Germano Weirich cursava Letras na UFRGS, mais de uma década atrás, quando, numa conversa com o primo Guilherme Martinato, então acadêmico de Administração, surgiu a ideia de unirem seus conhecimentos dessas duas áreas num empreendimento: uma livraria que fosse também um café, um ponto de encontro. O projeto, que daria origem à agora reconhecida Do Arco da Velha Livraria e Café, em Caxias do Sul, foi amadurecido ao longo de dois anos:
– A gente fez um piloto em Capão da Canoa, por dois verões, com uma salinha pequena, com cafezinho e livros. Era o mesmo nome. Muita gente de Caxias apareceu por lá, e começamos a sentir que dava para amadurecer melhor a ideia – lembra Weirich, 35 anos.
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Deu tão certo que, na contramão do cenário nacional – em que vários fechamentos de livrarias foram anunciados nos últimos meses e uma pesquisa divulgada semana passada pelo Sindicato Nacional de Editores de Livros mostrou uma queda de 10,8% no volume de vendas de livros no Brasil em 2016 –, a Do Arco segue firme e forte. No mercado há 11 anos, a livraria não apenas consolidou-se como ponto de encontro de amantes das letras em Caxias do Sul como também virou referência quando o assunto são eventos literários: sedia os encontros semanais do bate-papo Órbita Literária, promove oficinas e debates, recebe sessões de autógrafos.
Essa diversificação de serviços, acredita o livreiro, ajudar a garantir a durabilidade do espaço. Mas Weirich também aponta um outro fator: Caxias é uma cidade com um número considerável de pessoas dedicadas às artes ("só em autores, deve haver mais de 100"), e esse público também consome cultura, movimentando o cenário local.
Confira a entrevista:
Pioneiro: Neste momento de crise do mercado literário, a que você credita a durabilidade da Do Arco?
Germano Weirich: A gente está sempre procurando uma atividade diferente. Buscamos feiras, palestras, cursos, são coisas que agregam nos períodos em que a simples procura por livro não é suficiente.
Nessa mais de uma década de livraria, você conseguiu perceber um perfil do leitor caxiense?
Eu noto que cada vez mais há variedade, não um público específico. Ao longo dos anos o leque foi abrindo cada vez mais, então eu diria que não tem um nicho específico. Nosso leitor é eclético. E nos especializamos em atender aqueles que não são atendidos nas livrarias tradicionais.
De que maneira?
Buscando ter os livros e os assuntos mais diferentes.
O que as pessoas procuram na Do Arco que não encontravam noutros lugares?
Muitas vezes eu acesso editoras menos comerciais, com livros que não chegam em livrarias de rede. Editoras menores, especialmente em literatura e humanas. A gente foi notando (as demandas) ao longo do tempo, e se aprimorando.
A livraria já surgiu nesse modelo de livraria-café?
Sim, ela nasceu assim, casando o café com livros novos e usados. Inicialmente a ideia era que o café fosse um acessório, um extra que se podia oferecer, mas hoje é bem equilibrado, os livros e o café. A parte de cursos, oficinas, Órbita, é mais recente, faz uns três ou quatro anos. Esses eventos sempre movimentam tanto o café quanto a livraria.
No panorama atual, ainda vale investir no mercado de livros?
Vemos várias livrarias fechando, editoras também em situação ruim, mas ao mesmo tempo eu não vejo que diminui o consumo de livros. As pessoas continuam publicando, as editoras continuam nascendo, hoje mesmo a gente recebeu uma editora nova, com livros diferentes. Acho que o que se tem de fazer é se adequar às exigências do momento, vamos nos adequando, trazendo coisas diferentes da mercadoria em si. É preciso sair do simples produto livro e procurar entregar serviços. Ter um complemento. A meu ver, hoje uma pessoa não vai sair de casa só para comprar um livro, ela procura uma experiência. O que uma livraria pode trazer hoje é uma experiência diferente, o contato com as pessoas, algo que traga mais cultura, como cursos e palestras, pois o simples produto se tem acesso por outros meios.
Como isso é aplicado na Do Arco?
