A cara de Tim Burton está mais presente na temática do que no universo estético de Grandes Olhos, recente empreitada do cineasta que estreia nesta quinta-feira, na Sala Ulysses Geremia, em Caxias. O filme conta a história da artista plástica Margaret Keane, que carrega um ar de melancolia um tanto bizarra em suas obras e de quem, obviamente, Burton é fã.
Os quadros traziam rostos, geralmente infantis, com grandes e sombrios olhos _ "parecem jujubas velhas", alguém define durante o longa. Mas, de sombrio, só mesmo os olhares e a trajetória de submissão de Margaret com relação ao marido e charlatão Walter Keane. Esteticamente, o filme retrata ambientes solares e coloridos _ se bem que às vezes podem lembrar o esquisito bairro que rodeava o castelo de Edward Mãos de Tesoura. A velha crítica burtoniana ao "american way of life".
A trama tem início com Margaret e sua filha pequena fugindo de casa. As duas se mudam para uma praia em São Francisco, e precisam lidar com o impacto causado pelo divórcio na década de 1950. Logo, Margaret conhece o também artista Walter e se apaixona. O casal vive feliz até que as obras dela começam a fazer sucesso, e ele finge ser o autor. As personalidades completamente opostas dos personagens configuram um prato cheio para os talentosos Amy Adams e Christoph Waltz, seus intérpretes. Enquanto ela é delicada e introvertida, ele é vaidoso e conversador. Assim, Walter convence Margaret de que venderão muito mais se as pessoas acharem que ele é o autor dos quadros. E ela aceita.
Amy constrói sua Margaret na suavidade. A atuação impecável lhe rendeu um Globo de Ouro de Melhor Atriz em Comédia ou Musical. Mas mesmo sendo uma pessoa agradável e ponderada, Margaret é artista, ou seja, não deve olhar para o mundo da mesma forma que a maioria. Isso fica bem evidente quando ela passa a enxergar as pessoas ao seu redor desfilando com os mesmos obscuros olhos que retratava nas telas _ a cena mais Tim Burton do filme, ou talvez a única que segue aquele conceito de estranheza estética sempre ligado ao diretor.
Se Amy Adams é dona das tomadas mais dramáticas, Waltz extravasa em momentos mais cômicos, tornando Walter propositalmente forçado em muitas sequências. O personagem é uma coisa entre o afetado e o fanfarrão, mas ainda assim parece um pouco exagerado às vezes.
Mas além da atuação de Amy Adams e da história real de superação de Margaret Keane, o melhor com relação a Grandes Olhos é o contexto cultural e artístico dos Estados Unidos dos anos 1960, como a reprodução em massa e consequente popularização das obras pelo pai da pop art, Andy Warhol. Há também alguma discussão sempre válida sobre o que é arte ou não.
Usurpador
'Grandes Olhos' estreia nesta quinta-feira, em Caxias
Siliane Vieira
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