Há 71 anos, Acacio e Deonilda Madruga se conheceram em Caxias do Sul, namoraram, e, em seis meses, estavam casados. O cenário: um estabelecimento pequeno, alguém para vender, alguém para comprar. Ela era balconista das lojas Mandeli. Ele morava em Lages, no campo, e estava de passagem pela cidade. Deonilda conta que, naquela época, tinha sonhos com um rapaz chegando em um cavalo.
– Passado um tempo, o pai chegou em Caxias, amarrou o cavalo na frente da loja, como era de costume na época, e entrou. Assim que o viu, a mãe disse: esse foi o homem com quem eu sonhei – relata Maria de Lourdes, 63, uma das filhas do casal.
Um tempo depois de casados, Deonilda engravidou e o casal se mudou para São Marcos. Há 50 anos, os dois retornaram para Caxias, onde vivem em uma casa sossegada, ao lado de Maria de Lourdes. Acacio nasceu em 3 de fevereiro de 1917, em Lages, e Deonilda em 17 de novembro de 1913, em Caxias. Há 70 natais, o casal centenário –ele com 100, ela com 104 – compartilha as vidas, as histórias, os problemas e as alegrias. Tiveram três filhos: além de Maria de Lourdes, Tadeu e Eugênia. Acacio já era pai de Marcos, filho do primeiro casamento. Mais tarde, vieram duas netas e um bisneto: Maria Cristina, filha de Tadeu, Fernanda, filha de Marcos, e Gabriel, filho de Maria Cristina.
Em todos esses anos, Acacio e Deonilda já comemoraram muitas datas juntos, sendo a mais recente as bodas de vinho, que marcou os 70 anos de casados. Eles costumam passar as tardes juntos. O ano de 2017 foi difícil: Acacio foi internado duas vezes, uma em fevereiro, devido a uma virose, e outra em outubro, por uma bronquite. Na última, perdeu praticamente toda a audição e voltou para casa com complicações. Em agosto, Deonilda caiu e fraturou um osso do quadril. Mas, segundo a filha, as dificuldades não são suficientes para derrubar os pais:
– Em 35 dias, ela estava caminhando de novo. Os médicos não acreditaram. Quando deu 33 dias, já percebemos que estava preparada para dar os primeiros passos.
A rotina do casal é tranquila. Eles acordam cedo, passam o tempo sentados, almoçam, tiram um cochilo, comem uma fruta. Lourdes conta com o auxílio de uma cuidadora, e tenta entreter os dois.
– Quando eles não tem algo pra fazer, eu acho alguma coisa. Tiro as linhas e as agulhas da caixinha de costura e coloco em desordem, aí a mãe olha, arruma. O jardim era o pai que cuidava até fevereiro passado. Era tudo ele que fazia. Depois da internação, ele não consegue mais, mas sempre acho algo para que eles façam, para exercitar a mente, passar o tempo – conta.
Cumplicidade e longevidade
Acacio e Deonilda permanecem lúcidos e felizes, mas, depois das dificuldades deste ano, quase não falam. Ficam quietos, lado a lado, mas o silêncio dos dois diz muito.
Durante a conversa, Deonilda começa a cantar versos de músicas que marcaram a adolescência, além de alguns versinhos em talian. Em certo momento, ela interrompe a conversa para conjugar um verbo em especial:
– Eu amo, tu amas, ele ama, nós amamos, vós amais, eles amam.
Maria de Lourdes conta que o Natal é especial para a família. Com três filhos pequenos em casa, o casal sempre fez questão de comemorar, deixar presentes embaixo da árvore e manter viva a ludicidade da data na mente e no coração das crianças.
– De infância, eu lembro bem dos presentes. Lembro que o pai era muito carinhoso. Ele fazia os presentinhos, simples, mas sempre fazia. Eles sempre adoraram o pinheirinho de Natal. Continuamos fazendo até hoje, é a parte que eles mais gostam. Vamos fazer ano após ano, até eles partirem.
Aos 81 anos, Acacio rompeu a válvula aórtica. Quando fez a cirurgia cardíaca, e passou pela recuperação com sucesso, o médico pediu qual era o segredo de uma saúde tão boa. E ele respondeu: "nunca fumei e nunca bebi". Mas, de acordo com Lourdes, o pai jura que o segredo da longevidade está no hábito de comer churrasco com farinha:
– Ele dizia isso para o médico: "acho que o segredo é a farinha, doutor" – lembra, rindo.
Amor dado, amor devolvido
Aos 63 anos, Maria de Lourdes passa os dias junto dos pais. Almoça com eles, passeia, conversa, ajuda no banho e os coloca para dormir. Para ela, ter os dois por perto depois de tanto tempo é um privilégio:
– É muito bom olhar para trás e ver que durante todo esse tempo nós ficamos realmente juntos. Eu não casei, os meus irmãos casaram. Então, sou eu quem convive direto com eles.
Professora, Lourdes se aposentou em 2004. Explica que, apesar de tudo, nunca deixou nada para trás. Viaja, tem amigos, sai e vive normalmente. E nada disso a impede de seguir cuidando dos pais.
– As pessoas dizem que abro mão de muitas coisas, mas não. Eles tiveram três filhos, nós todos estudamos em faculdade particular, e ao mesmo tempo. O pai sempre dizia que a maior herança era o estudo. Então, é justo que a gente faça tudo o que pode e o que não pode para devolver isso a eles – diz.
Por fim, quando questionados sobre o segredo de um relacionamento feliz e duradouro, a filha entregou:
– A cada ano que passa eles estão mais agarrados. Na mesa, durante o almoço, ela pega na mão dele e ele na dela. Ultimamente ela fica preocupada, porque ele anda muito parado. Ela olha para ele, pergunta: "o que tem o querido?". O segredo é essa proximidade bonita deles.
A vida tranquila de Acacio e Deonilda espelha o resultado de uma vida cultivada com amor. Em janeiro, ele quer visitar a praia. Segundo a filha, se os exames melhorarem, a médica vai liberar o casal.
Se Acacio e Deonilda passarem mais 10, ou mais um Natal lado a lado, o resultado será o mesmo: uma vida bem vivida.