— Não é necessariamente o que o canudinho ocasiona no ambiente, mas onde ele vai parar.
A declaração da coordenadora do curso de Engenharia Ambiental da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Neide Pessin, resume um dos assuntos mais polêmicos do ano: o uso do canudinho de plástico. Longe de ser o poluente mais encontrado na natureza — em escala global, o canudinho representa apenas 0,03% dos resíduos plásticos resgatados —, o utensílio se tornou símbolo dos prejuízos ambientais causados pela destinação incorreta de materiais que poderiam ser reciclados.
— O plástico é um material que nos beneficiou ao longo do tempo, mas em função das práticas de gestão que não acompanharam seu uso, hoje temos um problema não só com eles, mas com todos os materiais que não recebem um manejo adequado. O canudinho está nesse recorte: ele é mais um desses plásticos que chegam ao ambiente de forma inadequada — resume a professora.
O assunto começou a ganhar os holofotes em 2015, quando um vídeo em que biólogos retiram um canudo plástico da narina de uma tartaruga marinha. O material viralizou na internet em pouco tempo. Desde então, inúmeras campanhas incentivam a eliminação dos canudinhos — ou a substituição por outros materiais, como alumínio, vidro ou bambu.
Em Caxias do Sul, além dos estabelecimentos que já abraçaram a ideia, o assunto foi destaque no plenário do Legislativo nesta semana, em manifestação do vereador Chico Guerra (PRB). Ele protocolou um projeto de lei para proibir a comercialização e utilização de canudos plásticos em hotéis, restaurantes, bares e similares — com exceção dos canudos fabricados com materiais biodegradáveis. Na exposição de motivos, o parlamentar argumentou que os canudinhos têm vida útil de poucos minutos e, por “serem leves e pequenos, acabam se espalhando rapidamente”.
"Modismo polêmico", avalia Simplás
Procurada pela reportagem, a direção do Sindicato das Indústrias de Material Plástico do Nordeste Gaúcho (Simplás) classificou como “totalmente insensato” o movimento que elegeu o canudinho um dos principais vilões da poluição. Para o empresário Jaime Lorandi, que preside a entidade, os ambientalistas deveriam concentrar esforços em campanhas educativas para estimular a destinação correta dos resíduos plásticos. Lorandi afirma que o canudinho, por si só, não traz prejuízos ao meio ambiente.
— O canudinho se tornou o que nós chamamos de modismo polêmico, principalmente depois daquele vídeo em que um biólogo retira um canudo da narina de uma tartaruga e acaba sangrando. Foi uma cena bastante sofrida, que motivou várias campanhas que pedem a proibição dos canudinhos sob o argumento que eles poderiam machucar animais. Mas a gente nunca viu nenhum animal morrer por causa de um canudinho. Você já viu? — questiona o empresário, que em abril do ano passado ganhou destaque ao solicitar que o Papa Francisco alterasse um trecho da encíclica Laudato Si (Louvado Seja) que recomendava “evitar o uso do plástico”.
Além das campanhas educativas, Lorandi defende que o poder público trabalhe em conjunto com a iniciativa privada para oferecer recipientes adequados para a separação do lixo, além de estabelecer uma legislação punitiva para o descarte incorreto.
— Quando nós vemos aquela montanha de plástico boiando nos oceanos, nos rios ou nos aterros, não enxergamos como lixo, mas como matéria-prima colocada no lugar errado. Ou seja, um desperdício de matéria-prima. Para não poluirmos, é preciso que cada um seja responsável por destinar seus resíduos corretamente, começando em casa — completa.
Alternativas conscientes
Mudança de comportamento é a aposta da Level Cult, casa noturna localizada na Estação Férrea de Caxias do Sul. O estabelecimento, conhecido pelo respeito à diversidade, também decidiu abraçar as campanhas de conscientização ambiental. O primeiro passo foi dado em setembro, com a eliminação total dos canudinhos de plástico que acompanhavam os drinks — antes da campanha, a casa noturna utilizava cerca de 3 mil canudos por mês. Em menos de 60 dias, a recepção favorável dos frequentadores serviu de provocação para o estabelecimento encarar uma campanha ainda mais ousada: a substituição gradual dos copos descartáveis pelos reutilizáveis, feitos em acrílico e ilustrados por artistas da região. Conforme a proprietária da Level, Lidia Ribeiro, esse conjunto de iniciativas tem por objetivo despertar nos clientes o debate sobre sustentabilidade.
— Claro que vai um tempo até educar todo mundo, por isso que num primeiro momento nós vamos distribuir os copos reutilizáveis somente nas quintas-feiras. Quando a pessoa chegar aqui, ela vai receber esse copo. Quando ela for embora, poderá devolver ou levar pra casa pagando R$ 5. Com essa campanha, nossa ideia é futuramente conseguir eliminar 100% dos copos de plástico — espera.
Outro estabelecimento caxiense que decidiu dar adeus aos canudinhos de plástico é a confeitaria Sweez. Inspirada nas pâtisseries francesas, a confeitaria traz um cardápio que busca valorizar a alimentação orgânica, com sanduíches, pães e doces livres de produtos químicos ou com aromatizantes. Entre as bebidas, o destaque fica por conta do canudo do vidro que vem acompanhando shakes e sucos naturais, por exemplo. A alternativa dialoga com a atmosfera artesanal proposta pela chef Stéphanie Lettieri.
— Desde que assumimos a Sweez, no final de 2015, também tivemos essa preocupação ambiental. O canudo de vidro casa muito bem com a ideia. Além disso, a recepção dos clientes foi muito bacana, pois as pessoas ficaram curiosas pra utilizá-lo. Inclusive, além de disponibilizar nas bebidas, a gente também vende o canudo de vidro — diz Stéphanie, que divide o comando da confeitaria com o companheiro, o também chef Ariel Lettieri.