Como disse, eu acho que o livro requer algo mais. Ele pede uma experiência. Assim como ele te leva para uma experiência na leitura, ele também te pede uma experiência na hora da compra. Então sempre que se agrega serviços, tem mais possibilidade de dar aos clientes uma experiência que seja satisfatória. Seja o café, seja uma música, uma palestra, uma sessão de autógrafos, esses serviços, para mim, são fundamentais, são a chave para o livro atravessar esses períodos mais difíceis.
Como você avalia o cenário literário de Caxias do Sul?
Vejo como um cenário bem ativo, e tem muito a ver com o Financiarte. Acredito que o Financiarte tem um papel fundamental na revelação de escritores, e a agenda anual da cidade é cheia de lançamentos, de novos autores. Vejo tudo isso muito positivamente. Só pela livraria, passam em média 25 sessões de autógrafos por ano.
Essa agenda de lançamentos é mais intensa aqui do que em outras cidades?
Creio que sim. Como eu disse, atribuo muito a esse financiamento do município, que ajuda a viabilizar o projeto dos escritores.
Desses muitos nomes que surgem na literatura caxiense, você vê bons nomes?
Sim. Tem nomes muito bons na cidade, por exemplo, o Bruno Atti, que vai lançar outro livro agora, o Pedro Guerra, o (Marcos) Mantovani, que eu acho muito bom. Claro, é preciso separar a questão comercial, ese é outro caminho que tem de ser percorrido. Efetivamente, é um caminho mais longo e exige muito o envolvimento do próprio autor, é uma questão mais complicada. Eu colocaria como exemplo de reconhecimento, hoje, a Natalia (Borges Polesso), o Pedro (Guerra) e a (Camila) Gobbi, que estavam participando ou ganharam o Açorianos e até o Jabuti. Outros, como o Atti, o Mantovani, são ótimos autores e podem vir a estourar um dia.
Aliás, a Do Arco trabalha muito com autores locais...
A gente procura manter um contato estreito com os autores locais, tanto que no nosso site tem um espaço de venda só desses autores, justamente porque essa proximidade nos deixa a par da situação atual da produção da cidade, e por isso a gente atende melhor o público leitor.
O livro e as livrarias têm futuro?
Acredito que sim. Principalmente, não tentando abraçar todo o público, o grande público, e sim procurando se especializar, saber qual o seu público, o seu nicho, e evoluir, crescer nessa área. Por isso eu acho que uma livraria ainda tem futuro naquele sentido de uma livraria mais local, de bairro, que atende uma demanda das pessoas, mesmo, de um contato mais humano. Porque a livraria que vai tentar abraçar o mundo via acabar concorrendo com a internet.
Voltando à Do Arco, recentemente vocês abriram um café na Casa da Cultura, mas sem livraria...
Sempre nos preocupamos em estar presente no meio cultural da cidade. Como o edital não previa livros, fizermos o café para atender o público do teatro e da biblioteca. Nosso público é o público da cultura.
E o que você espera, em termos de cultura, da nova administração municipal?
Sabemos que é um momento crítico em termos de verbas. Então as livrarias da cidade, por meio da Alca (Associação dos Livreiros Caxienses), já se reuniram com a secretária (de Cultura, Adriana Antunes) para se colocar à disposição no sentido de tentar achar alternativas, seja de eventos paralelos durante o ano, com baixo custo, seja na participação mais ativa na organização da Feira do Livro, e até mesmo nas sugestões para baixar os custos desses eventos. Por enquanto se abriu o caminho, estamos à disposição para colaborar nesse sentido, não só exigir, mas ajudar também.
Falamos até agora do que tem na cidade. E o que falta, tanto em termos de literatura quanto de cultura em geral?
Uma tendência que percebemos é que talvez seja necessário pulverizar os eventos. Até agora se concentrou muito tudo no período da Feira, o Proler, o Entrelinhas... Essa ideia de descentralizar não é necessariamente esvaziar o centro da cidade, e sim atingir outras áreas de outra forma e em outros momentos do ano, para dar uma continuidade ao trabalho. Isso já foi comentado na reunião com a secretária.
Entrevista
"Nosso público é o público da cultura", diz Germano Weirich
Livreiro da Do Arco da Velha avalia o cenário literário de Caxias do Sul
Maristela Scheuer Deves
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