Os dados são alarmantes. De acordo com cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), principal órgão internacional de monitoramento do aquecimento global, 2018 bateu recorde de calor. De janeiro a outubro, a temperatura média global ficou 0,98ºC acima dos níveis registrados entre 1850 e 1900. Pode parecer pouco, mas, segundo os pesquisadores, o aumento da temperatura global precisa ficar abaixo de 2ºC até o final deste século, sob o risco de graves consequências ambientais.
Diante desse cenário — e da recorrente sensação de que nós, cidadãos, podemos fazer pouco para combater as mudanças climáticas —, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) divulgou em janeiro um documento que reúne cinco hábitos simples que podem ser adotados no dia a dia para ajudar no controle do aquecimento global. Entre as dicas, estão a compra de alimentos de agricultores locais e o descarte correto de objetos como pilhas e celulares.
Para o biólogo e professor universitário Michel Mendes, pequenas ações são importantes, mas precisam ser acompanhadas de engajamento e coletividade. Conforme Mendes, é preciso encarar as mudanças de comportamento como "um movimento que esteja em sintonia com um propósito maior, de preservação":
— É como o funcionamento de um relógio, se as peças não estiverem fluindo na mesma sintonia, o relógio não vai funcionar. Com os hábitos também: é preciso estar engajado no todo, tentar levar essas ações de casa para a vizinhança, para o meu bairro.
Confira, abaixo, as cinco dicas listadas pela ONU — e também maneiras simples de colocá-las em prática:
:: Tenha uma dieta sustentável e diversificada
Conforme a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), um cardápio sem carne é mais sustentável, devido à quantidade de recursos naturais utilizados na pecuária. Ou seja, substituir a carne por leguminosas como feijão, lentilha ou ervilha é uma atitude que polui menos e incentiva a produção local de alimentos.
:: Reduza o desperdício de comida
Uma recente pesquisa da Embrapa, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostra que o brasileiro joga fora mais de 40 quilos de comida por ano. A partir desse número, é possível calcular que o desperdício anual chega a 8,7 milhões de toneladas no país, quantia suficiente para alimentar cerca de 13 milhões de pessoas. Vale lembrar que comida desperdiçada também significa desperdício dos recursos usados em sua produção, como água e combustível para transporte.
— Não é que a carne faça mal, mas a maneira como é feita a produção em longa escala prejudica o meio ambiente. Então se você diminui o consumo de carne, ou deixa de comer pelo menos uma vez por semana, já vai ter um impacto interessante. E, com a nutrição, sabemos que existem outros alimentos que são fonte de proteína, como grãos e alguns cereais.
Letícia Betinelli Carraro, nutricionista.
:: Apoie os produtores locais
Segurança alimentar e mudanças climáticas são assuntos interligados. Conforme dados da Secretaria Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, órgão ligado ao Ministério da Casa Civil, 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros são produzidos pelos pequenos agricultores, mesmo ocupando apenas 25% das terras cultivadas do país.
Além de usar menos agrotóxicos, ao escolher alimentos de produtores locais, você contribui para reduzir a emissão de gases poluentes, uma vez que as distâncias percorridas da propriedade rural até o consumidor são menores.
— Esses dados demonstram a necessidade urgente do desenvolvimento de políticas públicas de incentivo à agricultura familiar, preferencialmente de base agroecológica. A falácia de que o agronegócio alimenta a população não mais se sustenta. Ao contrário, ele é um dos responsáveis diretos pela destruição dos recursos naturais e, consequentemente, das mudanças climáticas.
Andrea Basso, produtora orgânica.
:: Use menos água
Nem é preciso lembrar que ações simples como banhos rápidos e fechar a torneira ao escovar os dentes ajudam a reduzir o desperdício de água, mas também existem outros hábitos que ajudam. Você sabia que para produzir um quilo de carne bovina são necessários mais de 15 mil litros de água? Ou seja, reduzir o consumo de carne também contribui para economizar de água.
:: Conserve os solos e a água
O descarte incorreto dos resíduos domésticos pode ser extremamente prejudicial ao meio ambiente. Produtos como pilhas, celulares, medicamentos e óleo de cozinha podem contaminar o solo e reservas de água. Sem falar no plástico: conforme levantamento do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb), o Brasil produz 10,5 milhões de toneladas de resíduos plásticos por ano _ materiais que podem levar centenas de anos para se decompor.
— Essas pequenas ações são importantes somente se elas forem sistêmicas, e não pontuais. É preciso ter a dimensão do todo e estar sensibilizado quanto à importância disso. A qualidade da água e do solo estão interligadas. Se eu contamino o solo, consequentemente, eu prejudico a qualidade da água e a vegetação.
Michel Mendes, biólogo.