigo dessa fase?
Foi muito importante. Trabalhar num jornal te faz sair um pouco da egrégora da família, do bairro. Encontra pessoas de áreas diferentes, de periferias, de outros países e nisso percebe que somos todos humanos. Não importa se ricos ou pobres, se intelectual ou sem qualquer estudo, todos somos humanos.
Naquela época fiz uma reportagem sobre sociedades alternativas e uma dessas era a zen budista, que existia na Califórnia (EUA). Esse pessoal já trabalhava sem agrotóxicos, fazendo reciclagem. Achei interessante. Os Beatles já meditavam e aquilo me interessava. Também naquela época recebíamos o noticiário da Guerra do Vietnã, em que os monges vietnamitas iam para a praça pública para se queimar em público. Eles chamavam a imprensa, sentavam no chão em posição de lótus, jogavam gasolina no corpo e ateavam fogo. E ficavam quietinhos. O que me impressionou mais nisso foi a capacidade de autocontrole. Como eles conseguiam aquilo? Pensei: “esse tal de budismo me interessa”. Porque 50 anos atrás, no Brasil, o budismo era muito pouco conhecido fora da colônia japonesa. Pedi então uma licença para estudar inglês na Inglaterra e lá comecei a me interessar mais por música, a me questionar sobre “o que é e onde está Deus” e também a fazer práticas meditativas. Quando retornei ao Brasil, meus amigos me deram livros de meditação. A partir daí começam os questionamentos: a sociedade tem tantos sem nada e outros com tanto jogando fora. Será que não há um equilíbrio para isso? E nisso o zen surgiu como um caminho. Mas a passagem pelo jornal foi muito importante para abrir a cabeça, virar uma cidadã do mundo e a reconhecer tudo o que acontece como humano.
Além dos textos budistas, quais leituras te interessam?
Há um grupo de pensadores, da filosofia e da psicologia, que me interessa muito. Tenho seguido o professor (Leandro) Karnal, o (Mário Sérgio) Cortella, Clóvis de Barros Filho, o (Luiz Felipe) Pondé, a Maria Homem. Quando trabalhava no jornal li muita literatura, mas atualmente tenho lido mais coisas relacionadas ao crescimento espiritual, o funcionamento da mente humana e como podemos viver melhor. Leonardo Boff e Frei Betto também são pessoas que eu gosto e acompanho. Gostaria de ter mais tempo para ler, mas tudo mudou desde o dia em que o marido da minha neta ouviu uma palestra minha e pediu para gravar e colocar no YouTube (risos).
O interesse cada vez maior pelos teus ensinamentos têm a ver com o fato de as pessoas estarem cada vez mais preocupadas com os níveis de estresse e ansiedade?
A tecnologia veio para ajudar, mas também veio nos provocar um pouco. Chegam tantas informações, nós queremos estar a par de tudo o que está acontecendo, e isso começa a dar estresse e exaustão. O chamado burnout. Nos locais de trabalho há uma exigência muito grande de resultados, que às vezes faz as pessoas deixarem de cuidar das famílias para cuidar do trabalho. E aí se sentem insatisfeitas, em falta. Tudo isso está acontecendo. As empresas estão fazendo muitas fusões, e isso gera um medo muito grande de perder o emprego. Nesses momentos me chamam muito para falar sobre como lidar com o estresse, com o excesso de exigência... O nosso mundo deu um salto quântico com a tecnologia, mas ainda estamos apreendendo a viver com ela. Se não soubermos usá-la, somos engolidos por ela.
E como se harmoniza a vontade da empresa ser mais produtiva com pessoas cada vez mais esgotadas?
A sua produção vai ser melhor se você estiver mais feliz, mais tranquilo. Quanto mais agitado e ansioso, menos produtivo. Temos que entender isso: se quisermos um resultado melhor, temos que trabalhar com pessoas que estão satisfeitas. E o ser humano só fica satisfeito se puder atender às suas várias necessidades. Dia desses assisti a um filme de um homem que descobre um controle remoto que o permite controlar tudo (Click, de 2006, com Adam Sandler). Ele começa então a passar rapidamente por tudo que é desagradável, para poder chegar logo ao sucesso profissional. Nisso, a vida passa e ele não vê. O filme faz uma crítica a isso. Você vai perder o prazer de ver seus filhos crescerem, de sentir a dor do seu cachorro morrer. A profissão é importante, as empresas têm de crescer, funcionários têm de produzir, mas para isso eles têm de estar bem. Minha fala é nesse sentido. A pessoa tem de ter o olhar do dono da empresa. Não pode achar que aquilo que ela faz não é importante, ou que é menos importante, por não ser capaz de ver o todo. Temos de perceber onde estamos, tudo o que a empresa está produzindo, de emprego, de produtos que beneficiam a população. Não é apenas sobre o quanto eu vendo, mas se aquilo que eu vendo traz benefício social. Quais os valores e princípios que a pessoa percebe na empresa? O lucro não deve ser apenas financeiro, mas também social. O que a empresa pode dar que ajude as outras pessoas?
