A data de chegada do fundador da primeira banda de Caxias não poderia ser mais emblemática: ao despontar de 1883, como que antevendo um futuro promissor pela frente. Em 1º de janeiro de 135 anos atrás, o imigrante italiano Ottavio Curtolo instalava-se no lote colonial número 63, da Quinta Légua do Travessão Solferino, imediações dos bairros Nossa Senhora de Lourdes e Cruzeiro. Foi lá que Curtolo mesclou moradia e a pioneira escola de música que o antigo Campo dos Bugres viu surgir. Na rudimentar casa de madeira ensaiava também o grupo que daria origem à Banda Santa Cecília, a primeira de Caxias do Sul.
Batizada em homenagem à padroeira da música, a banda tinha na residência de Curtolo e na colônia 63 o local das "primas" apresentações. Conforme informações reunidas na publicação História de Caxias do Sul – 4º Tomo, de João Spadari Adami, encontravam-se por lá os músicos Clemente e Agostinho Curtolo, Luiz Bacichetto, Ozônio Faccin, José Boff e, algum tempo depois, o também imigrante italiano Victor Fedumenti, natural da província de Vicenza.
Passada a fase de organização, ensaios e performances amadoras, a "prova de fogo" da Santa Cecília veio mesmo em 5 de dezembro de 1895, data do lançamento da pedra fundamental da Catedral de Santa Teresa, padroeira de Caxias do Sul. Foi quando a banda estreou seu novo e famoso uniforme de "bersaglieri" (atirador), conforme registra Spadari Adami na compilação histórica lançada em 1966 - nesse mesmo dia e evento, estreava também a "concorrente" Banda Ítalo-Brasileira.
Alfaiates, barbeiros e marceneiros
No finalzinho do século 19, mais precisamente em 1898, a Santa Cecília tinha entre seus integrantes trabalhadores das mais diversas áreas: ferreiros, sapateiros, barbeiros, pintores, alfaiates, moleiros, marceneiros, seleiros, metalúrgicos, etc. Entram aí nomes como Vicente Cossio, Alberto Rech, José Piccoli, Carlos Vilalba, Ferdinando Clamer, Romano Rossi, Victorio Rizzotto, Angelo Bragagnolo, José Pauletti, Francisco Rosina, Angelo Florian, Luiz Fonini e Orestes Bottini.
Boa parte deles morava ou frequentava a chamada "La Colonia Dei Musicanti" (A Colônia dos Músicos). O lugarejo situava-se às margens da Rua Luiz Michielon, próximo à esquina com a Angelina Michielon, estendendo-se até as proximidades do antigo Moinho Franzoi, em Lourdes. Mas era na rua que os músicos mostravam mesmo "a que vinham". Domínio e técnica nas trompas, trompetes, trombones e bumbos somavam-se a uma espécie de rivalidade, a ponto de haver registros de embates físicos.
Conforme Spadari Adami destaca no livro, havia o costume de uma banda permanecer em silêncio enquanto a outra estivesse tocando. Certa feita, uma delas (não sabe-se ao certo se a Santa Cecília ou a Independente) emendou uma tocata sem fim. Quando percebeu o propósito da birra, a "colega" perdeu a paciência e deu início à sua apresentação. Uma subindo, a outra descendo a Júlio de Castilhos, ambas chocaram-se nas imediações da antiga Casa Prataviera.
"Será preciso voz dizer, caros leitores, que os consertadores de instrumentos musicais fizeram um féria gorda naquela semana", escreveu Spadari Adami em 1966, completando que cada banda tinha também seus fãs infantis: (...) e o cacete cantava também entre eles. E mais seguidamente.
Luta corporal
Outro episódio envolvendo rivalidade deu-se em 1892. Conforme descrito por João Spadari Adami, "no botequim de Carlota Voltolini, sito à Rua Alfredo Chaves, elementos das bandas de música Santa Cecília e Ítalo-Brasileira empenharam-se em tremenda luta corporal, da qual saiu ferido à faca o músico Reinaldo Bergamaschi, da Ítalo-Brasileira".
Na virada do século
Auxiliar e sucessor de Ottavio Curtolo como regente da Banda Santa Cecília, Victor Fedumenti, era também compositor. Foi ele o criador da peça sacra apresentada na missa realizada à meia-noite da passagem do século 19 para o 20, na Catedral de Santa Teresa.
Conforme descrito no livro História de Caxias do Sul – 4º Tomo, de João Spadari Adami, a música foi executada apenas por instrumentos de sopro. Naquela madrugada, o conjunto regido por Fedumenti estava composto por João Bergosa, João Bragagnolo, Romano Rossi, Umberto Zanella, Angelo Florian, Ferdinando Rosina, Germano Piccoli, João Florian, Vicenzo Cossio, Orestes Bottini e José Boff.
A Banda Ítalo-Brasileira
Dez anos após o surgimento da Santa Cecília, por volta de 1894 era fundada Banda Ítalo-Brasileira, sob a coordenação do jornalista, advogado e músico Maurício Nunes de Almeida e do regente Francisco Zani. Na foto acima, disponibilizada pelo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, vemos o grupo no início do século 20.
Na fila da frente, a partir da esquerda, estão Guerino Sartori, João Mocelin, Atílio Sartori, Francisco Zani, Antonio Ceola, Francisco Adami e Tito Rossi. Atrás vemos Odone Gianferrari (com o porta-estandarte), Francisco Ceola, Sétimo Sartori, Maximo Sartori, Antonio Manfro, Antonio Artico, Quinto Fillippini e Alberto Sartori. Conforme descrito por João Spadari Adami, a Banda Ítalo-Brasileira era conhecida também com a "Musica dei Sartori".
A Banda Independente
Além da Santa Cecília e da Ítalo-Brasileira, a Caxias da última década de século 19 viu surgir a Banda Independente, dirigida pelo marceneiro João Bragagnollo e formada por remanescentes da Ítalo-Brasileira. Na sequência vieram a Banda União, fundada por Evaristo De Antoni, e a Banda do 9º Batalhão de Caçadores (quartel), surgido há exatos 100 anos, em 1918.