O Chile é um país com a qualidade de vida possível na América Latina. Quem sabe até um pouco mais. No ranking do Desenvolvimento Humano 2015 da ONU, com o IDH 2014, o mais atual disponível, ocupa a 42ª posição e é o segundo melhor colocado na América Latina, atrás apenas da Argentina, com índice considerado alto. É um país onde o turismo é forte, diversificado e surpreendente.
O Chile é um país de características peculiares. Nele, convivem a Cordilheira dos Andes e o deserto de Atacama. Na forma territorial, é comprido e estreito. De norte a sul, tem mais de 4,2 mil km, e largura média de apenas 175 km, variando entre 445 km no ponto mais largo e 90 km no mais estreito. E também é cheio de cores.
Na última semana de agosto, a reportagem percorreu uma faixa de 670 quilômetros, entre Santiago, mais ao sul, e Copiapó, mais ao norte. E descobriu as atrações surpreendentes e os coloridos cenários deste país, que se intensificam nas características urbanas e nas edificações penduradas nos cerros de Valparaíso, cidade patrimônio cultural da humanidade, e no deslumbrante deserto florido da região de Huasco, até o Atacama.
* O jornalista viajou a convite do Sernatur, o Serviço Nacional do Turismo do Chile.
Céus luminosos
O roteiro cumprido na região centro-norte do Chile também inclui entre suas atrações o surpreendente astroturismo, com uma estutura de observatórios astronômicos e turísticos para observação do céu e das estrelas na região do Valle del Elqui, entre as cidades de La Serena, Coquimbo e Vicuña. Os céus do Chile são reconhecidos internacional- mente como os melhores para a visualização de estrelas.
Valparaíso é de tirar o fôlego
Comece a se surpreender em Valparaíso. É uma cidade histórica, de casas coloridas, dividida entre a parte baixa e a parte alta, com 47 cerros. Localiza-se 115 quilômetros a oeste de Santiago, rumo ao Pacífico. A viagem é curta, de uma hora e meia, com trajeto pela Rota 68, a Rota do Vinho, que atravessa a região vinícola do Vale de Casablanca.
Valparaíso tem seu destino e sua geografia ligados à vizinha Viña del Mar. São duas das principais cidades do Chile, em um mesmo aglomerado urbano. Os últimos Censos não têm oferecido dados muito confiáveis, mas, juntas, as duas somam mais de 600 mil habitantes, segundo estimativas de 2016: Valparaíso com 300 mil e Viña del Mar com 345 mil.
Um dia para conhecer as duas cidades é muito pouco tempo. Sugere-se começar por Viña del Mar, uma cidade litorânea charmosa e ajardinada, à beira do Pacífico, para que a surpresa chegue a seu ponto máximo no Cerro Concepción, em Valparaíso. Viña é mais nova, fundada no Século 19. Ela é reconhecida como um dos principais balneários chilenos, a arquitetura dos prédios é moderna, tudo parece arrumado, tem atrações como cassino, um castelo, o relógio das flores e ótima infraestrutura turística.
Já Valparaíso é uma cidade portuária do Século 16, que sobreviveu a terremotos e a ataques de corsários. No rumo de uma cidade para outra, torna-se evidente que Valparaíso aparenta ser mais confusa, com comércio de rua nas calçadas da cidade baixa. O contraste é marcante. Mas Valparaíso tem 47 cerros, dos quais 42 são habitados. Aí reside grande parte de seu encanto. É hora de subir as ladeiras até chegar a um lugar chamado "Sete esquinas", já no Cerro Concepción, onde desembocam sete "calles", ou ruas. E Valparaíso transforma-se em uma cidade mágica, de ruas estreitas e casas coloridas.