Viver a vida em sua plenitude implica desfrutar dos momentos felizes sem rejeitar os infelizes?
A vida é cheia de altos e baixos, como um eletrocardiograma. Quando ele fica retinho, é porque a vida acabou. Não queremos que esteja tudo bem o tempo todo. Temos que passar por alegrias, tristezas, sucessos, fracassos. Tudo faz parte da nossa existência. É importante atravessar os lutos. Inclusive o lutos de sonhos, da vida que imaginamos e não deu certo. Às vezes temos um projeto que deu errado e fica aquele defunto ali. Claro que dá uma tristeza muito grande, mas nós não podemos fugir dela, apenas enchendo a cabeça de remédio e ficando dormindo. No zen budismo, por exemplo, fazemos retiros muito intensos e que provocam dor no corpo. Algumas pessoas querem tomar remédio, mas eu digo que não é para tomar remédio, e sim para conhecer a dor. O que é a dor, onde ela começa? Ela passa. O Neymar tem isso gravado no pescoço: “tudo passa”. É um pensamento de grande sabedoria (sorri). Não há nada fixo. Tem pessoas que se matam por causa de dívidas. Como assim? Dívida se negocia. Ou idosos que se matam porque não querem incomodar. Ora, eu digo que eles têm mais é que incomodar bastante. Já não te incomodaram quando tu eras jovem e tinha de trocar fraldas? Chegou a tua vez de ser cuidado. Não há porque querer levar essa vida retinha.
Como fruto da ansiedade, temos uma dificuldade cada vez maior de viver no tempo presente?
O maior presente que se pode dar para alguém é a sua presença pura. Estando inteiramente presente no que tu estás fazendo, tu faz aquilo mais leve e melhor. Caminhar em plena atenção, sem pressa de chegar, apreciando o sol, as árvores, o som dos pássaros... É algo que a gente não consegue fazer o tempo todo, mas que vale a pena tentar. O prazer de apenas estar presente sentindo o seu passo, respirando e fazer o que precisa ser feito. Não se trata de sair caminhando à toa, mas cumprindo com os compromissos com alegria e com presença. Às vezes a gente vai ao banco e já chega irritado porque tem fila, logo já nem sabe mais onde está pisando e já torce o pé e se machuca. Ao invés de sentir prazer na existência, tu tornas aquele dia estressante. Mas se tu encontras um estado de equilíbrio e passas a apreciar a vida, com um olhar de presença, o dia a dia se torna mais prazeroso.
Como o zen e a meditação podem ajudar a vencer a depressão?
O zen e a prática meditativa te fazem perceber o que está acontecendo com você. E a partir disso tu deves procurar ajuda. A pessoa não se dá conta que está ficando ansiosa e depressiva. Quando vê, já está no fundo do poço. Antes de chegar ao fundo do poço, ela vê a vida perdendo a graça, tudo ficando cinzento, e então começa a ficar trancada em casa, sem vontade de trabalhar. Se a pessoa fica uma semana trancada em casa e diz que está tudo bem, seus familiares precisam ajudá-la a procurar tratamento. O zen vai trazer esse olhar de que é natural que a gente se entristeça, é natural entrar num processo depressivo, mas também é natural pedir ajuda para sair da depressão.
Numa das tuas frases que se tornaram mais conhecidas, a senhora diz: a dor é inevitável, mas sofrer é opcional”...
A dor existe. A vida nos dá flechadas e o ser humano põe outra flecha em cima, que é o dedo apontado para si mesmo, culpando-se. “Coitadinho de mim”, “que vítima que eu sou”. Não pode ser assim. A pessoa passa por um problema, aprende com ele, cura e segue adiante. E a experiência tem de ensinar a estar mais atento da próxima vez.
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