O escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, 71 anos, não tem dúvidas: escrever se aprende. E essa certeza cristalina, como ele a define, pode ser corroborada pelos numerosos escritores que, nos últimos 31 anos, passaram pela sua prestigiada (e pioneira) oficina literária, entre eles nomes agora consagrados como Leticia Wierzchowski, Daniel Galera e Cíntia Moscovich. Paralelamente ao trabalho como mestre – ele leciona também na graduação, no mestrado e no doutorado em Escrita Criativa da PUCRS –, Assis Brasil está comemorando 40 anos de carreira literária e acaba de lançar seu vigésimo livro, O Inverno e Depois.
– Creio que fui me tornando melhor escritor, e mais: um escritor que busca renovar-se – diz ele, num balanço sobre as quatro décadas de escrita.
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Além do livro recém-publicado (a sessão de autógrafos ocorreu na última quarta-feira, em Porto Alegre), ele prepara uma obra sobre a técnica do romance, a respeito da qual prefere não falar por enquanto, por ser uma ideia ainda embrionária.
Nesta entrevista, o escritor, que já foi patrono da Feira do Livro de Caxias do Sul, em 2001, e respondeu pela Secretaria Estadual da Cultura, de 2011 a 2014, fala um pouco da carreira, da leitura e do cenário literário atual. E sentencia: o livro ainda tem vez, e está sendo beneficiado pelas novas tecnologias.
Seu novo romance, O Inverno e Depois, tem um violoncelista como protagonista. Esse personagem seria, de alguma forma, inspirado na sua experiência como violoncelista da Ospa?
Sim. Escreve-se sobre aquilo que se conhece. Minha experiência de músico sinfônico não poderia passar ao largo da minha criação literária. Foi algo muito forte em minha vida pessoal e nas minhas vivências culturais. Eu já havia ensaiado um texto com essa temática, em O Homem Amoroso, e agora voltei e, espero, com melhor qualificação enquanto escritor. Ao mesmo tempo, este é um romance de amor – mas não só! – em que me permiti avançar por domínios que antes eu não frequentava. E juntar uma história de amor com a música, com Würzburg, com o pampa, tudo isso me deixa muito realizado.
Esse é seu vigésimo livro, e neste ano completam-se 40 anos de seu romance de estreia, Um Quarto de Légua em Quadro. Que balanço o senhor faria dessas quatro décadas de carreira literária?
Creio que fui me tornando melhor escritor, e mais: um escritor que busca renovar-se. Todo escritor têm a convicção que o último livro sempre é o melhor de sua carreira. Mas isso vão saber melhor os leitores e estudiosos.
Várias de suas obras têm componentes históricos. Há muita pesquisa envolvida?
Sim, por certo. Mas o componente histórico é secundário, perante o drama humano das personagens. E é isso que me interessa.
O senhor já declarou que costuma planejar bem os seus livros. Como funciona isso?
Planejar me parece tão natural e necessário que não me ocorre trabalhar de outro jeito. Estamos falando de romance, é claro; já o conto e a poesia podem prescindir de planejamento. Mas quem trabalha a variedade de circunstâncias que estão dentro de um romance, corre o risco de se perder em meio à escrita se não tiver bem nítido o que está escrevendo. Deixar a escrita ao improviso é o caminho certo da catástrofe.
Por suas oficinas literárias já passaram nomes que hoje se destacam nas letras, como Leticia Wierzchowski, Daniel Galera e Cíntia Moscovich. Isso significa que escrever se aprende?
Sim, se aprende. Essa é uma certeza tão cristalina que não consigo imaginar que uma pessoa nasça sabendo escrever literatura.
Qual o papel da leitura na formação de um escritor?
É o principal papel – a leitura é o começo e o fim de tudo; sem ela não é possível pensar numa carreira literária.
Mas o que deve ser lido? Clássicos, contemporâneos, só cânone ou também a dita "literatura comercial"?
Ao contrário do que habitualmente se diz, proponho começar pelos autores contemporâneos e, na medida em que estes referirem à tradição literária, então ler o clássico que interessa naquele momento. Assim deveriam fazer nas escolas, em vez de obrigarem os jovens a começar pela leitura de autores que usam uma linguagem excelente – para o século em que viviam.
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Há algum "pecado original", um erro mais comum quando se trata de escrita?
Há vários pecados originais, mas o maior, sem dúvida, é a falta de ousadia para romper com os padrões do cânone literário. Disso resultará algo sem interesse para qualquer leitor.
Seu currículo acumula alguns dos principais prêmios literários brasileiros, como Açorianos, Jabuti, Machado de Assis, Fato Literário, Portugal Telecom e Erico Verissimo. Esse reconhecimento é importante para um escritor?
Sim, no começo da carreira. É uma espécie de aval. Os escritores maduros deveriam se abster de concorrer a concursos, para dar espaço aos jovens. Estes prêmios que você cita eu os recebi sem me inscrever.
As listas de mais vendidos vêm sendo dominadas por livros de celebridades da internet. Esse tipo de livro pode ajudar na formação de leitores?
Sim, não vejo problema, porque, com o tempo, o leitor procurará literatura de qualidade.
Aliás, em um mundo tão "digital" quanto o atual, o livro ainda tem vez?
Não só tem vez, como está fortemente beneficiado pelo mundo digital. As edições em e-book vieram para ficar e, com o tempo, substituirão o meio físico. E alguns livros indisponíveis no Brasil por razões comerciais de importação, podem ser adquiridos com um click e podem ser lidos de imediato.
Entrevista
"O livro é beneficiado pelo mundo digital", diz Luiz Antonio de Assis Brasil
Com 40 anos de carreira e vigésimo livro recém-lançado, escritor e professor fala sobre literatura
Maristela Scheuer Deves
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