Submeter seus textos à apreciação de outras pessoas é sempre um passo importante para quem ambiciona ser escritor. E quando essa apreciação ocorre de forma anônima, num concurso literário, o passo é maior ainda, proporcionando uma noção mais exata da qualidade dos escritos. Os poemas, contos, crônica e romance cujos trechos ilustram esta página passaram recentemente por esse crivo, mais precisamente pelo Concurso Anual Literário de Caxias do Sul, no qual foram premiados.
Leticia Wierzchowski fala de novos livros e de oficina em Caxias do Sul
Em sua 50ª edição, o certame recebeu 57 inscrições nas categorias Contos, Crônicas e Poesias, voltadas a textos inéditos, e 22 em Obra Literária – Prêmio Vivita Cartier, voltada a livros já publicados. Alguns dos premiados são estreantes, outros já têm uma parte do caminho trilhado, com publicações em antologias ou mesmo individuais, mas todos garantem: o troféu que será entregue no próximo dia 16, em cerimônia na prefeitura, é tanto um reconhecimento de seu trabalho quanto um incentivo para continuarem escrevendo.
– Esse é o prêmio mais importante para mim, pois tirando premiações de escola, foi o primeiro prêmio que ganhei em 2012, quando "formalizei" a minha profissão, ao publicar meu primeiro livro. É muito bom saber que três nomes de peso julgaram meus escritos e me concederam este prêmio – avalia Pedro Guerra, vencedor em Contos e autor de quatro livros publicados.
Confira as últimas notícias de Cultura e Tendências
O jornalista e escritor Marcos Kirst, que venceu em Obra Literária com o romance A Sombra de Clara – já vencedor do Açorianos de Criação Literária, em 2014 – também vê a nova premiação como uma chancela para o seu trabalho:
– No meu caso, tem ainda um fator emocional, pois a Vivita Cartier, que dá nome ao prêmio, é a madrinha da minha cadeira na Academia Caxiense de Letras, e estou pesquisando para um livro sobre ela – completa.
Os jurados desta edição foram três nomes reconhecidos do mundo das letras: os escritores José Clemente Pozenato, Jayme Paviani e Dilan Camargo. Sobre os critério utilizados na seleção, Paviani explica que entre eles estavam o dominínio do texto, a maneira de desenvolver os temas e a presença de um estilo próprio do autor:
– Em Obra Literária, que teve um n úmero expressivo de inscritos, 50% demonstraram um bom domínio de texto, mas em alguns ainda falta amadurecer um pouco. A escrita é algo que depende também do domínio técnico e de um certo amadurecimento – analisa o poeta e filósofo.
Pozenato, autor de obras como O Quatrilho, também salienta que boa parte dos trabalhos já publicados apresentou alta qualidade. Quanto aos textos inéditos, conta que sentiu em muitos inscritos uma falta de conhecimento sobre as características de cada gênero e a insistência em escrever sobre emoções pessoais, tanto em crônica quanto em poesia.
– Como dizia o Drummond, não faça poesia com os seus sentimentos – brinca, dando a dica para quem for concorrer nas próximas edições.Dilan Camargo, patrono da última edição da Feira do Livro de Porto Alegre e com larga experiência em concursos literários, destaca que é comum a maioria dos inscritos serem iniciantes, ainda sem formação literária. No caso do concurso caxiense, diz ter encontrado ótimos exemplos de poesia, e também ter se surpreendido com alguns contos.
– A maior dificuldade foi a crônica.
Para quem pensa em concorrer no próximo ano, Pozenato dá uma dica: é preciso dominar a técnica.
– Não é à toa que, em grego, "arte" é "téchni".
TRECHOS
"Conheci o seu sotaque delicado em um banco de praça. Em seu colo, um livro de Balzac que servia como instrumento imaginário. Pela contracapa, os dedos avançavam e recuavam em uma insistente música ilusória. Curiosa que só, não pude deixar de reparar. Eu rondava o mundo ao meu redor, mas no fim caía naquela cena logo ao meu lado, no mesmo banco. Travava o olhar em suas mãos forradas por veias que davam cor ao ato. Era um sinal de fogo em meio a uma vida em preto e branco."
(do conto "Partitura", de Pedro Guerra - 1º lugar Contos)
"Aqui estamos mais uma vez, incontáveis vezes desde que nos encontramos, separados pela distância dos corpos mas, principalmente, pela distância das almas. Teimamos em enganar o destino, como fugitivos da tempestade, e contrariando todas as probabilidades e apostas, aqui estamos, mais uma vez."(do conto "Teia Viva", de Daniela Polidoro Lima - 2º lugar Conto)
"O rosto redondo e graúdo, de grandes olhos castanhos, quase sempre semicerrados, e o ar envolto de extrema simpatia confiavam-lhe o aspecto daqueles homens que conseguem observar os recônditos da alma. Estes homens sabem falar das coisas de primeira grandeza: as coisas da alma. Falam de futebol, sim, de carros também, inclusive de mulheres. Mas não são esses os seus assuntos preferidos, preferem a conversa que penetra o âmago, a conversa que trata das angústias que todo o ser humano experimenta pelo simples fato de existir."
(do conto "Um marido insensível", de Silomar Álvaro Pertile - 3º lugar Contos)
"o menino transporta o riacho
a mochila, a margem, o mundo
não há fronteira na ida, a pé
nem barreira se ele quiser"
(do poema "Riacho e Menino", de Délcio Agliardi - 1º lugar Poesia)
"Em todo fim de noite
tem solidão no nosso quarto
que a gente deseja boa noite e a vida segue"
(do poema "Boa Noite", de Ricardo De Marco Pereira - 2º lugar Poesia)
"E as limeiras? Bem, há três delas na minha casa. Duas foram plantadas pelo meu marido e uma nasceu sozinha. Uma delas quase foi assassinada pelos transeuntes menores que iam em direção ao Guerini e não tinham o mínimo respeito pelas coitadinhas que iam crescendo. Entretanto e graças à Providência ela sobreviveu! Como são elegantes as limeiras! Como são saborosas as limas!"(da crônica "Árvores, Arbustos e Artistas", de Suzana Webber Alves - 1º lugar Crônicas)
"Como recusar a oferta, mesmo sendo uma e pouco da tarde de um dia quente, e a cabeça ainda latejando e a garganta ainda sentindo o gosto do vinho tinto da madrugada? Vinho, conhaque... Nenhum me faria nada, no final das contas. E havia uma pose cinematográfica naquilo, naquele charme todo envolvendo o ato de Tinho, o pintor, me oferecer o cálice de conhaque, que devia ser dos bons, não daqueles de marca vagabunda que o César a muito custo conseguia pagar nos bares que frequentávamos"
(do romance "A Sombra de Clara", de Marcos Fernando Kirst - Prêmio Vivita Cartier / Obra Literária)