- Tirei a lactose do meu cardápio e diminuí drasticamente a ingestão de glúten - declarou Juliana Paes em uma entrevista à revista Contigo!, na qual justificava a perda de 16 quilos.
Assim como ela, símbolos sexuais como Gisele Bündchen e Kim Kardashian - só para ficar em dois extremos de forma física - têm confessado que aboliram glúten e lactose da dieta e, por isso, mantêm corpos esculturais sem esforço. E nem precisa perguntar muito por aí: você provavelmente conhece alguém que, recentemente, cortou essa dupla da alimentação porque descobriu alguma intolerância aos ingredientes.
Na mesma proporção, basta observar as prateleiras dos supermercados para constatar que elas estão cheias de produtos sem glúten ou lactose - de biscoitos a agnolini. Há uma oferta crescente desses alimentos, como ocorreu com os diet e light no passado.
- Esse mercado em nicho começou a aparecer na década de 1990, e aqueles glúten e lactose free surgiram nos últimos cinco anos - observa a engenheira agrônoma Claudia De Mori, pesquisadora na área de socioeconomia na Embrapa Trigo.
Ainda assim, o aumento da gama de produtos oferecidos - e do consumo pela população - não tem relação direta com o número de pacientes com a doença celíaca, estimado em 1% da população mundial, muito menos com a conscientização sobre a enfermidade. Estudos nos Estados Unidos sugerem que entre 15 e 25% dos consumidores norte-americanos querem alimentos livres de glúten - não há estudos similares no Brasil. O lucro no comércio desses alimentos teve um incremento de 28% em apenas quatro anos, saltando de 1,31 bilhão de dólares em 2011 para 1,68 bilhão de dólares em 2015.
Trata-se de um modismo ou uma providência necessária, causada por um excesso de substâncias que podem não ser tão bem absorvidas pelo organismo? Segundo a nutricionista funcional Keli Vicenzi pode ser um pouco dos dois:
- Isso virou um mercado. Virou moda porque veio de fora do Brasil, impulsionado pela divulgação da medicina funcional praticada nos Estados Unidos, que aqui se chama nutrição funcional.
A nutricionista observa que também se dá pela divulgação de informações mal elaboradas:
- Há um modismo. Todos dizem que Juliana Paes cortou o glúten e emagreceu, mas não dizem que há muita atividade física e tratamentos estéticos envolvidos nisso. Mas não se comprova o aumento de celíacos no consultório.
Segundo Keli, a intolerância pode se dar por vários fatores, como trigo geneticamente modificado, consumo demasiado de alimentos com glúten - proteína que está presente no trigo, no centeio, na cevada, no malte e na aveia - e excesso de comida industrializada na dieta. É como se, numa analogia, para alguns, a água tivesse transbordado do copo (sendo a água o glúten e o copo o organismo).
- Antigamente as pessoas comiam mais feijão com arroz e costumavam jantar, em vez de comer sanduíche. Uma alimentação equilibrada prevê a ingestão de cinco porções diárias de carboidratos e, muitas vezes, as pessoas consomem alimentos com glúten em demasia (como pão, biscoito, barra de cereal e massa). Assim, o sistema (digestivo) precisa ficar sempre reconhecendo o nutriente - explica a nutricionista.
Dados da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abima) estimam que 55% da farinha processada seja consumida na indústria da panificação e confeitaria, 14% na fabricação de massas, 10% na produção de biscoitos, 7,7% no consumo doméstico, 5,6% no autosserviço, e 7,2% em outros usos.
Claudia ressalta que o consumo de trigo por habitante ao ano no Brasil passou de 42,4 quilos na década de 1970 para 57,4 quilos nos dois últimos anos, um crescimento de 35%. Mudou, também, a maneira como o trigo é consumido no Brasil, de acordo com dados da Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE.
- Observa-se redução de consumo da farinha de trigo (de 5,1 kg por habitante ao ano para 3,4 kg) e aumento de consumo de pão (de 14,8 kg para 15,8 kg) e de mistura para bolo (0,18 kg a 0,27 kg). Isto demonstra uma mudança no perfil do consumo de aquisição de comidas prontas ao invés de produção doméstica - avalia Claudia.
Esse comportamento é influenciado, acredita ela, pelo aumento da participação feminina no mercado de trabalho e pela maior oferta de pontos de venda e de variedade de produtos. O consumo se concentra, na grande maioria, nas regiões Sul e Sudeste.
- Há uma tradição cultural, por causa da imigração europeia, um saber fazer (pão em casa, por exemplo) e uma oferta para o consumo regional - observa Claudia.
Se a restrição do consumo da substância pode trazer benefícios para algumas pessoas, Keli ressalta que não há relação direta entre a eliminação do glúten e o emagrecimento. A nutricionista observa que existem substitutos para a dieta e que o segredo para uma vida saudável é o equilíbrio.
- Daqui a um tempo, vamos observar a mesma situação com outros alimentos: excesso de tapioca, de fécula de batata, de farinha de arroz... Nosso organismo é uma máquina sem direito a reposição de peças- constata.
Saúde
Intolerância ao glúten e à lactose: realidade ou modismo?
Prateleiras de supermercados estão cheias de produtos livres dessas substâncias
Tríssia Ordovás Sartori
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