Ali nas "sete esquinas", convém abandonar de vez o meio de transporte tradicional dos roteiros turísticos, a van, e a recomendação óbvia é caminhar para descobrir a cidade. Cuidado se tiver de voltar, pois as ladeiras são íngremes. Outra opção são os chamados ascensores, ou elevadores tipo bondinhos, para chegar de um ponto a outro entre os cerros. A tarifa é semelhante à do transporte público, mas nem todos funcionam. Porém, é a pé que se mantém contato direto com as casas de Valparaíso. Elas guardam íntima relação com a região portuária que deu origem à cidade. Os moradores compravam as tintas que sobravam dos navios, bem como buscavam placas de antigos contêineres, feitas em zinco, que se transformaram em paredes nas fachadas. Assim, a cidade foi se tornando colorida.
Os cerros de Valparaíso lembram os morros apinhados de moradias de cidades brasileiras, mas há diferenças visuais evidentes. As cores das casas são apenas uma delas, e este colorido também ganha a forma dos inúmeros grafites pintados pelos jovens da região. Aliás, há muitos jovens, que estudam entre Viña del Mar e Valparaíso. A presença deles nas "calles" estreitas, em convivência com artistas de rua, dá um toque especial ao ambiente. E as ruas e as vielas são pontilhadas por restaurantes e cafés bem transados, além de galerias de arte e boas hospedagens.
Valparaíso é mesmo de tirar o fôlego. Foi colonizada por espanhóis, mas, por ser referência importante na rota que ligava a Europa à costa do Pacífico, recebeu ingleses, franceses, portugueses, holandeses e até iugoslavos, que deram a denominação para o Cerro Iugoslavo. Antes, na reta final do Concepción, pausa para admirar o cenário do chamado Paseo (Passeio) Atkinson, influência colonial inglesa, inclusive na arquitetura das casas, que inclui um mirador imperdível para a região portuária e para o Pacífico.
A descida do Concepción guarda um cenário urbano único e leva ao coração do centro histórico, a Plaza Sotomayor, com seus prédios em arquitetura clássica e repartições públicas. Ela desemboca no porto de Valparaíso, área aproveitada para a convivência dos moradores.
Valparaíso é multicolorida e surpreendente. E imperdível.
Patrimônio da humanidade
Valparaíso foi a cidade escolhida pelo poeta Pablo Neruda para uma de suas casas no Chile. E tornou-se patrimônio cultural da humanidade reconhecida pela Unesco em 2003, por seu valor histórico e pela geografia inconfundível. É uma espécie de capital cultural do Chile. Artistas e intelectuais chilenos se mobilizaram para a conquista do título junto à Unesco.
Uma dessas pessoas foi Seu Antonio Parra, 97 anos. Em uma das ladeiras do Concepción, Seu Parra surgiu com sua barba branca comprida, já envergado pelos anos, saindo de um restaurante na tarde de domingo. Mas encara a lomba com a serenidade dos anos.
Ele entrega um cartão, em que se apresenta como "locutor, apresentador, actor e poeta". E conta que ajudou ativamente na empreitada de tornar Valparaíso patrimônio cultural da humanidade, até encaminhando documentos para a Unesco.
— Y ahora estoy acá, diante de usteds — despede-se com um sorriso sereno.
Como ir
Você pode alugar um carro em Santiago para ir até Valparaíso e Viña del Mar. A viagem é curtíssima, de pouco mais de uma hora, pela Rota 68, em ótimas condições.
O percurso pelos cerros exige um bom conhecimento. Um caminho sem erro é seguir de carro pela principal rua costeira de Valparaíso até a Plaza Sotomayor, e dali ganhar os cerros, a pé.
Roteiros turísticos são diários a partir de Santiago. O preço varia dependendo da duração e dos serviços incluídos. Há passeios de meio dia, que não valem a pena, diante da infinidade de atrações.
