Quando fala de Trazmundo e Pegavento (Buqui, 128págs., R$ 35), seu primeiro romance, o publicitário e escritor Elvio Gonçalves se empolga. Volta a ser o menino que morava em Alegrete e, no verão, ia passar as férias no interior, com os avós. E são os personagens desse universo - que na ficção ele chamou de Campo Fundo - que povoam o livro, cujo lançamento ocorre nesta quarta-feira, dia 16, às 20h, no Zarabatana Café.
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Na trama, um menino que visita seus avós em Campo Fundo narra suas aventuras e descobertas, mesclada aos "causos" do avô. Aos poucos, vão sendo introduzidos os diferentes personagens e seu "modus vivendi" - que, aos olhos do protagonista-narrador, parece apartado do mundo. Assim, conhecemos Leopoldo Coposujo, Terêncio Boatontura. E, claro, Tonho Pegavento e Tereza Trazmundo, dois esquisitos apenas tolerados pelo restante da comunidade.
Pegavento, que ganhou o nome pela facilidade em fazer suas pipas voarem e hoje constrói cataventos, é guasqueiro de mão cheia, fazendo artefatos de couro para os pequenos produtores locais, mas é visto como louco. Trazmundo, assim chamada por ser parteira, é tida como bruxa, e as crianças são alertadas para não se aproximarem da casa.
Mas o pequeno narrador, por ser de fora, não tem tanto medo assim deles, e acaba "enfeitiçado" pelos bolos e, principalmente, pelos livros da parteira.
- Foi lá, aos oito anos, que li meu primeiro livro, Viagem ao Redor do Mundo em 80 Dias - conta Elvio, mostrando como a realidade se mesclou à ficção.
Para ler a obra de Júlio Verne, entretanto, ele precisava ir até lá diariamente, pois ela não deixava que levasse os livros. Assim, aos poucos, a "toca da bruxa" foi se transformando, na vida real e na ficção, numa sala de leitura, introduzindo o personagem e o futuro escritor nas delícias da literatura.
Não pense, porém, que se trata de um livro infantil, ou infantojuvenil. Trazmundo e Pegavento é, ao mesmo tempo, uma espécie de fábula e uma representação do Rio Grande do Sul, em escala menor. Embora não tenha CTGs e ninguém fale "tchê", os moradores-personagens de Campo Fundo são os típicos habitantes do interior (ao menos, de antigamente), com seus costumes, crenças e até mesmo preconceitos - muitos dos quais persistem até hoje.
Até mesmo a origem do Gre-Nal tem sua explicação na trama, num jogo que termina em "meio a meio" no qual um dos times veste vermelho e o outro azul (porque eram as duas únicas cores de tecido no armazém). E embora ali não houvesse Estado, sendo o padre a autoridade maior, o jogo também faz alusão à política, uma vez que a divisão das equipes obedece ao critério de quem mora à direita e à esquerda da igreja.
Pena que o Campo Fundo real não exista mais: deu lugar a um mar de soja, conta o autor. Suas histórias e personagens, entretanto, continuam vivos nesse livro tão saboroso quanto os bolos da bruxa Trazmundo...
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