Tapetes no deserto
Os dias têm sido encantados na região do Atacama, no centro-norte do Chile. Está em cartaz durante o mês de setembro, até metade de outubro, o espetáculo do deserto florido. A paisagem árida da zona de transição para o deserto do Atacama recebeu um generoso tapete de flores multicoloridas, e o contraste com os tons de terra é fascinante. Este ano, o fenômeno veio com força, devido, em especial, a condições favoráveis de umidade. Grandes floradas, como a de agora, somente foram observadas 20 anos atrás, em 1997. O ano de 2015 também registrou o tapete, que agora se repete com mais intensidade.
— Em 20 anos, não se via algo tão potente — confirma o guia de turismo Roberto Vergara, que preside a Agrupación Guías de Atacama, associação regional de guias de turismo.
Segundo o Serviço Nacional de Turismo do Chile, o Sernatur, as primeiras estimativas para a atual temporada indicavam a chegada de 25 mil turistas à região do Atacama. Mas as novas projeções apontam para 35 mil até outubro.
— O fenômeno deserto florido está em sua máxima expressão neste momento. Mas as florações se estenderão até a primeira metade de outubro, aproximadamente — confirma César Pizarro-Gacitúa, da Oficina de Informações da Conaf, a Corporação Nacional Florestal do Chile.
As precipitações precisam superar os índices para a região de transição entre a costa do Pacífico e o deserto, que varia entre 15 a 20 milímetros anuais. Este ano, já choveu mais de 65 milímetros em precipitações no outuno e inverno, atesta Pizarro-Gacitúa.
Esse volume de chuva deu-se por intervenção do conhecido fenômeno El Niño, que gera superaquecimento das correntes marinhas no litoral do país e provoca o aumento das precipitações.
A região mais privilegiada é a costeira da província de Atacama, chamada região de transição, a partir de Huasco, avançando na direção do deserto, em um trecho de cerca de 150 quilômetros limitado pelas cidades de Vallenar, mais ao sul, e Copiapó, mais ao norte (mapa ao lado).
Além da chuva, há outros fatores ambientais e climáticos que precisam contribuir para a floração: o vento, que não pode ser muito forte a ponto de destruir a estrutura das flores, a temperatura e a incidência da luz solar. Este conjunto, combinado com as precipitações acima da média, tece o tapete do deserto florido.
Em um percurso cumprido pela reportagem, que sai do Parque Nacional Llanos de Challe, na rota costeira, ao lado do Pacífico, e se embrenha rumo ao centro do Chile por estradas secundárias, até chegar à Rota 5, principal rodovia que atravessa o país de norte a sul, o visitante irá encontrar um menu de aproximadamente 200 espécies de flores (página ao lado), segundo publicação da Conaf. Destas, 77 são nativas da região do Atacama, ou endêmicas, como dizem os chilenos.
É encantamento garantido.
Seleção do Atacama
Algumas das espécies de flores predominantes
Suspiro (branca e azul)
Coronilla del fraile (amarela)
Pata de guanaco (violeta, na foto maior)
Cebollin (branca)
Safira (azul, dominante na foto maior, embaixo)
Terciopelo (amarela)
Cacatua (branca)
Malvilla (rosa)
Orelha de sorro
Amancay (amarela)
Garra de león
Añañuca (amarela e laranja)
Buenas noches
Dom Diego de la noche
Como ir
Munido com um bom e detalhado mapa rodoviário, você pode aventurar-se de carro. Um bom ponto de referência para partir é o Parque Nacional Llanos de Challe, na rota costeira, na região de Huasco, ao lado do Oceano Pacífico, e descobrir o roteiro aos poucos, embrenhando-se na direção da Rota 5, que atravessa o Chile de norte ao sul. As estradas têm pouco movimento, mas são seguras.
Existem guias locais que agendam roteiros e permitem um aproveitamento mais objetivo do passeio pelo conhecimento detalhado dos percursos e cenários.
Uma opção é contatar com a Associação de Guias de Turismo do Atacama — Agrupación Guías de Atacama em espanhol. O e-mail é guiasdeatacama@gmail.com.